Arquidiocese de Braga -

7 fevereiro 2022

Todos discípulos missionários!

Fotografia Avelino Lima / DM

Homilia de D. Nuno Almeida na Eucaristia Solene do Dia Nacional da UCP, a 6 de Fevereiro de 2022.

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1.Todos discípulos missionários! Isaías, Paulo e Pedro e seus companheiros. Todos são escolhidos e chamados, ora na liturgia do templo, ora na curva da estrada, ora junto da barca estacionada. De Isaías, o Senhor serviu-Se para o enviar em Seu nome aos seus irmãos. A Paulo, Cristo agarrou-o, para transmitir a todos a Boa Nova do Reino. E, por fim, a Pedro, Jesus desafia a fazer-se ao mar, para o repescar e fazer dele e dos seus companheiros pescadores de homens. Ei-los todos e cada um, chamados e enviados em missão, ou dito daquele modo que já sabemos, todos discípulos missionários! Reconhecemo-los como discípulos missionários verdadeiramente fiéis, felizes e fiáveis! A UCP existe para fazer discípulos missionários e cidadãos ativos e criativos, livres e responsáveis.

Numa palavra: na Igreja de Cristo, ninguém é só pescador ou só peixe. Na verdade, todos somos, ao mesmo tempo, pescados e pescadores, ou, dito de outro modo, todos somos evangelizados, para nos tornarmos evangelizadores! Discípulos-missionários – como repetidamente nos lembra o Papa Francisco.

2. Isaías, Pedro e Paulo. Santos e pecadores. Deus escolheu-os para que, na sua fraqueza, se percebesse claramente que a obra da evangelização «não vem de nós, mas de Deus».

«Ai de mim, que estou perdido. Porque sou um homem de lábios impuros»!Confessa Isaías, o profeta, possuído pela glória do Deus Santo. Mesmo assim, enviado pelo Senhor...

«Eu sou o menor dos Apóstolos e não sou digno de ser chamado Apóstolo, por ter perseguido a Igreja de Deus». Confessa Paulo. Apesar disso, chamado, por Cristo, ao anúncio da Boa Nova... 

«Afasta-te de mim, Senhor, que sou um homem pecador».Confessa Pedro, atemorizado pela pesca milagrosa. Ainda assim, chamado por Jesus a ser «pescador de homens»!

3. A todos, em todas as idades e condições, Jesus chama e envia. Ele, o Homem do leme, deixa-nos esta ordem, para entrar na barca e zarpar em missão: “Faz-te ao largo e lança as redes”! Lançai as novas redes sociais e digitais, as novas redes de vizinhança e de entreajuda, as novas redes de diálogo e de encontro, as novas redes de comunicação e de ligação. Talvez, devamos lançar hoje o evangelho, por outras redes, como a internet, as redes sociais, os meios de comunicação social, se queremos que a mensagem do evangelho seja comunicada na linguagem das novas culturas juvenis. É preciso conhecer bem este modo juvenil de pensar e viver, para propor, com beleza, Cristo aos jovens, e na linguagem deles. 

Aos desafios deste tempo – lembra ainda o Papa Francisco na Fratelli Tutti - responde-se com redes comunitárias, não com a mera soma dos bens ou capacidades individuais: “Precisamos de descobrir as riquezas de cada um, valorizar aquilo que nos une e olhar as diferenças como possibilidade de crescimento no respeito por todos” (FT 134).

4. Para os alunos, professores, colaboradores e todos os que fazem parte da Comunidade Académica da Universidade Católica – a quem saúdo com alegria, amizade e reconhecimento - ressoa hoje um convite de Cristo: “faz-te ao largo!” E o que significa, hoje, para a Universidade Católica Portuguesa fazer-se hoje ao largo e lançar as redes, no vasto mar da missão?

Significa que a Universidade Católica Portuguesa assume - neste dia que lhe é dedicado e pela voz da sua Reitora - o propósito firme de contribuir, com a própria ação científica e formativa, para um novo humanismo, vertido no desenvolvimento de uma sociedade mais inclusiva e solidária, ambientalmente sustentável, centrada na defesa intransigente da dignidade humana.

Perante a “transformação voraz” de estruturas e mentalidades, agravada pelos desafios da pandemia, é preciso assumir, sem hesitar, a necessidade de “renovar e atualizar os valores do humanismo”.

De facto, existe hoje uma tentativa de desconstrução de uma preciosa aquisição moral e civilizacional, ao pretender-se anular o que “é próprio do ser humano” (Le propre de l´homme é o título de um recente livro do filósofo francês Rémi Brague sobre esta questão, que ele encara na perspetiva de uma “legitimidade ameaçada”). 

A dignidade humana é a base de todo o edifício ético e jurídico dos direitos humanos e encontra apoio na visão bíblica do ser humano “criado à imagem e semelhanças de Deus” e na visão cristã da pessoa humana chamada a partilhar a vida do Deus-Amor uno e trino. A reflexão racional desde tempos imemoriais também tem reconhecido a especificidade do ser humano, além do mais como agente moral, livre, sujeito de direitos, mas também vinculado a deveres e responsabilidade. 

Ignorar o que “é próprio do ser humano” é ignorar a sua dimensão espiritual que somente nele está presente, não podendo ser apagado ou desvalorizado o património de realizações especificamente humanas, como a religião, a arte, a filosofia ou a ciência. 

Como é importante testemunhar e proclamar, hoje, a dignidade humana, pois o animalismo não pode superar o humanismo. Há que forjar um novo Humanismo que saliente a centralidade da pessoa sem a reduzir a um essencialismo individualista, que se exerça numa cultura de diálogo e de encontro, na relação com o planeta como nossa casa comum, na capacidade de acolher os mais frágeis, numa economia com crescimento solidário, de sociedades que garantam a igualdade de todos perante a lei e que defendam os valores da democracia.

5. Pedro lançou as redes para a pesca não baseado nas suas capacidades de pescador experimentado, mas por causa da Palavra de Jesus ou sobre a Palavra de Jesus. A nova missão de pescador de homens tem de estar assente nesta Palavra de Jesus. A missão de Pedro é a nossa missão, a das comunidades cristãs, a das comunidades académicas que se inspiram no Evangelho como a Universidade Católica. 

Faz-te ao largo! Confia!

Faz-te ao largo e abandona os velhos hábitos, que te impedem de andar. Deus envia-te ao mundo para anunciar uma primavera de liberdade, promovendo a dignidade inviolável da pessoa humana.

Faz-te ao largo e abandona todas as dúvidas que obscurecem o teu dia-a-dia. Deus envia-te ao mundo para dar cores novas a cada dia que nasce, fomentando redes de partilha solidária dos bens materiais, espirituais, intelectuais e relacionais.

Faz-te ao largo e abandona tudo aquilo que te retém na margem da estrada. Deus envia-te ao mundo e quer fazer de ti um homem corajoso, que não tem medo de calçar as sandálias e pôr-se a caminho para servir.

Faz-te ao largo: Deus já está a caminho e precede-te. Não tenhas medo de arriscar. Ele faz-te sentir a sua presença reconfortante, enviando a força suave do Seu Espírito! Amen!

 

+Nuno Almeida, Bispo Auxiliar de Braga