Arquidiocese de Braga -

1 fevereiro 2022

Missa na televisão e a Igreja Sinodal

Fotografia Bruno Levy

DACS com La Croix International

Produtores de um popular programa dominical discutem os desafios de ajudar os católicos a serem participantes activos na liturgia, mesmo à distância.

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Frei Thierry Hubert é um padre dominicano que produz um programa de televisão ao Domingo chamado Le Jour du Seigneur (O Dia do Senhor).

O programa de 90 minutos no canal France 2 também inclui uma missa transmitida ao vivo. Catherine Pic é responsável por essa parte do programa. Os dois contaram a Florence Chatel, do La Croix, sobre os seus esforços para realmente darem vida à Missa para os telespectadores e ajudá-los a serem participantes activos, mesmo à distância.

 

La Croix: Todas as semanas transmitem uma missa paroquial ao vivo através da televisão com 600 mil, 800 mil espectadores. É possível formar uma assembleia sem se verem fisicamente?

Catherine Pic: Sim, desde que preparemos a comunidade paroquial que nos recebe para prestar este serviço aos telespectadores. Não estamos lá para mostrar o quepodem fazer, mas para permitir que as pessoas que, por vários motivos, não se unem a uma comunidade paroquial, possam vivenciar a Missa. Hoje, as pessoas de precisam ser consoladas, de ouvir uma palavra positiva. Precisam de ouvir que podemos olhar para um futuro possível. Durante o fim-de-semana, estamos no local com as equipas técnicas para ajudar a comunidade paroquial a integrar os espectadores na sua celebração. O objectivo é que encontrem Cristo através de uma palavra, uma música, uma imagem. Alguns directores apresentam o nosso trabalho aos paroquianos desta forma: vamos contar a vossa história e permitir que os espectadores entrem nela.

Thierry Hubert: A missa televisionada não está a ser coberta de uma forma que nos deixe à distância. As escolhas artísticas do director ajudam a entrar na celebração e a senti-la. É como o fermento na massa. Mostrar os fiéis a rezarem, a riqueza do património de uma Igreja e um detalhe da Palavra ajuda o espectador a envolver-se na celebração e a vivenciá-la. Acho que devemos ir e escolher momentos de verdade. Lembro-me das missas com cegos. Quando vemos uma pessoa a ler a Palavra de Deus em Braille, é um momento de emoção porque ela é uma testemunha de Deus que chega a todos. Isso é profético numa sociedade onde a performance ocupa um lugar de destaque. Também procuramos mostrar a diversidade das comunidades paroquiais que se reúnem aos Domingos para celebrar Cristo Ressuscitado. Fazem-no com a sua história e com quem são.

 

Este “caminhar em conjunto” com as paróquias dá-vos uma visão bastante singular da Igreja Católica em França. Que desafios percebem na forma de celebra?

Thierry Hubert: O nosso objectivo é chegar aos espectadores nas alturas dos seus questionamentos, nas dificuldades da vida e nos momentos de alegria. Para isso, temos que garantir que as nossas celebrações sejam fundamentadas: a palavra “Eucaristia” significa “acção de graças”, mas é toda a nossa vida que deve ser acção de graças. Sabemos a quantidade de divisão que existe hoje entre o vocabulário religioso e a realidade quotidiana. Se o vocabulário que usamos não faz sentido para quem nos ouve, cai por terra.

Catherine Pic: Este é todo o sentido da celebração eucarística. Duas linguagens coexistem numa celebração: a linguagem da palavra de boas-vindas e da homilia que deve chegar ao povo – temos que falar a língua deles – e a linguagem que nos é dada pela Igreja, porque uma celebração tem um carácter universal. Apesar de tudo, é possível fazer escolhas no contexto da liturgia. Todo o nosso trabalho com as comunidades é fazer as escolhas certas para que as pessoas possam entrar na celebração. Na liturgia, não há espectadores. É a acção do Povo de Deus. Todos celebram, não só quem está atrás do altar. Também é importante que seja bonita. A Constituição do Concílio Vaticano II sobre a Sagrada Liturgia fala de “nobre simplicidade.”

Thierry Hubert: Acredito que devemos abraçar a dimensão teatral da liturgia. É diferente do teatro onde se desempenha um papel. A dimensão teatral pode ser implementada na forma como o livro dos Evangelhos é transportado, como as pessoas falam, como se movimentam ou ficam paradas, nos momentos de silêncio... Os espectadores estão assim particularmente atentos à homilia. De repente, a Palavra de Deus com um comentário chega até eles nas suas salas de estar. Pode pensar-se que eles não estão a saborear a essência da Eucaristia porque, enquanto podem ouvir e estar em comunhão com a oração eucarística, não podem comungar o Corpo de Cristo. Mas é aqui que existe a mesma realidade entre a Palavra e o pão. Durante o primeiro confinamento, sentimos o quanto os fiéis se ligaram a uma palavra que lhes abriu um possível caminho. Procuravam o alimento e experimentavam realmente a Eucaristia como o pão da viagem: “Levanta-te e come, pois tens ainda um longo caminho a percorrer.” (1 Reis 19,7).

 

Como é tida em consideração a escuta da Palavra de Deus na preparação de uma Missa transmitida através da televisão?

Catherine Pic: Como primeiro passo, convido sempre os membros da paróquia envolvidos na preparação a meditarem juntos a Palavra de Deus para o Domingo de em que o evento ao vivo irá acontecer. O que é que esta Palavra nos diz para hoje? A partir dessa partilha, podemos tomar decisões. Caso contrário, a comunidade paroquial arrisca-se a escolher canções de que gosta sem muita ligação com os textos para o Domingo em questão. Partindo da Palavra de Deus, corre-se menos riscos de que a missa seja de uma pessoa que se encarregou da sua organização. Também trabalhamos com equipas técnicas, em que alguns dos profissionais às vezes estão distantes da realidade eclesial. Há realmente um “caminhar em conjunto” com todos nós, onde tentamos escutar-nos uns aos outros na perspectiva de fazermos uma transmissão católica, para que os telespectadores e a paróquia possam vivenciar um momento de comunhão.

Thierry Hubert: Quando todos se calam para ouvir a Palavra de Deus, Ela torna-se uma pessoa, um actor presente na sala que vem modificar a constituição do grupo e a sua forma de evoluir. A partir de então, já não estamos polarizados nos nossos próprios interesses, mas somos movidos a caminhar juntos por trás desta Palavra ou com ela. No Verão passado, foi celebrada uma missa no Monte Cenis, a 2.000 metros de altitude. Eu não estava lá, mas assisti como qualquer outro espectador. Era tão bonito estar ao ar livre. Havia um lago, montanhas, a multidão e o evangelho da multiplicação dos pães que de repente se tornaram relevantes. A Missa é uma grande travessia da morte para a vida. Que seja um milagre permanente que, através da Palavra de Deus, pessoas dispersas de várias idades e condições sociais consigam de repente formar um só corpo eclesial, vindo do corpo eucarístico e da partilha do pão.

Entrevista de Florence Chatel, publicada no La Croix International a 29 de Janeiro de 2022.