Arquidiocese de Braga -

10 janeiro 2022

“Dar voz ao silêncio” é o mote da comissão sobre abusos de menores na Igreja

Fotografia

DACS com Agência Ecclesia

O organismo apela a todos os órgãos de comunicação social, bem como a todas as entidades públicas e privadas incluindo a Igreja, que “adiram à missão de ‘Dar Voz ao Silêncio’ a vítimas de abuso sexual na Igreja Católica Portuguesa”.

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A Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais na Igreja Católica em Portugal apresentou esta segunda-feira a equipa e o plano de trabalho, divulgando contactos para recolher denúncias e testemunhas de vítimas sob o mote de “Dar voz ao silêncio” – nome do site da Comissão.

A Comissão pede os testemunhos de quem tenha sido vítima de abusos sexuais praticados por membros da Igreja Católica portuguesa durante a infância e adolescência. Os testemunhos são recolhidos num inquérito online, numa linha aberta (917 110 000) ou por e-mail ([email protected]), sendo possível agendar um encontro presencial com membros da comissão, mediante marcação prévia por contacto telefónico.

O organismo apela a todos os órgãos de comunicação social, bem como a todas as entidades públicas e privadas incluindo a Igreja, que “adiram à missão de ‘Dar Voz ao Silêncio’ a vítimas de abuso sexual na Igreja Católica Portuguesa”. 

Pedro Strecht, coordenador do organismo, disse aos jornalistas que a comissão existe “para estar ao lado das pessoas, tem disponibilidade toral para as escutar, a seu tempo e com tempo” e que recebeu, por parte da Conferência Episcopal Portuguesa, total “autonomia” e confiança para “organizar e levar a bom termo” o seu trabalho, no ano de 2022.

O psiquiatra apontou como objectivo “esclarecer o melhor possível tudo quanto possa ter acontecido em Portugal”, no que diz respeito a esta realidade “tão necessária de apurar”, precisando “onde, como, quando e por quem” foram abusadas as vítimas.

A conferência de imprensa contou com intervenções dos outros membros da comissão, a começar por Ana Nunes de Almeida, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e presidente do respectivo Conselho Científico.

A responsável precisou que o objectivo da comissão é identificar abusos praticados por membros da Igreja Católica ou nas suas instituições, a fim de “ter uma noção dos números” de casos que aconteceram entre 1950 e 2022, e analisar as suas caraterísticas, procurando tipificar as várias situações. O organismo vai proceder a uma análise da documentação em várias bases de dados e arquivos (APAV, IAC, Procuradoria-Geral da República), além da imprensa e arquivos históricos das dioceses.

Ana Nunes de Almeida sublinhou que o trabalho prioritário passa pelos “métodos de inquirição” para dar a palavra às vítimas desses abusos. “Todas as vítimas, de todas as idades, todos os testemunhos para nós contam”, sustentou.

Álvaro Laborinho Lúcio, juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça e antigo ministro da Justiça, precisou os conceitos de “abusos sexuais” – “práticas sexuais que no Direito Penal português são susceptíveis de integrar crimes de natureza sexual” – e de “crianças”, com os direitos próprios destas pessoas. Esclareceu ainda que não vai estar em causa uma “investigação criminal”, mas um estudo, estendendo o actual critério da lei penal a todo o período de 1950 a 2022.

Face às prescrições, acrescentou, há que distinguir “denúncias” e “testemunhos”, pelo que se estabeleceu uma “relação directa” com a Procuradoria-Geral da República, para encaminhar possíveis práticas criminosas, com elementos de ligação com a comissão.

Daniel Sampaio, psiquiatra e professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa, destacou a importância da comunicação, neste processo, para “captar aquilo que se passou no silêncio, durante tantos anos”, apelando à colaboração dos media.

O membro da comissão alertou para o “profundo sofrimento” das vítimas, com consequências que se estendem ao longo de toda a vida, e apontou que o mais importante é “ouvir o que não foi dito”.

A comissão integra ainda Filipa Tavares, assistente social e terapeuta familiar, que trabalhou cerca de 25 anos numa IPSS, ‘Casa da Praia/Centro Dr. João dos Santos’ com famílias disfuncionais e de risco.

Catarina Vasconcelos, cineasta, licenciada na Faculdade de Belas Artes com pós-graduação em Antropologia Visual no ISCTE e mestrado no Royal College of Art, Londres, apresentou-se como “membro da sociedade civil”.

A Comissão foi anunciada em Novembro de 2021, no final da 201.ª Assembleia Plenária da CEP, e tem a missão de “reforçar e alargar” o atendimento de casos de abusos sexuais cometidos por membros do clero, institutos religiosos ou em instituições eclesiais.

A comissão visa o “acompanhamento a nível civil e canónico” das vítimas e “o estudo em ordem ao apuramento histórico desta grave questão”, sendo ainda criado “um ponto de escuta permanente a nível nacional”.