Arquidiocese de Braga -

15 novembro 2021

V Dia Mundial dos Pobres

Fotografia DM

Homilia de D. Nuno Almeida na missa do XXXIII Domingo do Tempo Comum, na Igreja de São Sebastião, em Guimarães.

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1. Mais uma vez a liturgia nos apresenta as 3 vindas do Senhor. É memorial da primeira vinda, aponta para a vinda final e definitiva e recorda-nos que Jesus vem agora, é nosso conterrâneo, contemporâneo e companheiro. O Senhor está presente em cada irmão, particularmente no mais pobre, frágil ou excluído.

Escutámos a Palavra de Deus que, à primeira vista, nos assusta. Mas, se estivermos bem atentos, compreenderemos que Jesus apenas nos quer dizer uma coisa simples: na nossa vida, há realidades que passam de moda e acabam. Mas há outras realidades, que permanecem, que resistem ao tempo e às modas e, portanto, são eternas. Há estrelas cadentes e estrelas candentes. Há realidades que fazem decair a nossa vida, porque nos desfiliazam (afantando-nos de Deus), nos desfraternizam (separando-nos dos outros) e nos desumanizam (sempre que algum vício nos escraviza).

É lançada hoje a campanha “Dez Milhões de Estrelas”, são estrelas bem candentes, pois são gestos de paz e de solidariedade bem visíveis e concretos que nunca desaparecerão.

Há que construir a nossa vida sobre alicerces firmes e realidades candentes, que iluminem e aqueçam a vida presente e abram o caminho da vida eterna. “As minhas palavras não passarão” – diz o Senhor. 

2. Neste 5.º Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco, na sua mensagem, recorda a cada um de nós: Não fiques à espera que os pobres batam à tua porta. Vai ao seu encontro, lá onde eles estão: em casa, nas margens da rua, no lar, no hospital... Não me perguntes se há pobres ou quantos pobres há! Pobres sempre os terás (cf. Mc 14,7). Os pobres abraçam-se, não se contam. E contarão muito, pois será o cuidado que tiveste com eles que pesará, a teu favor, na balança do juízo final! 

Todos sabemos bem que “no entardecer da nossa vida, havemos de responder pelo amor”. Todos sabemos bem que só permanecerá, só levaremos connosco, o bem que fizermos com os nossos bens: espirituais, materiais e relacionais!

Na Mensagem para este V Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco afirma também que “os pobres não são pessoas «externas» à comunidade, mas irmãos e irmãs cujo sofrimento se partilha, para abrandar o seu mal e a marginalização, a fim de lhes ser devolvida a dignidade perdida e garantida a necessária inclusão social”.

Diz ainda que “no ano passado, veio juntar-se outra praga que multiplicou ainda mais o número dos pobres: a pandemia.” Recorda-nos que “há muitas pobrezas dos «ricos» que poderiam ser curadas pela riqueza dos «pobres», bastando para isso encontrarem-se e conhecerem-se”.

Numa longa conversa, neste verão, ouvi com muito atenção a experiência emocionada de alguém. Durante muito anos a sua vivência religiosa resumiu-se a deixar a esposa à porta da sua Igreja, em cada domingo, ir para o café e no fim da Missa regressarem os dois a casa. 

Sem saber como nem porquê, num domingo teve mesmo de entrar na Missa com a mulher e passou a ser sempre assim!

Mais tarde, ao enfrentar, inesperadamente, uma doença grave, compreendeu! Dizia-me: o que teria sido de mim se tivesse de lutar sozinho no meio daquela tempestade em que me vi mergulhado, sem sentir a meu lado Jesus Cristo como companheiro de viagem, como Aquele que sabe, no momento certo, amainar os ventos os marés revoltas da vida.

É possível que o número de pobres que mais aumenta hoje, na sociedade, seja o dos que têm de lutar na vida somente com os recursos humanos. Quando se enfrentam as provas da existência sem uma espiritualidade, sem uma religião, sem uma fé, sem experimentarmos a força que nos transcende e que  vem do Alto, como dom, graça e luz! O vazio espiritual faz com que se apague, em tantas circunstâncias, a luz e o sabor da vida. Cheios de coisas, de riquezas, de conhecimentos, de tecnologia e pobres de razões para viver, de causas, de esperança!

 

3. Embora os modos de amar os pobres sejam muitos, pelo menos tantos quantos os rostos da pobreza e dos pobres, somos alertados pelas palavras do Papa Francisco de que há experiências religiosas que esquecem os pobres, a ponto de os não ver e chegar a pensar que desapareceram. As pessoas e as comunidades que frequentam as igrejas, que rezam, cantam e louvam, mas que perderam o contacto com os pobres, que não os abraçam nem os convidam para as suas casas, que não fazem tudo para mudar as leis e melhorar as condições dos mais pobres, já estão dentro dum culto idolátrico, mesmo que o não saibam. Infelizmente, ontem e hoje, são muitos os crentes que esquecem os pobres! 

Mesmo correndo o risco de escandalizar alguém, permitam-me que vos diga: As comunidades que rezam muito, pregam muito e esquecem os pobres, estão mergulhadas na idolatria, pois não adoram os Deus de Jesus Cristo!

 

4. Neste ano pastoral de 2021/22, na nossa Arquidiocese, procuramos viver particularmente a Parábola do Bom Samaritano: «Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho» (Lucas 10, 34). Onde há amor nascem gestos.

Uma Igreja com um rosto samaritano é uma Igreja atenta às feridas das pessoas, a todos os que vivem uma vida frágil, marcada por qualquer forma de dor, privação, sofrimento, necessidade.  

O que significa hoje aproximar-se, ligar as feridas e deitar nelas azeite e vinho? Que feridas são essas que aguardam a ternura do nosso olhar e, sobretudo, a compaixão dos nossos gestos? Que «azeite e vinho» temos para oferecer?

A atitude de cada cristão, de cada família, das comunidades e grupos será a revelação da nossa capacidade de olhar, de nos deixarmos perturbar e compadecer, expressa em gestos adequados e necessários, como os do Bom Samaritano, para trazer consolação e alegria.  

Deriva da nossa fé em Cristo, - afirma o Papa Francisco - que Se fez pobre e sempre Se aproximou dos pobres e marginalizados, a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais abandonados da sociedade” (EG 186).

Como comunidades cristãs precisamos de prestar mais atenção às necessidades espirituais, físicas e relacionais que resultam de situações agudas como pobreza, exclusão social, doença e morte ou de crises relacionadas com a solidão na velhice, as ruturas no relacionamento familiar e outras. Sem esquecermos que, no nosso tempo, vem também em destaque o vazio interior e a falta de sentido da vida.

Há que procurar, na medida do possível, ajudar pessoas e famílias a encontrar ou reencontrar um projeto de vida fecundo, fiável e feliz. Pode ser preciso atender a necessidades imediatas (alimentos, rendas, medicamentos …) e mais profundas (sentido da vida no luto, no desemprego, na separação conjugal, na depressão …).

A Igreja pode ser o que deve ser um “posto de salvamento” ou “hospital de campanha” (nas palavras do Papa Francisco), onde as pessoas possam reencontrar-se sãs e salvas. Posto de salvamento e não clube, um hospital, um jardim, um pomar de belos frutos de vida espiritual e não um museu. “Se não encontram na Igreja uma espiritualidade que os cure, liberte, encha de vida e de paz, ao mesmo tempo que os chame à comunhão solidária e à fecundidade missionária, acabarão enganados por propostas que não humanizam nem dão glória a Deus.” (EG 89)

 

5. Em nome da nossa Arquidiocese, felicito a Cáritas Arquidiocesana e o arciprestado de Guimarães e Vizela por esta celebração e, sobretudo, pelo que significa e pelo que pode gerar. O trabalho da Caritas, levado com por diante pelos seus dirigentes, colaboradores, voluntários e bem-feitores tornou-se ainda mais decisivo neste tempo complexo e incerto de pandemia. O projeto de proximidade, que hoje se inicia, de presença e ação neste arciprestado será, certamente, rampa de relançamento para o trabalho fecundo em todos os arciprestados. Parabéns! Contai com o nosso apoio e empenho!

Congratulamo-nos com ao dinamismo da Equipa Arciprestal de Pastoral Social de Guimarães e Vizela. Que encontreis voluntários disponíveis, entre os quais um representante de cada zona pastoral.  

 

Jesus viveu e ensinou, não uma mística de olhos fechados, mas a mística de olhos e ouvidos bem abertos, de mãos disponíveis e de pés calçados, comprometida na perceção intensificada do sofrimento alheio. Mística que desencadeia proximidade física. Proximidade física, não de qualquer maneira e a qualquer preço, mas ligada à visão contemplativa: amar o outro como Deus o ama, vê-lo como Deus o vê. 

Sejamos, então uma Igreja Sinodal e Samaritana, que sabe olhar, cuidar e acompanhar! Amen!

 

 † Nuno Almeida, Bispo Auxiliar de Braga