Arquidiocese de Braga -
20 outubro 2021
5 razões pelas quais os católicos se devem preocupar com a cimeira do clima COP26
DACS com La Croix International
As pessoas que mais sofrem com o aquecimento global são as que menos contribuíram para o problema e as que têm menos recursos para se adaptar e responder.
A conferência de duas semanas (31 de Outubro a 12 de Novembro), adiada um ano pela pandemia de Covid, foi há muito anunciada como um ponto de verificação crítico no esforço global para limitar o aquecimento do planeta a 1,5 graus Celsius acima dos tempos pré-industriais, um limite fundamental para evitar os impactos mais devastadores das mudanças climáticas.
Vários cientistas disseram que, para manter esse objectivo em vista, cortes drásticos nas emissões globais de gases de efeito estufa, pelo menos uma redução geral de 45%, precisam de ser feitos nesta década.
Da forma como as coisas estão, as emissões globais devem aumentar 16%, a Terra já aqueceu cerca de 1,1C e as actuais promessas climáticas nacionais colocam o planeta num caminho para o aquecimento de 2,7C até ao final do século. Tudo isto vai atrair grande atenção em Glasgow. Espera-se que cerca de 20.000 delegados e milhares de activistas e defensores participem na COP26, que está a ser organizada pelo Reino Unido juntamente com a Itália. Muitos católicos – embora o Papa já não seja um deles –, líderes religiosos e activistas estarão entre eles.
Embora alguns possam questionar por que deve a comunidade de fé preocupar-se com o que acontece no mundo frequentemente complexo, confuso e cheio de jargões das negociações internacionais sobre o clima, os católicos que estarão em Glasgow dizem que há muitas razões para as pessoas de fé prestarem atenção aos procedimentos.
“Do ponto de vista católico, acho que se nos preocupamos com a Terra de Deus, se nos preocupamos com a criação, se nos preocupamos com os pobres, se nos preocupamos com os nossos filhos, e se nos preocupamos com os nascituros de hoje, precisamos de nos envolver nisto”, disse Lorna Gold, presidente do conselho do Movimento Laudato Si’ e que participou em cimeiras climáticas anteriores.
“Precisamos de rezar sobre isto. Precisamos de levantar as nossas vozes sobre isto”, disse, “precisamos de nos informar e também precisamos de mudar o nosso comportamento individual e comunitário”.
Razão #1: O Papa Francisco preocupa-se (assim como muitos líderes religiosos)
Há mais de dois anos que o Vaticano se tem preparado para a COP26 e considerado a contribuição que poderia dar para ajudar a garantir uma cimeira bem sucedida.
O Papa Francisco faz frequentemente referência à conferência sobre o clima em discursos e mensagens para líderes mundiais e encontros globais. Dirigindo-se ao corpo diplomático do Vaticano em Fevereiro, o Papa disse esperar que a cimeira de Glasgow “leve a um acordo efectivo no tratamento das consequências da mudança climática. Agora é a hora de agir, porque já estamos a sentir os efeitos da inacção prolongada”.
A 4 de Outubro, festa de São Francisco de Assis, Francisco reuniu cerca de 40 líderes religiosos no Vaticano para assinar um apelo conjunto aos participantes da COP26. Na declaração, os líderes religiosos apelidaram a crise climática de “grave ameaça” e exortaram os que vivem em Glasgow “a tomarem uma acção rápida, responsável e partilhada para proteger, restaurar e curar” a “humanidade ferida e a casa confiada à sua administração”.
O Bispo Luterano Thomas Schumacher, nos seus comentários naquele dia, enfatizou a invulgaridade e o significado do encontro: “Quero deixar isto bem claro: este não é um encontro que temos todos os dias e que estávamos à procura de um tópico e pensámos que poderíamos falar sobre a mudança climática”.
Os líderes religiosos também se comprometeram a realizar acções dentro das suas próprias comunidades religiosas, sublinhando a educação ecológica, aumentando a consciencialização sobre a ciência do clima e tomando medidas para se tornarem mais sustentáveis.
Dentro da Igreja Católica, esses esforços estão encapsulados na Plataforma de Acção Laudato Si', que deve ser lançada a 14 de Novembro, ou poucos dias após o término da COP26. E embora Francisco já não deva estar presente em Glasgow – o Vaticano irá enviar uma delegação chefiada pelo cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano –, tem levantado continuamente a questão da alteração climática com líderes globais que visitam o Vaticano, incluindo a chanceler alemã Angela Merkel e a presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi.
O Papa também deve levantar questões climáticas quando se encontrar com o presidente Joe Biden a 29 de Outubro, antes que o líder dos EUA vá para a Escócia.
Lorna Gold afirmou que Francisco é um dos poucos líderes hoje com estatura global “e, em certo sentido, não toma partidos. Ele só se preocupa com a Terra e, com efeito, com o bem comum. Para que possa falar em nome daquela voz que tantas vezes está ausente nessas negociações”.
Razão #2: o Acordo de Paris não foi o fim, mas um começo
Em 2015, quase todas as nações da Terra adoptaram o acordo climático de Paris onde, pela primeira vez. todos os países, e não apenas os mais industrializados, se comprometeram a reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa.
Mas o Acordo de Paris apenas colocou os objectivos gerais no papel; não incluiu medidas específicas de como chegar até eles. Em vez disso, cada nação concordou em apresentar os seus próprios planos de redução de emissões, chamados de contribuições nacionalmente determinadas ou CNDs, e actualizá-los a cada cinco anos. As actualizações deveriam ter sido apresentadas na COP26 em Dezembro de 2020, mas a conferência foi adiada para Novembro deste ano por causa da pandemia.
Muito do tempo desde 2015 foi gasto na elaboração do regulamento que especifica o que os países podem e não podem contar para determinar a redução das suas emissões. Muitos debates têm-se centrado nas reduções reais versus “energia zero”, em que um país ou empresa compensa parte das emissões ao comprar reduções noutro lugar.
“É por isso que o regulamento é tão importante”, disse Gold. “Tem que se certificar de que não há contagem dupla entre os diferentes países... e que essas são reduções reais”.
Juntamente com a apresentação de novas promessas de redução de emissões mais ambiciosas e o foco na meta de 1,5C, outras questões importantes que estão em cima da mesa irão apresentar promessas de financiamento para ajudar as nações menos industrializadas a adaptarem-se e a mitigarem as mudanças climáticas, no valor de 100 biliões de dólares anuais, e enviar um sinal claro de que o mundo está a ultrapassar a era dos combustíveis fósseis.
Mas, embora consequente, a COP26 não é um ponto final, disse Alistair Dutton, director executivo do SCIAF, a agência católica de ajuda e desenvolvimento na Escócia.
“Temos que utilizar tudo o que sair desta COP para fornecer o ímpeto para a próxima etapa, e a próxima etapa, e a próxima etapa. Não podemos dizer: «Isto não foi suficientemente bom, então está tudo acabado»”, disse.
Razão #3: a Doutrina Social da Igreja está em cima da mesa, especialmente pelos pobres
Nomeiem um princípio da Doutrina Social da Igreja – da dignidade de cada pessoa à solidariedade e aos direitos dos trabalhadores – e verão que se relaciona com os debates na COP26, disse a Ir. Veronica Brand, que representa as Religiosas do Sagrado Coração de Maria na ONU.
“Com o impacto da alteração climática, estamos a falar sobre acção em nome da justiça... Estamos a falar sobre vidas a serem ameaçadas. Estamos a falar sobre meios de subsistência e a dignidade daqueles que são mais marginalizados”, disse.
Activistas religiosos e ambientais sublinham a injustiça que a mudança climática apresenta: ss pessoas que mais sofrem com o aquecimento global são as que menos contribuíram para o problema e as que menos recursos têm para se adaptar e responder. As agências de desenvolvimento católico ouvem relatos de todo o mundo sobre colheitas fracassadas, secas, chuvas inesperadas e padrões climáticos imprevistos.
“E em todos os países, são os mais pobres que são atingidos com mais força... que não têm os meios ou recursos para enfrentar ou evitar que sejam prejudicados por esses eventos climáticos quando eles acontecem”, disse Dutton.
As comunidades de fé têm dado prioridade a manter os países na meta de 1,5C, juntamente com a garantia de financiamento dos países em desenvolvimento e pressionando os governos a comprometerem-se com a compensação de “perdas e danos” para as comunidades que já estão dizimada pelas mudanças climáticas.
Cécile Kern, activista da política global e investigação na Mercy International Association, disse que é importante reconhecer que “a crise climática não é simplesmente uma crise climática”, mas também social e económica.
“Questões relacionadas com a segurança da alimentação, habitação, falta de um tecto ou migração estão todas interligadas com a degradação da Terra. E, assim, questões que são próximas das pessoas todos os dias e relevantes para a sua experiência de vida diária estão, provavelmente, de alguma forma relacionadas com as mudanças climáticas” e com decisões tomadas na COP26, disse.
A Irmã Angela Reed, representante da sua congregação na ONU, acrescentou que a comunidade de fé desempenha um papel crucial em garantir que aqueles que negoceiam o clima levam essas ligações em consideração.
“Somos uma voz moral. Estamos a responsabilizar os estados por esta crise moral que enfrentamos”, afirmou.
Razão #4: o clima não vai aguardar até os governos concordarem
Enquanto líderes mundiais e diplomatas debatem e discutem detalhes do Acordo de Paris, as temperaturas médias globais continuam a subir, com impactos cada vez mais evidentes.
Os seis anos mais quentes registados ocorreram desde 2015, quando o Acordo de Paris foi firmado, e muitas partes do mundo foram atingidas por condições climáticas extremas – ondas de calor acompanhadas por incêndios florestais e fortes tempestades e inundações – que os cientistas associam ao aquecimento global.
“Essas coisas estão a acontecer agora com tanta frequência que já nem são notícia”, disse Gold. Os custos da alteração climática também estão a aumentar, com condições meteorológicas extremas a causarem uma média de 202 milhões de dólares por dia em danos na última metade do século passado, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial.
Se os países continuarem a adiar cortes substanciais nas emissões, espera-se que os custos económicos, além dos efeitos na vida humana e na biodiversidade, aumentem ainda mais.
Razão #5: A ligação pandémica
Embora a COVID-19 tenha atrasado a cimeira do clima, muitos vêem a pausa forçada como uma oportunidade, especialmente para acelerar a transição global para a energia limpa necessária para atingir a meta de 1,5C.
Por causa disso, a COP26 é ainda mais importante e a forma como os países investem para relançarem as suas economias será crítica, disse Neil Thorns, director de defesa da CAFOD, a agência oficial de desenvolvimento da Igreja Católica da Inglaterra e do País de Gales.
“O dinheiro vai ser gasto em empregos verdes e sustentáveis? Os pobres vão ser uma prioridade? Vamos garantir que os grupos mais vulneráveis são protegidos e apoiados?”, perguntou.
O que os países prometem em Glasgow – e a legislação que serve de apoio, como o Acordo Verde da União Europeia e as cláusulas climáticas nas notas multitriliões de dólares no Congresso dos Estados Unidos – serão os sinais-chave de como o mundo pós-pandemia irá desenvolver a acção climática.
“O Papa Francisco diz-nos que não saímos [da crise] da mesma forma. Ou saímos melhores, ou piores. E queremos ter a certeza de que sairemos melhores”, disse Thorns sobre a COP26.
“E isso significa mais verdes, significa sermos mais sustentáveis e significa proteger as pessoas e o planeta daqui para a frente”, concluiu.
Artigo de Brian Roewe, publicado no La Croix International a 19 de Outubro de 2021.
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