Arquidiocese de Braga -

19 outubro 2021

O Jogo da Lula

Fotografia DR

DACS com Corriere della Sera

Um sucesso monstruoso, em todos os sentidos, que exacerba o mecanismo cínico e competitivo de tantos programas de televisão

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Acabei de ver um grupo de adolescentes a jogar “Um, Dois, Três... Macaquinho do Chinês” num campo suburbano, cercados por outros jovens que borrifaram o conteúdo das suas pistolas de água no rosto dos eliminados.

Estavam a imitar o “Jogo da Lula”, a série de televisão coreana que em menos de um mês já entrou na cabeça de 120 milhões de seres humanos, incomodando quase todos, incluindo eu.

É a história de 456 pobres Cristos, enterrados até ao pescoço em dívidas, que concordam em participar numa espécie de “Jogos sem Fronteiras” em que um participante ganha a totalidade do prémio e os outros 455 são fisicamente eliminados por guardas mascarados. Mortos para a diversão de um punhado de ricos que assistem ao espectáculo a partir de telas gigantes, apostando nos participantes como numa corrida de cavalos.

Um sucesso monstruoso, em todos os sentidos, que exacerba o mecanismo cínico e competitivo de tantos programas de televisão. Se para nós, europeus, parece uma caricatura, é porque ainda temos um fiapo do Estado Social. A um coreano, ao invés, as premissas parecem absolutamente realistas.

Naquele país, os frágeis e desafortunados, ou simplesmente preguiçosos e incapazes, não têm redes de segurança e estão dispostos a tudo, até mesmo a abrir mão dos seus órgãos (há um mercado próspero nesse sentido).

Assim como a Coreia do Norte é a versão extrema e insana do comunismo, a Coreia do Sul é essa versão do capitalismo. Se a política europeia tem uma missão a cumprir, é a de não nos transformar também a nós em lulas.

 

Artigo de Massimo Gramellini, publicado no Corriere della Sera a 16 de Outubro de 2021.