Arquidiocese de Braga -

29 setembro 2021

Será tempo de repensar os seminários?

Fotografia DR

DACS com La Croix International

Precisamos que os Seminários sejam lugares que formem as novas gerações de clérigos para serem líderes servis que possam pastorear – e não governar – os fiéis.

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A Igreja Católica na Austrália chegou a um ponto crítico na sua jornada onde uma total regeneração da Igreja é necessária.

As revelações sobre abusos sexuais contra crianças na Igreja têm sido o principal catalisador, documentado no Relatório Final da Real Comissão para Respostas Institucionais ao Abuso Sexual de Crianças.

O Relatório Final identificou o clericalismo como um contribuinte significativo para os abusos nas instituições religiosas da Austrália.

O clericalismo está enraizado numa crença teológica de que o clero é diferente do laicado, tendo sofrido uma “mudança ontológica” na ordenação (uma mudança na própria natureza do seu ser ao receber as Ordens Sagradas) e alimenta a noção de que o clero não pode ser desafiado. E, de acordo com o relatório, a cultura do clericalismo está a crescer nos seminários na Austrália.

Segundo o relatório, “o clericalismo é a idealização do sacerdócio e, por extensão, a idealização da Igreja Católica. O clericalismo está ligado a um sentido de direito, superioridade e exclusão e abuso de poder”. Quem sofre de clericalismo, considera-se especial, superior aos demais e digno de maior respeito.

Isto pode levar à arrogância e menosprezo dos outros. Os leigos também podem ser culpados de clericalismo se apoiarem esta atitude.

A formação inicial de pastores (prefiro usar o termo “pastor” em vez de “padre” para sublinhar a natureza pastoral desta função) ocorre em ambientes “clericalistas” segregados que, de acordo com o relatório, são susceptíveis de terem um efeito prejudicial sobre a maturidade psicossexual dos candidatos, o que, por sua vez, “aumenta o risco de abuso sexual infantil”.

Não é de se admirar, então, que entre as principais recomendações da Real Comissão estivesse especificamente mencionada como a precisar de reforma a questão da formação de padres diocesanos em Seminários.

De acordo com o relatório final, “todos os institutos religiosos católicos na Austrália devem rever as suas normas e documentos de orientação específicos relativos à formação dos padres”.

 

Jesus nunca enviou os seus discípulos para um Seminário

É fundamental que o Conselho Plenário trate das questões do clericalismo durante a formação pastoral. Felizmente, a liderança da Igreja está, até certo ponto, de acordo quanto à necessidade de reforma.

Falando sobre as mudanças culturais e estruturais que o Conselho Plenário pode desencadear na Igreja, o presidente da Conferência dos Bispos Católicos da Austrália, o arcebispo Mark Coleridge, disse que “não é altura de a Igreja pendurar tabuletas que digam “negócios, como habitualmente” [“business as usual”].

Reformar “ambientes clericalistas” requer ver todos os aspectos da formação com um olhar crítico.

Parece lógico que, quando um grupo de pessoas é levado para um local exclusivo e recebe uma atenção especial em pequenas aulas, tendo outras pessoas para cuidarem da alimentação e do alojamento, possam surgir sentimentos de separação.

O mesmo se aplica aos rapazes que têm permissão de usar batina e colarinho antes da ordenação. A avaliação de si mesmos como “outros” é perfeitamente compreensível.

A pergunta lógica que se segue é esta: se estamos a tentar eliminar o clericalismo da nossa Igreja e dos programas de formação para futuros pastores, por que insistimos em ter Seminários que seguem um modelo que tem produzido resultados problemáticos?

A Igreja deve explorar outras maneiras de preparar os indivíduos para a tarefa de serem os pastores paroquiais.

Afinal, Jesus nunca enviou os seus discípulos para um Seminário. Jesus apresentou-os aos valores do Reino não num edifício, mas “na rua”.

Nos primeiros dois séculos, não está claro como é que as pessoas eram escolhidas para presidir à Eucaristia. Uma vez fundadas as ordens religiosas, começando por São Bento, os mosteiros tinham os seus próprios critérios.

Os que não viviam em mosteiros, isto é, os candidatos a diocesanos, seguiram vários caminhos para a ordenação, dependendo do bispo local.

É importante notar que, na história da Igreja, os Seminários são um desenvolvimento relativamente recente.

Foi o Concílio de Trento (1545-63) que se decidiu por um processo rigoroso de anos de estudo num único local isolado, para garantir que os pastores fossem devidamente formados.

Os alunos foram separados das suas famílias e comunidades e colocados numa “estufa” de espiritualidade e estudo teológico.

 

Não alguém acima da comunidade, mas sim alguém da comunidade

Por que é que esse modelo de formação era atraente?

Oferecia alfabetização e uma educação sólida para os candidatos e um local onde, independentemente da origem, os jovens pudessem estudar com acesso a instalações. Forneceu alimentação e hospedagem para que a formação pudesse ser orientada, contínua e supervisionada.

O sistema de Seminários produziu excelentes personalidades como São João Vianney, cujo bom exemplo conduziu à transformação radical da comunidade a que serviu.

E, ainda assim, o clericalismo que foi permitido crescer dentro da Igreja ao longo dos séculos sem dúvida que compensou muitos aspectos positivos da formação e prática do ministério ordenado.

E isto não se aplica exclusivamente aos que foram formados para se tornarem padres diocesanos. O Relatório Final da Real Comissão critica “tanto padres, quanto religiosos” quanto à sua formação.

No entanto, membros de ordens religiosas e monásticas como os Beneditinos e Cistercienses são distintos no que diz respeito a serem membros de uma comunidade familiar que os apoia e guia; alguns são ordenados, mas nem todos.

Os candidatos diocesanos geralmente não têm o mesmo apoio familiar.

Onde membros das ordens religiosas estão menos focados na ordenação, diminui a ameaça tanto do carreirismo, ou do desejo de subir na hierarquia da Igreja e do clericalismo ter grande centralidade nos Seminários diocesanos.

Ao possibilitar o clericalismo, este sistema actual de formação em Seminários contribuiu, embora indirectamente, para o chocante abuso sexual de menores exposto por investigações em todo o mundo.

Se levamos a sério a questão de livrar a Igreja do clericalismo, não podemos continuar com o modelo do Seminário como tem sempre acontecido.

Alguns comentadores que ensinaram em Seminários nos Estados Unidos, incluindo ex-professores de seminário Colt Anderson e Christopher Bellitto, reconhecem as fraquezas do modelo tradicional, dizendo que apesar de terem uma equipa e serem frequentados por boas pessoas, “os Seminários têm desempenhado um papel significativo n actual crise da Igreja”, inculturando os alunos no clericalismo.

“Os seminaristas recebem uma mensagem consistente: o seu papel é governar os leigos e os religiosos como resultado da mudança ontológica na ordenação, não como resultado da sua virtude, conhecimento ou comportamento modelo. Eles estão a ser formados para serem chefes autocráticos, não líderes servis”.

Precisamos que os Seminários sejam lugares que formem as novas gerações de clérigos para serem líderes servis que possam pastorear – e não governar – os fiéis.

Evitar isolar fisicamente os indivíduos que desejam ingressar no clero é o factor mais importante para prevenir o clericalismo. Os seminaristas deveriam passar mais tempo a morar nas suas paróquias durante a formação.

Teoricamente, os seminaristas poderiam continuar a viver em casa, o que permitiria ao candidato manter vínculos com os contemporâneos, ao mesmo tempo que se envolvia na vida prática da paróquia.

Na preparação para o Plenário, precisamos de considerar estilos alternativos de preparação para a ordenação onde os seminaristas têm maior interacção e integração com as suas paróquias e colegas não seminaristas.

O documento final do Sínodo dos Jovens de 2018, por exemplo, propõe que haja cursos de formação conjunta para “jovens leigos, jovens religiosos e seminaristas”. Isto anda de mãos dadas com a Igreja do Papa Francisco, considerando um conjunto mais integrado de funções e responsabilidades de leigos e clérigos.

O ecumenismo receptivo também tem um papel a cumprir. Que estilos de preparação praticam as outras denominações e o que podemos aprender com elas?

Para contrariar o clericalismo, é importante que a preparação de um indivíduo aconteça sendo de uma paróquia, de uma comunidade com múltiplos ministérios; ele não deveria ter a impressão de que é alguém especial e acima da comunidade, mas sim que é alguém da comunidade.

Artigo de Gideon Goosen, publicado no La Croix International a 25 de Setembro de 2021.