Arquidiocese de Braga -
21 setembro 2021
Papa Francisco: "No Vaticano, queriam-me morto"
DACS com Il Faro
Revelação do Papa occoreu durante a visita aos jesuítas eslovacos: "Houve também reuniões de prelados. Estavam a preparar o conclave. Mas graças a Deus estou bem."
Que a acção pastoral e de reforma iniciada pelo Papa Bergoglio não agrada realmente a todos foi percebido desde os primeiros meses do seu pontificado. E o próprio Pontífice confirma os rumores sobre altos prelados que o queriam morto.
O Santo Padre revelou-o no seu encontro com os Jesuítas eslovacos durante a sua última viagem apostólica ao coração da Europa cristã.
“Ainda estou vivo. Mesmo que alguns me quisessem morto”, disse o Santo Padre, respondendo a um jovem jesuíta que lhe perguntou “Como está?”.
“Sei que até houve encontros entre prelados, que achavam que o que se passava com o Papa era mais grave do que se dizia. Estavam a preparar o conclave”, acrescentou Francisco, referindo-se à operação ao cólon no início de Julho.
“Paciência! Graças a Deus estou bem. Fazer aquela cirurgia foi uma decisão que eu não queria tomar: foi uma enfermeira que me convenceu. Às vezes, os enfermeiros entendem mais a situação do que os médicos porque estão em contacto direto com os pacientes”, brincou.
A conversa com os Jesuítas, que teve lugar no Domingo, 12 de Setembro, mas que só hoje se noticia no La Civiltà Cattolica, torna-se imediatamente um diálogo de perguntas e respostas. É Francisco quem pergunta, porque, diz ele, provocando uma risada: “Realmente não tenho vontade de fazer um discurso aos jesuítas. Aqui espero pelas perguntas. Atirem a bola à baliza. Vamos!”.
Ao sacerdote que lhe pergunta o que os Jesuítas devem ter em mente para a pastoral na Eslováquia, o Pontífice responde com uma única palavra, declinada em 4 aspectos: “Proximidade. Peço quatro proximidades: com Deus, entre vós, com os bispos e o Papa, e com o povo de Deus, que é o mais importante”.
Um dos presentes recordou que o Papa fala frequentemente de colonizações ideológicas que são diabólicas. Refere-se, entre outros, à do “género”.
“A ideologia tem sempre um encanto diabólico, como está a dizer, porque não está corporificada. Neste momento vivemos uma civilização de ideologias, é verdade. Temos que desmascará-las pela raiz. A ideologia de “género” que refere é perigosa, sim. Como a entendo, é assim porque é abstracta no que diz respeito à vida concreta de uma pessoa, como se uma pessoa pudesse decidir abstractamente à vontade se e quando ser homem ou mulher. A abstracção é sempre um problema para mim”, afirmou Francisco.
Mas a ideologia de género, sublinha, “não tem nada que ver com a questão homossexual”.
“Se existe um casal homossexual, podemos fazer pastoral com ele, avançar no encontro com Cristo. Quando falo de ideologia, falo da ideia, da abstracção para a qual tudo é possível, não da vida concreta das pessoas e da sua situação real”, explicou.
Um jesuíta falou então do medo generalizado dos refugiados. Mas Francisco reiterou a linha de acolhimento: “Creio que os migrantes devem ser acolhidos, mas não só: é preciso acolher, proteger, promover e integrar. São necessários todos os quatro passos para dar verdadeiramente as boas-vindas. Cada país deve saber até onde pode fazer isso. Deixar os migrantes sem integração é deixá-los na miséria, equivale a não acolhê-los. Mas precisamos de estudar bem o fenómeno e entender as suas causas, principalmente as geopolíticas. É necessário entender o que está a acontecer no Mediterrâneo e quais são os jogos das potências que olham para aquele mar para o controlar e dominar. E entender porquê e quais são as consequências”.
No dia 14 de Setembro, conforme noticia a La Civiltà Cattolica, houve um segundo e muito breve encontro com os Jesuítas em Prešov, imediatamente após a celebração da Divina Liturgia. De facto, Francisco, a convite de um jesuíta que encontrou na Nunciatura de Bratislava, visitou os funcionários de Exercícios Espirituais que não puderam participar na celebração porque estavam ocupados a preparar a hospitalidade para os bispos presentes. No final, Francisco cumprimentou da varanda também os jesuítas que compõem a comunidade local.
Artigo de Il Faro, publicado a 21 de Setembro de 2021.
Transcrição do encontro, segundo o Pe. Antonio Spadaro
Um jesuíta pergunta ao Papa: “Como está?”
Ainda vivo, embora algumas pessoas quisessem que eu morresse. Sei que houve até reuniões entre prelados que achavam que a condição do Papa era mais grave do que a versão oficial. Estavam a preparar-se para o conclave. Paciência! Graças a Deus, estou bem. Passar por aquela cirurgia foi uma decisão que eu não queria tomar. Foi uma enfermeira que me convenceu. As enfermeiras às vezes entendem a situação mais do que os médicos, porque estão em contacto directo com os pacientes.
Um jesuíta que trabalhou por quase 15 anos na Rádio Vaticano pergunta o que os jesuítas devem levar mais a sério no seu trabalho pastoral na Eslováquia.
Uma palavra vem-me sempre à cabeça: "proximidade".
Proximidade a Deus, antes de tudo: não abandone a oração! Oração verdadeira, oração do coração, não a oração formal que não toca o coração. Oração que luta com Deus, e que experimenta o deserto onde não se sente nada. Proximidade com Deus que está sempre à nossa espera. Podemos ser tentados a dizer: não posso rezar porque estou ocupado. Mas Deus também está ocupado. Deus está ocupado estando perto de ti, esperando por ti.
Segundo: proximidade entre vós, amor entre os irmãos: o amor austero dos Jesuítas que é muito bom, caritativo, mas também austero: o amor dos homens. Dói-me quando jesuítas ou outros padres se maltratam uns aos outros. É uma pedra no caminho; não nos deixa seguir em frente. Mas esses problemas existiram desde o início da sociedade. Pensem, por exemplo, na paciência que Inácio demonstrou com Simon Rodriguez. É difícil ser uma comunidade, mas a proximidade entre vós é muito importante.
Terceiro: proximidade com o bispo. É verdade que existem bispos que não nos querem; é verdade, sim. Mas não vamos permitir que nenhum jesuíta fale mal de um bispo! Se um jesuíta pensa de forma diferente do bispo e tem coragem, deixe-o ir ao bispo e dizer-lhe o que pensa. E quando digo bispo, também me refiro ao Papa.
Quarto: proximidade com o povo de Deus. Tens de ser como nos disse Paulo VI a 3 de Dezembro de 1974: onde quer que haja encruzilhadas, onde quer que haja ideias, estão os jesuítas. Leiam bem e meditem sobre aquele discurso de Paulo VI à trigésima segunda Congregação Geral: é a coisa mais bela que um Papa disse aos Jesuítas. É verdade que se formos homens que realmente vão para as encruzilhadas e as fronteiras, criaremos problemas. Mas o que nos salvará de cair em ideologias estúpidas é a proximidade com o povo de Deus. Isso permite-nos seguir em frente com o coração aberto. Claro, pode ser que alguns de vocês fiquem entusiasmados e então o provincial chega para vos impedir, dizendo: “Não, isso não funciona”. E então têm que seguir em frente com a vontade de ser obedientes. A proximidade com o povo de Deus é tão importante porque nos “situa”. Nunca se esqueçam de onde nascemos, de onde viemos: o nosso povo. Se nos desligamos e caminhamos em direcção a uma universalidade etérea, perdemos as nossas raízes. As nossas raízes estão na Igreja, que é o povo de Deus.
Portanto, aqui vos peço que estejam próximos de quatro maneiras: perto de Deus, perto entre vocês, perto dos bispos e do Papa, e perto do povo de Deus, que é o mais importante.
Um jesuíta toma a palavra e lembra que há cerca de vinte religiosos presentes que foram ordenados padres clandestinamente, como ele. Afirma que tem sido uma bela experiência para eles terem sido educados no mundo do trabalho...
Trabalhar para ganhar o pão... o trabalho manual ou intelectual é saúde, é trabalho. E o povo de Deus, se não trabalham, não comem...
Um dos presentes começa a dizer: “Eu sou dois anos mais novo que o senhor!” e o Papa responde, brincando: “...mas não parece! Está a usar maquilhagem!”. Os outros riem. Ele continua: “Em 1968, entrei na Companhia de Jesus como refugiado. Fui membro da Província Suíça por 48 anos e já estou aqui há 5 anos. Tenho vivido em igrejas muito diferentes. Hoje vejo que muita gente quer voltar ou procurar certezas no passado. Sob o comunismo, experimentei a criatividade pastoral. Alguns até disseram que não seria possível formar um jesuíta durante o comunismo, mas outros discordaram e estamos aqui. Que visão da Igreja podemos seguir?”
Disse algo muito importante, que identifica o sofrimento da Igreja neste momento: a tentação de retroceder. Sofremos isso hoje na Igreja: a ideologia do retrocesso. É uma ideologia que coloniza mentes. É uma forma de colonização ideológica. Não é realmente um problema universal, mas sim específico das igrejas de certos países. A vida assusta-nos. Vou repetir algo que disse ao grupo ecuménico que aqui conheci antes de vós: a liberdade assusta-nos. Num mundo tão condicionado por vícios e experiências virtuais, temos medo de sermos livres. Na reunião anterior, usei “O Grande Inquisidor” de Dostoiévski como exemplo. Ele encontra Jesus e diz-Lhe: “Porque nos deu a liberdade? É perigosa!”. O inquisidor censura Jesus por nos ter dado a liberdade: bastaria um pouco de pão e nada mais.
É por isso que hoje olhamos para o passado: para procurar segurança. Assusta-nos celebrar perante o povo de Deus que nos olha na cara e nos diz a verdade. Assusta-nos avançar nas experiências pastorais. Penso no trabalho que foi feito – o Padre Spadaro esteve presente – no Sínodo sobre a Família para fazer compreender que os casais em segundas uniões ainda não estão condenados ao inferno. Assusta-nos acompanhar pessoas com diversidade sexual. Temos medo das encruzilhadas e caminhos de que falou Paulo VI. Esse é o mal deste momento, a saber, procurar o caminho na rigidez e no clericalismo, que são duas perversões.
Hoje acredito que o Senhor está a pedir à sociedade que seja livre nas áreas de oração e discernimento. É um momento fascinante, um momento lindo, mesmo que seja o da cruz: é lindo levar adiante a liberdade do Evangelho. Liberdade! Pode acontecer experimentarem esse regresso ao passado na vossa comunidade, na vossa província, na sociedade. É preciso estar atento e vigilante. A minha intenção não é elogiar a imprudência, mas quero ressaltar que voltar atrás não é o caminho certo. Em vez disso, devemos avançar em discernimento e obediência.
Um jesuíta pergunta como vê o Papa a sociedade de hoje. Fala de uma certa falta de fervor, de uma vontade de procurar segurança em vez de ir às encruzilhadas, como pediu Paulo VI, por não ser fácil.
Não, certamente não é fácil. Mas quando sentes que falta fervor, tens que fazer um discernimento para entender o porquê. Tens que falar sobre isso com os teus irmãos. A oração ajuda-nos a entender se e quando falta fervor. Tens que falar sobre isso com os teus irmãos, com os teus superiores, e então tens que fazer um discernimento para ver se é apenas a tua desolação ou se é uma desolação mais comum. Os Exercícios dão-nos a possibilidade de encontrar respostas para perguntas como esta. Estou convencido de que não conhecemos os Exercícios suficientemente bem. As anotações e as regras de discernimento são um verdadeiro tesouro. Precisamos de conhecê-los melhor.
Um dos presentes lembra que o Papa fala com frequência de colonizações ideológicas diabólicas. Refere-se, entre outras, à de “género”.
A ideologia tem sempre um encanto diabólico, como está a dizer, porque não está corporificada. Neste momento vivemos uma civilização de ideologias, é verdade. Temos que desmascará-las pela raiz. A ideologia de “género” que refere é perigosa, sim. Como a entendo, é assim porque é abstracta no que diz respeito à vida concreta de uma pessoa, como se uma pessoa pudesse decidir abstractamente à vontade se e quando ser homem ou mulher. A abstracção é sempre um problema para mim. No entanto, isso não tem nada a ver com a questão homossexual. Se existe um casal homossexual, podemos fazer pastoral com ele, avançar no encontro com Cristo. Quando falo de ideologia, falo da ideia, da abstracção para a qual tudo é possível, não da vida concreta das pessoas e da sua situação real.
Um jesuíta agradece ao Papa pelas suas palavras dedicadas ao diálogo judaico-cristão.
O diálogo continua. É imprescindível que não haja interrupções, que o diálogo não se interrompa, que não seja interrompido por mal-entendidos, como às vezes acontece.
Um dos participantes fala ao Papa sobre a situação da Igreja eslovaca e as tensões internas. “Alguns até o vêem como heterodoxo”, diz ele, “enquanto outros o idealizam. Nós, jesuítas, tentamos superar essa divisão. Como é que lida com pessoas que olham para si com suspeita?”
Há, por exemplo, um grande canal de televisão católico que não hesita em falar mal do Papa continuamente. Eu pessoalmente mereço ataques e insultos porque sou um pecador, mas a Igreja não os merece. São obra do diabo. Também disse isso a alguns deles.
Sim, também existem clérigos que fazem comentários desagradáveis sobre mim. Às vezes, perco a paciência, especialmente quando eles fazem julgamentos sem entrar num diálogo real. Não posso fazer nada lá. No entanto, sigo sem entrar no seu mundo de ideias e fantasias. Não quero entrar e é por isso que prefiro pregar, pregar... Algumas pessoas acusam-me de não falar sobre santidade. Dizem que falo sempre sobre questões sociais e que sou comunista. Mesmo assim, escrevi uma exortação apostólica inteira sobre a santidade, a Gaudete et Exsultate.
Agora espero que com a decisão de parar o automatismo do rito antigo possamos voltar às verdadeiras intenções de Bento XVI e de João Paulo II. A minha decisão é o resultado de uma consulta a todos os bispos do mundo realizada no ano passado. A partir de agora, quem quiser celebrar com o vetus ordo deve pedir permissão, como se faz com o biritualismo. Mas há jovens que depois de um mês de ordenação vão ao bispo pedir isso. Este é um fenómeno que indica que estamos a retroceder.
Um cardeal contou-me que dois padres recém-ordenados o procuraram e pediram permissão para estudar latim para celebrarem bem. Com sentido de humor, ele respondeu: “Mas há muitos hispânicos na diocese! Estudem espanhol para poderem pregar. Então, quando tiverem estudado espanhol, regressem a mim; dir-vos-ei quantos vietnamitas há na diocese e vou pedir que estudem vietnamita. Então, quando tiverem aprendido vietnamita, vou dar-lhes permissão para estudarem latim”. Ele fê-los “aterrar”,fê-los regressar à terra. Eu sigo em frente, não porque quero começar uma revolução. Eu faço o que sinto que devo fazer. É preciso muita paciência, oração e muita caridade.
Um jesuíta fala sobre o medo generalizado dos refugiados.
Creio que os migrantes devem ser acolhidos, mas não só: é preciso acolher, proteger, promover e integrar. São necessários todos os quatro passos para dar verdadeiramente as boas-vindas. Cada país deve saber até onde pode fazer isso. Deixar os migrantes sem integração é deixá-los na miséria, equivale a não acolhê-los. Mas precisamos de estudar bem o fenómeno e entender as suas causas, principalmente as geopolíticas. É necessário entender o que está a acontecer no Mediterrâneo e quais são os jogos das potências que olham para aquele mar para o controlar e dominar. E entender porquê e quais são as consequências.
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