Arquidiocese de Braga -

20 setembro 2021

Com as reformas sobre os abusos, especialista diz que os bispos “não têm desculpa” para o fracasso

Fotografia DACS

DACS com Crux

Antes de uma cimeira de três dias sobre protecção infantil que decorre na Polónia, que enfrenta as consequências dos recentes escândalos de abusos no país, o principal especialista da Igreja Católica neste âmbito afirmou que o progresso está a acontecer e

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Em declarações ao Crux, o padre jesuíta Hans Zollner disse que, embora ainda haja muito a fazer em termos de consciencialização e protecção, a nível geral as pessoas na Igreja agora estão a levar o problema do abuso sexual clerical “muito mais a sério”.

Zollner, director do recém-criado “Instituto de Antropologia [e] Estudos Interdisciplinares sobre Dignidade e Cuidado Humano” da Universidade Gregoriana e membro da Comissão Pontifícia para a Protecção de Menores (PCPM), apontou vários passos dados pelo Papa Francisco nos últimos anos para colocar todos na mesma página no que diz respeito à urgência tanto do problema dos abusos clericais, como do tratamento adequado dos casos que surgem.

Essas etapas incluem uma nova legislação para a Cidade do Vaticano, aprovada em Maio de 2019, que exige que todos os clérigos e membros de ordens religiosas relatem casos de abuso às autoridades da Igreja, incluindo abusos cometidos por bispos ou cardeais, bem como a decisão do Papa em Dezembro de 2019 de abolir o segredo pontifício em casos de abuso por parte do clero.

Zollner também apontou para a publicação em Maio de 2020 do Vademecum do Vaticano, ou manual, sobre como lidar com casos de abuso, e que delineou os procedimentos a serem seguidos quando um ministro ordenado é acusado de abusar de um menor.

Dados todos esses passos, “os bispos sabem o que devem fazer e têm o manual para fazê-lo, por isso não têm mais desculpas”, disse Zollner, acrescentando que o levantamento do segredo pontifício também faz com que não haja “qualquer desculpa para negar a colaboração com as autoridades do Estado”.

Zollner falou com o Crux antes do workshop “Salvaguardando os filhos de Deus”, que será realizado em Varsóvia de 19 a 22 de Setembro e é organizado pela Conferência Episcopal da Polónia e pela Pontifícia Comissão para a Protecção de Menores em colaboração com a Fundação de São José.

O workshop foi planeado em parte para ajudar a aumentar a consciencialização sobre o problema do abuso clerical em toda a Europa Central e Oriental, e também irá informar os bispos sobre quais são as suas responsabilidades legais actuais e os procedimentos adequados a serem seguidos quando surgirem alegações de abuso.

Aprender essas práticas recomendadas é de especial relevância na Polónia, que, nos últimos anos, foi abalada por enormes escândalos públicos de abusos clericais. Só no ano passado, cerca de 10 bispos foram destituídos dos seus cargos e sancionados pelo Vaticano, tanto por abusos quanto por encobrimento.

Hoje, quase todos os bispos poloneses se encontram na berlinda, à medida que a pressão aumenta e os escândalos continuam a surgir. Entre os que estão sob intenso escrutínio está o cardeal Stanislaw Dziwisz – Arcebispo aposentado de Cracóvia e ex-secretário do Papa João Paulo II – que foi acusado de ignorar acusações de abuso críveis enquanto chefiava a igreja em Cracóvia.

Falando sobre o webinar de salvaguarda, o Arcebispo Stanisław Gądecki, Presidente da Conferência dos Bispos Católicos da Polónia, disse em comunicado que está feliz com a realização do encontro e expressou esperança de que a discussão “permita olhar não apenas para as dificuldades enfrentadas actualmente, mas também para trocar experiências e melhores práticas” e que irá marcar o início de uma colaboração futura, que resultará em acções comuns.

Apesar dos problemas recentes da Polónia, Zollner disse que Varsóvia não foi escolhida como local do workshop com base nos escândalos recentes, já estava previsto nos trabalhos dos últimos três anos, muito antes de a maioria dos escândalos públicos começarem a surgir, mas a iniciativa foi adiada por causa da pandemia de coronavírus.

A escolha da Polónia, disse Zollner, deve-se ao facto de o país ter a maior população católica da região e, por isso, ser um lugar estratégico para reforçar os procedimentos de salvaguarda adequados.

“A Polónia está agora a seguir o caminho de alguns dos países da Europa Ocidental”, disse Zollner, observando que há cinco anos apenas, algumas pessoas na Polónia rejeitavam a questão dos abusos, dizendo tratar-se de um “problema ocidental, isto é, um problema de sociedades secularizadas”.

“Mas agora já não podemos ouvir isto na Polónia porque é muito claro que isto aconteceu em décadas em que a Polónia parecia ser o reduto de uma Igreja Católica muito, muito dedicada, muito clara e determinada”, afirmou.

A maioria dos casos de abusos que abalam a Polónia têm décadas, mas o tratamento incorrecto dos casos tem prejudicado a imagem da Igreja, explicou, observando que “com toda a probabilidade é possível prever que o mesmo irá acontecer noutras partes da Europa Central e Oriental… Talvez não em escala, mas certamente em proporção”.

“Em muitas sociedades, falar sobre sexualidade ainda é um tabu, e os países centrais e orientais não são uma excepção”, disse Zollner, observando que não é apenas difícil falar sobre a má conduta ou falhas de pessoas tidas como heróis morais na Europa Central e Oriental, mas também há uma “compreensível relutância em ver o governo como um parceiro”.

Superar este senso de cepticismo natural, e até mesmo justificado, e encorajar a liderança da Igreja e outros representantes eclesiais a trabalhar com as autoridades na protecção das crianças será difícil, afirmou, insistindo, no entanto, que já está a haver progresso.

Programas de salvaguarda já foram estabelecidos em várias universidades e instituições em toda a Europa Central e Oriental, incluindo universidades católicas na Croácia, Eslováquia, Hungria, Ucrânia e República Checa, entre outras.

“Há movimento”, disse Zollner, “mas não da mesma forma, não ao mesmo ritmo”.

Além de explorar a atitude correcta para enfrentar os casos de abuso e as ferramentas disponíveis para resolver o problema, o workshop desta semana também irá abordar o problema do abuso clerical de uma perspectiva teológica e espiritual.

“Sabemos que estas áreas da Europa são fortes em espiritualidade, mas também é necessário reflectir sobre este tipo de espiritualidade e teremos que ver o que podemos fazer para melhorar a vida de oração e reflexão teológica em relação a este realidade muito triste”, disse Zollner.

Para bispos em lugares como a Polónia, que estão a lidar com escândalos públicos e que têm a tarefa de cura e recuperação enquanto são alvo de repercussões públicas, Zollner disse que o seu maior conselho é “reconhecer a verdade”.

“Além do facto de vos poder chocar, pode desafiar a vossa imagem da Igreja, dos representantes da Igreja, incluindo padres e bispos; pode desafiar a vossa fé em Deus. Apesar de tudo, precisamos de enfrentar as coisas”, afirmou.

Lembrando como São João Paulo II, na esteira dos escândalos de abusos que explodiram nos Estados Unidos, disse aos cardeais em 2002 que era “um tempo de purificação”, Zollner insistiu que isto deve ser reconhecido.

“Temos que nos unir a todos aqueles que foram prejudicados e temos que partilhar o mal que foi feito pelas mãos daqueles que falaram e agiram em nome de Deus”, adiantou.

O especialista também aconselhou os líderes da Igreja a “serem cada vez mais uma comunidade”.

“Não dividam, não deleguem apenas a especialistas. Vocês, como Igreja e como líderes da Igreja, têm que lidar com isto. Quanto mais lidarmos, mais seguiremos em frente. Caso contrário, ficaremos presos”, sublinhou.

Numa mensagem em vídeo enviada aos participantes do workshop, o Papa Francisco disse que “somente enfrentando a verdade desses comportamentos cruéis e procurando humildemente o perdão dos sobreviventes é que a Igreja poderá encontrar o caminho para ser novamente considerada com confiança um lugar de boas-vindas e segurança para os necessitados”.

“As nossas expressões de contrição devem ser convertidas num caminho concreto de reforma, tanto para a prevenção de novos abusos quanto para garantir a confiança das pessoas no facto de que os nossos esforços levarão a uma mudança real e confiável”, disse.

Embora reconhecer os próprios erros e fracassos possa fazer as pessoas sentirem-se frágeis e vulneráveis, “também pode ser um tempo de graça esplêndida, um tempo de esvaziamento, que abre novos horizontes de amor e serviço mútuo”, disse o Papa, insistindo que se a Igreja admitir as suas falhas, “não haverá nada a temer, porque será o próprio Senhor quem terá conduzido a Igreja até àquele ponto”.

 

Artigo de Elise Ann Allen, publicado no crux a 20 de Setembro de 2021.