Arquidiocese de Braga -

22 julho 2021

Centenas de migrantes fizeram greve de fome em igreja de Bruxelas

Fotografia Francisco Seco/AP

DACS

Mais de duzentos migrantes dentro de uma igreja na capital belga estiveram quase 60 dias em greve de fome, uma situação que podia ter colapsado o governo nacional.

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[Notícia actualizada: a greve de fome terminou hoje de manhã, 22 de Julho. Todos os manifestantes (476, segundo o governo belga) foram levados para o hospital e alguns encontram-se nos cuidados intensivos.]

Mais de duzentos migrantes sem documentos que estão a fazer greve de fome dentro de uma igreja barroca do século XVII no centro de Bruxelas desde meados de Maio disseram às autoridades belgas que não irão deixar as instalações até que recebam autorizações de residência válidas.

“Sem férias até à regularização”, lê-se na faixa que está esticada na fachada da Igreja de São João Baptista em Béguinage.

A mensagem faz alusão às férias de Verão do governo belga, que começam com o feriado nacional do país a 21 de Julho.

A igreja ocupada está localizada a poucos passos de uma rua particularmente movimentada de Bruxelas e parece bastante tranquila.

Mas outro banner logo acima da porta entreaberta da igreja indica que nem tudo está bem. “Migrantes sem documentos em greve de fome desde 23 de Maio”, diz. Nos últimos dias, alguns dos que estão lá dentro também fizeram greve de sede. Garrafas de água não usadas foram colocadas na praça, formando as palavras “ajuda” e “SOS”.

Dentro da igreja, cerca de 200 homens e 40 mulheres estão deitados em colchões num ambiente marcado pelo silêncio e pela escuridão.

 

“Um símbolo da face compassiva da Igreja”

“Alguns estão em greve de fome parcial, outros total”, explica o pároco Daniel Alliët. “Alguns arriscam, se não a morte, pelo menos consequências para toda a vida”, diz.

O padre passou mais de três décadas em São João Baptista em Béguinage, período durante o qual viu a sua vocação totalmente entrelaçada com a situação dos indocumentados. “Nos últimos vinte e três anos, houve um total de sete anos de ocupações da igreja e 14 meses de greves de fome”, aponta.

“O propósito da nossa igreja é dar voz àqueles que não têm nenhuma”, insiste Alliët. O sacerdote não se aborrece com esses movimentos; pelo contrário.

“Estou aqui porque o Evangelho de hoje está aqui”, diz-nos. Também parece satisfeito por a sua Igreja ser “a Igreja dos pobres, como símbolo do rosto compassivo da Igreja, no seio da Europa”. Há muito que se fala em transformar o edifício barroco num museu, algo a que o padre Alliët sempre se opôs vigorosamente. “Isso representa a morte do Cristianismo”, exclama.

 

“Não vou desistir enquanto está a acontecer este grito de desespero”

O padre não quer dizer a estas pessoas sem voz como devem agir.

“Não sou a favor de greves de fome”, enfatiza. “Mas não vou desistir enquanto está a acontecer este grito de desespero. Embora não seja a favor desta forma de acção, entendo-os”, diz.

A nossa conversa é frequentemente interrompida pelas sirenes de uma ambulância que vem socorrer um dos grevistas, uma lembrança de que a situação é grave. Alguns já foram colocados a soro várias vezes.

“A condição deles é crítica. Cada dia que passa sem uma solução aproxima-os da morte. Esta situação é dramática”, disse o cardeal Jozef de Kesel, arcebispo de Bruxelas-Malines, numa mensagem a 9 de Julho.

Muitos destes migrantes sem documentos estão na Bélgica há vários anos e estão determinados a continuar a luta pelo reconhecimento legal.

“Para eles, é uma questão de dignidade. Eles não querem morrer, querem ser reconhecidos”, explica o Padre Alliët.

O governo belga tem sido inflexível até agora, recusando categoricamente uma regularização em massa e recusando-se a estudar os pedidos de outra forma que não seja caso a caso. Mas, agora, a situação pode transformar-se numa crise política.

O vice-primeiro-ministro socialista Pierre-Yves Dermargne alertou na última segunda-feira que, se um grevista morresse, “os ministros e secretários de Estado socialistas apresentariam a sua renúncia dentro de uma hora”.

Esta é uma séria ameaça ao governo belga, que foi meticulosamente formado em Outubro passado, 16 meses após as eleições legislativas. Se os socialistas se retirassem, o governo correria o risco de entrar em colapso. O primeiro ministro Alexander De Croo está bem ciente desse risco. “A última coisa de que o nosso país precisa agora é uma crise política”, disse, na passada segunda-feira.

Artigo de Xavier Le Normand, publicado no La Croix International a 21 de Julho de 2021.