Arquidiocese de Braga -
20 julho 2021
A freira que salva meninas do tráfico: do transporte de ópio ao convento
DACS com Vida Nueva Digital
Natalia Na Le' resgata as menores do Triângulo Dourado, ponto de encontro das máfias entre a Tailândia, Laos e Mianmar.
O mercado tailandês de Chaen Sean parece um formigueiro. Vende-se peixe, carne, larvas e insetos. Natalia move-se rapidamente entre as barracas de vegetais, negociando o preço das cebolas e do ginseng. O dinheiro será usado para apoiar as meninas e jovens da Casa da Providência. São 60 meninas libertadas do tráfico, órfãs e abandonadas, que encontraram um lar e o amor de uma comunidade. A horta da irmã Natalia Na Le é a principal fonte de renda.
Estamos no Triângulo Dourado, esse ponto de encontro entre a Tailândia, Laos e Mianmar, que é um cruzamento de caminhos do narcotráfico, do dinheiro de origem duvidosa e dos seres humanos. Estamos a filmar o documentário Tears & Dreams, sobre a libertação de mulheres traficadas. Na madrugada de um dia muito quente, acompanhamos a Irmã Natalia ao “zoológico”, uma localidade onde as “mulheres girafas” são exibidas aos turistas.
São meninas e jovens Akha, refugiadas ou sequestradas em Mianmar, com colares de ouro no pescoço que lhes provocam a desarticulação das vértebras por pesarem vários quilos. As meninas começam a usá-los desde cedo. Elas estão lá, no zoológico, a costurar e a cantar enquanto os turistas tiram dezenas de fotos. Os guardas recolhem o dinheiro e garantem que as meninas não fogem.
A Irmã Natalia, com outras freiras Akha, conseguiu tirar várias meninas daquele inferno, colocando-as em segurança. Não é fácil, até porque é muito perigoso. Pergunto-me de onde vem a coragem desta mulher. Não consigo sequer filmar no zoológico. O meu estômago contraiu-se e a minha mente está turva. Durante um passeio de canoa pelo rio Mekong até Laos, a irmã Natalia conta-nos a sua história.
Natalia é chinesa, de uma região fronteiriça com Mianmar. A violência levou o seu pai a fugir da China com a sua família. Natalia tinha apenas 3 anos quando fugiram pela floresta. A família desembarcou em Mianmar, na área da tribo Akha. Lá, construíram uma humilde cabana e começaram a cultivar um pedaço de terra com plantio de arroz, mas o que produziam era insuficiente para alimentar a família.
Por isso, começaram a cultivar ópio, que rendia mais. O Triângulo Dourado é uma das capitais mundiais da produção de ópio, que posteriormente é processado e dá origem, sobretudo, à heroína e à cocaína. Em Chiang Saen existe um museu que conta toda a história do ópio e mostra como é feito. Natalia, de apenas 12 anos, carregou-o rio abaixo. Era a mensageira.
Na floresta, para os refugiados, deslocados e desesperados, não há médicos. Portanto, uma simples dor de dentes ou ferida é aliviada com ópio. Toda a gente faz isso. O ópio às vezes também é usado para evitar que as pessoas sintam fome, incluindo as crianças.
O tráfico desta substância provoca confrontos entre gangues e tribos e com o exército. Por várias vezes Natalia viu-se no fogo cruzado. A sua vida complicava-se em determinados momentos. No entanto, nunca desistiu porque simplesmente precisava de sobreviver. Tudo piorou numa noite, quando a família teve que escapar durante um intenso tiroteio entre os Akha, Shan e o exército.
Uma nova vida
Fugiram novamente pela floresta até serem acolhidos pela tribo Lahu, de origem chinesa. Só então as coisas começaram a melhorar e Natalia começou a frequentar a escola dos padres do PIME, o Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras. Para ficar lá e ter um documento de identidade, disse que era uma Lahu e mudou de nome. Quando as freiras a convidaram para ficar no lar adoptivo, a sua nova vida começou.
O caminho não foi fácil. Passou de uma existência entre guerrilheiros e tráfico de drogas através do rio e da floresta, para uma casa com regras. Portanto, o seu primeiro ano foi muito difícil. Além das dificuldades de adaptação, Natalia entristeceu-se ao ver que todas as companheiras iriam fazer a primeira comunhão e ela não. Pediu para ser baptizada, mas não teve sucesso. Alguns anos depois, a pedido do bispo, Natalia foi baptizada e realizou a solicitação a freira. “Eu estava a rezar em frente à estátua da Virgem e ouvi uma voz que dizia: «minha filha, venha e torne-se freira». Depois de ouvir a voz, desci para pedir autorização à superiora e ela concedeu-ma”, explica.
Antes de entrar no convento, Natalia pediu permissão ao pai. Ele respondeu que ela poderia tornar-se freira porque, entre os chineses, são os filhos do sexo masculino que devem seguir a tradição. "Se te tornares freira, pelo menos não serás maltratada por nenhum homem”, disse o pai. Estávamos a 25 de Dezembro de 1981. Teria que esperar mais 7 anos porque havia vários documentos necessários em falta e ainda tinha que terminar os estudos. Natalia tornou-se freira numa congregação local dedicada à Providência que, mais tarde, se juntou às Irmãs da Providência de San Cayetano Thiene.
Natalia preservou o valor da sua primeira juventude e aplica-o à luz do Evangelho. Além da horta para sustentar as meninas, está pendente uma nova construção – uma igreja financiada por um monge budista – e aos fins-de-semana é catequista nas aldeias de refugiados Akha e Lahu, que não têm reconhecimento legal e vivem em condições de extrema dificuldade.
Natalia conta que, nesses locais, a maioria das pessoas usa drogas e álcool e tem muitos problemas. “Os pais pensam apenas em si mesmos e esquecem-se das suas esposas e filhos. Portanto, é difícil para as crianças concluírem a sua formação. Eles são atraídos por dinheiro rápido e fácil. Costumam usar drogas e acabam na prisão. Por isso, ensinamos-lhes o Evangelho e os males que o ópio causa”, diz a Irmã.
Uma vez por mês, Natalia e outra freira birmanesa vestem-se de mulheres de negócios, cruzam o Mekong e vão aos casinos no Laos. Uma vez lá, saem pela porta dos fundos para visitar as cidades proibidas, onde ensinam o catecismo. Natalia conta-nos isto enquanto navegamos numa canoa no Mekong. Para ela, não é algo heróico. É simplesmente parte do compromisso básico de uma freira cristã.
Reportagem original de Donne Chiesa Mondo, traduzida pelo Vida Nueva Digita e pelo DACS.
Partilhar