Arquidiocese de Braga -

19 julho 2021

O padre, a mãe da princesa e uma amizade forjada no luto

Fotografia

DACS com Daily Mail | Fotos: Magali Delporte

Por uma noite, quase há um quarto de século, a atenção do padre Yves-Marie Clochard-Bossuet foi devotada à alma de uma das mulheres mais famosas do mundo. Por tal feito, conquistou a duradoura gratidão e amizade da mãe da Princesa Diana, Frances Shand Kyd

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“Para o padre Yves, com o meu eterno agradecimento, por rezar ao lado da minha amada Diana”, diz a mensagem manuscrita dentro de um cartão de Natal.

É decorado com uma representação em vitral da Adoração dos Magos e foi comprado no Museu Victoria e Albert, em South Kensington. A inscrição está assinada: “Com amor, Frances”.

Documentos confidenciais relacionados com a morte da Princesa Diana são mantidos sob a regra dos 30 anos nos Arquivos Nacionais em Kew, mas uma colecção comovente, e até agora privada, de cartas, faxes, cartões e recortes relacionados com a tragédia está numa pasta de arquivo num presbitério católico em Paris.

Hoje em dia, o bem-estar dos migrantes e dependentes de crack é a preocupação mais premente do homem a quem as cartas são endereçadas.

Mas, por uma noite, quase há um quarto de século, a atenção do padre Yves-Marie Clochard-Bossuet foi devotada à alma de uma das mulheres mais famosas do mundo. Por tal feito, conquistou a duradoura gratidão e amizade da mãe da Princesa Diana, Frances Shand Kydd.

O sacerdote e Frances não só se tornaram correspondentes regulares, mas também companheiros de jantar.

E que par estranho devem ter parecido ao mundo, saindo do pequeno carro do sacerdote no meio de carros estonteantes estacionados em frente aos hotéis e restaurantes mais badalados de Paris. Ele, em trajes clericais completos, ela no traje de noite por excelência de uma aristocrata britânica idosa, mas elegante.

A amizade entre os dois é uma das poucas histórias relacionadas com a morte de Diana que não foram contadas; uma ligação improvável entre duas pessoas excêntricas de origens diferentes.

A ligação oferece uma nova visão sobre a enigmática Frances, que em muitos aspectos era muito parecida com a filha mais nova, com quem teve um relacionamento complexo.

A vida de Frances Shand Kydd parecia perfeita, mas foi marcada pela tragédia e decepção. Com apenas 18 anos, casou com um dos solteiros mais cobiçados do país, John Spencer, visconde Althorp, de 30 anos, na Abadia de Westminster. A rainha estava entre os convidados.

A morte do filho primogénito do casal, John, quando tinha apenas poucas horas de vida, causou a Frances um sofrimento inesgotável. O casamento também não foi um sucesso: em 1967, trocou o marido por Peter Shand Kydd. A separação fez com que fosse publicamente vilipendiada e desencadeou uma amarga batalha pela custódia dos filhos, na qual a mãe de Frances, Ruth, Lady Fermoy, testemunhou contra ela.

O novo casal acabou por se mudar para uma fazenda na ilha escocesa de Seil, mas o exílio auto-imposto não trouxe felicidade. Em 1988, Peter trocou Frances por uma mulher mais jovem. Ela permaneceu em Seil e encontrou consolo na religião, convertendo-se ao catolicismo aos 58 anos, dedicando a sua vida à Igreja.

O padre Yves-Marie Clochard-Bossuet também dedicou a sua vida à Igreja, mas chegou até essa devoção através de um caminho muito diferente.

Enquanto jovem, trabalhou em plataformas de petróleo na África, surfou na Califórnia e viveu uma comuna hippie em Nova York. Com mais maturidade, ingressou na Air France. Voou na primeira classe mundial, hospedando-se nos melhores hotéis e dando festas a clientes. Apaixonou-se e até pensou em casamento, algo que rapidamente esqueceu quando experienciou uma “realização” enquanto se abrigava do mau tempo numa igreja.

O seu último compromisso com a companhia aérea foi dar uma festa no telhado do Festival de Cinema de Cannes, onde se lembra de ter conversado com a directora de um filme pornográfico. Três semanas depois, estava a morar em um mosteiro perto da Riviera. Recebeu as ordens sagradas aos 42 anos.

No fim-de-semana de 30 e 31 de Agosto de 1997, era o capelão de serviço no Hospital da Universidade Pitie-Salpetriere, no centro de Paris. Foi chamado a meio da noite quando Diana foi levada gravemente ferida ao hospital após um acidente de carro.

Manteve-se em vigília ao lado da Princesa, durante dez horas, até ao Príncipe Carlos e duas das irmãs de Diana chegarem. Realizou então orações com o grupo no quarto.

Após a morte de Diana, o sacerdote ficou tão horrorizado com os holofotes que tirou uma licença de várias semanas num mosteiro na Bósnia. Foi quando escreveu a Frances Shand Kydd.

“Tenho um primo inglês e foi ele quem me disse que a mãe de Diana era uma católica convertida com uma fé muito forte. Sugeriu que eu lhe escrevesse. Então, escrevi-lhe uma carta muito formal dando todos os detalhes [do dia da morte de Diana]. Queria dizer à mãe dela que as enfermeiras que cuidaram dela fizeram tudo muito bem. Não havia do que reclamar, mesmo que fosse um quarto de hospital e não o Palácio de Buckingham. E disse-lhe que havia rezado e ficado até à chegada do Príncipe Carlos”, lembra o sacerdote.

Não esperava uma resposta, presumindo que esta seria mais uma das inúmeras cartas recebidas por Frances.

“Mas, apenas alguns dias depois, recebi uma carta comovente. Frances agradeceu-me, pois fui o primeiro a dar-lhe directamente informações, ninguém mais comunicou com ela. Nem a administração do hospital, nem os médicos, nem o Palácio de Buckingham. Ela também ficou feliz por ser um padre católico a estar lá”, explica.

Frances perguntou ao sacerdote se realizaria uma missa particular em memória de Diana no hospital onde a princesa havia falecido, pedindo-lhe que guardasse segredo. A muito custo, o Pe. Yves conseguiu. Três semanas depois, Frances estava em Paris.

© UPPA

“Apanhei-a no aeroporto Charles de Gaulle no meu pequeno Peugeot 206. Reconheci-a imediatamente. Parecia-se muito com a filha. Era muito alta, muito loira e viu-me a aproximar. Eu estava com uma capa de chuva (para esconder o colarinho clerical), porque temia que os repórteres nos vissem. Veio até mim e o abriu meu casaco, rindo, para confirmar que eu era o padre. Assim o gelo se quebrou rapidamente”, lembra o sacerdote. A missa secreta aconteceu no dia seguinte.

À medida que o par se ia gradualmente conhecendo, concordaram com um modus operandi que parece um poucoestranho. Ambos eram bilingues e não apenas escreviam um ao outro nas suas próprias línguas nativas, mas também conversavam através delas.

Depois da missa, Francis convidou o sacerdote para jantar no restaurante do seu hotel.

“Ela usava um colar de pérolas de três fios e eu estava com o meu colarinho romano e uma grande cruz. Toda a gente nos observava”, explica o presbítero.

O padre preocupava-se com a própria etiqueta, ou com a falta dela, na presença de Frances, que voltou a Paris para vê-lo em Novembro. E assim foi estabelecido um padrão. Mais ou menos duas vezes por ano, Frances ia a Paris para se encontrar com o padre, 13 anos mais jovem, e levá-lo a jantar fora. O sacerdote conduzia-a no seu Peugeot.

“Lembro-me de ir buscá-la ao Plaza Athenee, onde já trabalhei como carregador. Depois do jantar, ela desceu do meu carrito de volta ao hotel, muito digna, no meio de todos aqueles Lamborghinis e Rolls-Royces", sorri o sacerdote.

Às vezes, ela dizia-lhe para deixar o Peugeot em casa, para que os dois pudessem beber. O Pe. Yves relembra-a como uma “bonne-vivante”, que gostava de bons vinhos. Ele não viu – ou é muito discreto para mencionar – o hábito de beber que assombrou os últimos anos de Frances.

“Ela retirou-se completamente da vida mundana para uma pequena ilha. Então, quando vinha a Paris, obviamente queria divertir-se um pouco”, explica.

Ocasionalmente, conversavam sobre Diana e a sua morte. O padre sabia que mãe e filha tinham deixado de falar uma com a outra meses antes da morte de Diana. O acidente em Paris impediu uma reconciliação.

“Ela ficou muito comovida com o sentimentalismo do povo inglês. Admito que não entendi muito bem (o luto em massa). Claro que não disse lhe disse que fiquei espantado, teria sido indelicado. Mas ela viu isso como uma coisa boa, consolava-a. Também me disse que costumava dar um passeio nocturno em Londres (nos dias após a morte de Diana), nos locais onde havia flores para ela. E também falou muito comigo sobre William e Harry, adorava-os”, afirma o presbítero.

O Pe. Yves passou a admirar muito Frances Shand Kydd.

“Ela era, claro, uma mulher bonita. Eu posso ser um padre, mas também sou um homem. Apreciava-a fisicamente. Mas ela não se contentava em ser apenas bonita, parecia ter um coração enorme. Não se comportou nunca de maneira arrogante, falaria com um concierge como falaria com uma rainha”, explica.

Mas, com o passar dos anos, tornou-se evidente que alguma coisa não estava bem. Sem que o padre soubesse, Frances desenvolvera a doença de Parkinson e cancro no cérebro. As cartas, outrora manuscritas, passaram a ser dactilografadas, até que um dia Frances deixou de responder.

Em Junho de 2004, o Pe. Yves foi contactado pelo conde Spencer, que o informou da morte da sua mãe, com 68 anos.

 

Artigo original de Richard Pendlebury e Stephen Wright, publicado no Daily Mail. Adaptação do DACS.