Arquidiocese de Braga -

1 junho 2021

Papa Francisco: "negligência do Pastor no uso do sistema penal mostra que ele não está a cumprir a sua função"

Fotografia Daniel Mafra/ Canção Nova

DACS

Nova Constituição apostólica sublinha que "a caridade exige que os Pastores recorram ao sistema penal sempre que necessário".

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“Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, governando-o não à força, mas de boa vontade, tal como Deus quer” (cf. 1 Pd 5, 2): é com as palavras do Apóstolo Pedro que começa a Constituição Apostólica "Pascite Gregem Dei”, com a qual o Papa Francisco reforma o Livro VI do Código de Direito Canónico. A nova versão entrará em vigor a 8 de Dezembro de 2021.

Aludindo aos avanços já realizados pelos seus antecessores – São João Paulo II e Bento XVI – nesta matéria, o Papa Francisco explica que este foi um processo muito complexo, com vários “canonistas e especialistas de todo o mundo” a serem consultados. Depois de várias revisões e estudos, a versão final do novo texto foi estudada na Sessão Plenária dos Membros do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos de Fevereiro de 2020.

“O respeito e a observância da disciplina penal são de todo o Povo de Deus, mas a responsabilidade pela sua correcta aplicação – como já foi referido – corresponde especificamente aos Pastores e Superiores de cada comunidade. É uma tarefa que pertence de modo inseparável ao munus pastoral que lhes foi confiado e que deve ser exercida como uma exigência concreta e inalienável de caridade perante a Igreja, perante a comunidade cristã e as possíveis vítimas, e também em relação àqueles que cometeram um crime que necessita, ao mesmo tempo, da misericórdia e correcção da Igreja”, observa o Papa Francisco na Constituição Apostólica.

O Pontífice afirma que foram muitos os danos causados no passado “pela falta de compreensão da relação íntima que existe na Igreja entre o exercício da caridade e o cumprimento da disciplina punitiva”, uma forma de agir e pensar que pode levar à contemporização de “comportamentos contrários à disciplina”.

“Esta atitude muitas vezes acarreta o risco de que, com o tempo, tais modos de vida se cristalizem, tornando mais difícil a correcção e, em muitos casos, agravando o escândalo e a confusão entre os fiéis. Por isso, por parte dos Pastores e Superiores, é necessária a aplicação de penas. A negligência do Pastor no uso do sistema penal mostra que ele não está a cumprir a sua função, como temos apontado claramente em documentos recentes, como as Cartas Apostólicas em forma de Motu Proprio «Como Mãe amorosa» e «Vos estis lux mundi»”, explica.

Bergoglio reforça ainda que a caridade exige que os Pastores recorram ao sistema penal sempre que necessário, tendo em conta os três fins que a tornam necessária na sociedade eclesial, ou seja, o restabelecimento das exigências de justiça, a correcção do infractor e a reparação dos escândalos.

“Em continuidade com a abordagem geral do sistema canónico, que segue uma tradição da Igreja consolidada ao longo do tempo, o novo texto traz modificações de várias naturezas à legislação em vigor até agora, e sanciona algumas novas infracções penais. De maneira particular, muitas das novidades presentes no texto respondem à exigência cada vez mais difundida dentro das comunidades de verem restaurada a justiça e a ordem que o crime violou”, afirma.

O Livro VI foi revisto e melhorado “também do ponto de vista técnico”, sobretudo no que diz respeito ao “direito de defesa, a a prescrição da acção criminal e penal, uma determinação mais clara das penas, que atende às exigências da legalidade penal e oferece aos Ordinários e Juízes critérios objectivos para identificar a sanção mais adequada a aplicar em cada caso concreto”.

“Na revisão do texto, a fim de favorecer a unidade da Igreja na aplicação das penas, especialmente no que se refere aos crimes que causam maiores danos e escândalos na comunidade, também se seguiu o critério, servatis de iure servandis para reduzir os casos em que a aplicação de sanções fica a critério da autoridade”, explica ainda o Santo Padre.

 

Algumas das alterações

Com a reforma do Livro VI, os cânones relativos ao crime de abuso sexual de menores e crimes de pornografia infantil passam a ser designados por “crimes contra a vida, a dignidade e a liberdade da pessoa” e são alargados aos membros dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica e aos fiéis leigos que gozam de uma dignidade ou desempenham cargos ou funções na Igreja.

No que diz respeito ao Cânone 1398 sobre abusos, além dos crimes perpetrados por clérigos, religiosos e leigos que ocupam alguns cargos na Igreja, alarga-se também a acções e comportamentos com adultos, cometidos com violência ou abuso de autoridade.

As recentes alterações também contemplam novos crimes em matéria económica e financeira e administração de bens na Igreja. A estes, acrescentam-se alguns novos casos, como a violação do segredo papal, a omissão da obrigação de execução de sentença ou decreto criminal, a omissão da obrigação de avisar sobre a prática de um crime e o abandono ilegítimo do ministério.

A revisão não esquece os crimes patrimoniais, como a alienação de bens eclesiásticos sem as devidas consultas, os crimes contra a propriedade cometidos por negligência grave ou negligência grave na administração.

As novas penas incluem multas, indemnização por danos e privação total ou parcial da remuneração.