Arquidiocese de Braga -

19 abril 2021

Riccardi: Para impedir o declínio da Igreja é preciso haver mais espaço para as mulheres

Fotografia AFP

DACS com La Stampa

Fundador da Comunidade de Santo Egídio, Andrea Riccardi, explica no seu novo livro que a crise da Igreja advém de motivos internos.

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“A crise da Igreja não é determinada por factores externos, como a perseguição, o comunismo. Advém de motivos internos e da relação com a sociedade. O verdadeiro problema é a atractividade”.

O catolicismo está “a arder”, como na noite entre 15 e 16 de Abril de 2019, quando a Catedral de Notre-Dame de Paris pegou fogo. Aquele incêndio abre o livro “La Chiesa brucia. Crisi e futuro del cristianesimo” (A Igreja arde. Crise e futuro do cristianismo), escrito por Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, historiador do mundo contemporâneo e em particular do cristianismo.

As chamas de Notre-Dame representam simbolicamente uma Igreja que é consumida: entre indiferença e descrédito, assiste-se a uma contínua redução da prática religiosa, a uma queda das vocações, a uma menor incidência católica na vida pública, fenómenos agravados por escândalos financeiros, pela chaga da pedofilia do clero, por lutas pelo poder, pelo fim de realidades tradicionalmente católicas como o mundo rural, por dificuldades de religiosos e religiosas, por ameaças de cismas à direita e à esquerda.

O declínio das Igrejas, italiana e europeia, é analisado no livro de Riccardi, que abre o debate sobre as ideias de como sair da situação. Fala de “parâmetros vitais que tendem perigosamente para baixo”. É preciso reconhecer “os sintomas de mal-estar e reflectir sobre os pilares do catolicismo: a partir de uma evangelização que, há 50 anos, custa a encontrar formas convincentes e eficazes”.

Ao mesmo tempo, não nos devemos deixar enganar pelo tradicionalismo actual, que se alimenta reciprocamente de soberanismos e nacionalismos políticos: “Afirmar que os problemas da Igreja derivam do Concílio Vaticano II é enganoso. E não me parece que os grupos tradicionalistas sejam uma resposta conspícua”, afirma.

O motivo não tem meios termos: “Os tradicionalistas não são a tradição. O tradicionalismo é uma reinvenção daquilo que se pensa ser tradição. Quando Lefebvre (fundador da Fraternidade São Pio X) disse ao Papa Paulo VI: «Eu não lhe posso obedecer, porque é uma questão de consciência», não falou como um tradicionalista, mas como um liberal”.

Eis, depois, o grande tema “das mulheres. De um padre que dirige cinco paróquias, na melhor das hipóteses, enquanto a maioria dos actores da vida paroquial são – silenciosamente – as mulheres. Mas sempre colocadas numa estrutura verticalmente masculina, portanto não reconhecidas por aquilo que fazem e merecem”.

A irrelevância da Igreja na vida e na sociedade é “o ponto decisivo”. Mas Riccardi alerta para uma possível ambiguidade e deriva: “Lutar contra a irrelevância não é aspirar ao poder. O intervencionismo político pertence a épocas longínquas e não sei se teve a função pastoral de reunir as pessoas”.

Os pastores, por sua vez, devem acompanhar os fiéis, dando espaço “à mensagem do Papa Francisco: com a escolha dos pobres, pode encontrar-se a posição certa da Igreja na sociedade”.

Riccardi especifica, ainda, que o “declínio do cristianismo histórico não é o fim da religião”. Muitas vezes, “tem-se falado em secularização: exageramos. Decisivos são os últimos 30 anos de globalização, que mudaram tudo, e nesse quadro global há também uma sede de religião”. Basta pensar no “desenvolvimento dos neoprotestantes, que vulgarmente são chamados de seitas, ou na procura da espiritualidade, o budismo. O nosso tempo não é tão secular”.

A secularização tornou-se “uma grande justificação da irrelevância católica”. Finge-se que não se vê que “o verdadeiro problema é a atractividade da Igreja. Tanto Bento XVI quanto Francisco afirmaram isso fortemente”. Por isso, o caminho rumo a uma renovação atractiva é “tomar consciência da crise e reencontrar o entusiasmo comunicativo da própria fé. E, depois, estimular diversas formas de vida cristã que tomem um caminho dentro da história. Não modelos pastorais a serem aplicados: é preciso deixar que essas sementes cresçam naturalmente. Precisamos de uma época de reflorescimento, que pode acontecer tentando, trabalhando bem e até errando, não importa”. E Bergoglio? “Ele não pode ser o bombeiro que apaga o fogo. A Igreja é grande e plural, e agora devemos ter cuidado porque, depois do pós-Concílio, corremos o risco de um acizentamento, com instituições cansadas e com uma classe dirigente preguiçosa”.

Nesse sentido, Riccardi encerra o livro “com a oração-poesia de Turoldo: «Livra-me do cinza, do espírito de senilidade»”.

 

Artigo de Domenico Agasso, publicado no La Stampa, a 17 de Abril de 2021.