Arquidiocese de Braga -
24 março 2021
Pe. James Martin, sj: "a espera Cristã supõe esperança"
DACS com Revista SIC
O director da Revista SIC, Juan Salvador Pérez, entrevistou o padre jesuíta James Martin +sobre quatro temas: pobreza, paciência, a encíclica “Fratelli Tutti” e a oração.
A filósofa espanhola Adela Cortina afirmou que existe uma espécie de rejeição cultural à pobreza, ou, como define, aporofobia (fobia, medo da pobreza e dos pobres), e convida-nos a superar esta conduta marginalizadora e antidemocrática. Como devemos agir diante da pobreza? O que devemos fazer sobre esta realidade?
Essa ideia faz sentido para mim. Durante as últimas décadas fomos condicionados, pelo menos no Ocidente, a ver os pobres como ameaças, mais que como nossos irmãos e irmãs necessitados. Nos Estados Unidos, por exemplo, os ricos convenceram a classe média de que os pobres são os seus inimigos, dispostos a tirar-lhes coisas que supostamente os pobres não merecem. É o mesmo em todo o mundo, com pessoas que vêem os refugiados e migrantes, novamente, não como pessoas necessitadas, mas como ameaças, como pessoas que é preciso temer, como os “outros”.
Tudo isto se opõe à mensagem de Cristo, que não só era pobre, mas também se ocupou dos pobres e que especificamente nos pede – nos exige – para cuidarmos dos pobres. Espanta-me ouvir os políticos ocidentais a ignorar ou a negar este facto: parte de ser cristão é cuidar dos pobres.
Talvez a melhor maneira de suavizar os corações e conseguir uma conversão entre as pessoas é apresentar-lhes os pobres, seja pessoalmente, ou através de histórias. Isto é parte da “cultura do encontro” de que fala o Papa Francisco. É muito mais difícil etiquetar alguém como indigno, ou como uma ameaça, quando conhecemos a sua história. É ainda melhor se pudermos escutá-lo, ou contar a sua história cara a cara. Há uma razão para Jesus ensinar em parábolas, isto é, através de histórias: elas têm a capacidade de nos converter.
A humanidade atravessa tempos difíceis. Os tempos difíceis exigem atitudes virtuosas e a paciência destaca-se no meio delas. “Patientia” vem do latim: a qualidade de sofrer ou aguentar. Hoje entendemos a paciência como a capacidade de suportar adversidades. O que nos exige sermos pacientes nas circunstâncias actuais? Quanto sofrimento há em ser paciente?
Passamos a maior parte das nossas vidas à espera. Poderíamos dizer que a maior parte das nossas vidas não é vivida no espantoso terror da Sexta-Feira Santa ou na alegria suprema do Domingo de Páscoa, mas em algum lugar entre os dois momentos. A maior parte das nossas vidas, então, é passada no Sábado Santo: à espera, ansiando, imaginando. Esperamos que as coisas melhorem. Esperamos que a vida mude. Esperamos por uma vacina. Parte dessa espera é a paciência.
A espera Cristã é muito mais do que uma espera cega, como se não soubéssemos o que vai acontecer ou como se tudo dependesse do destino. A espera Cristã supõe esperança. Confia que a mudança é sempre possível, que há sempre uma nova vida no horizonte e que nada é impossível para Deus. Tal como os discípulos descobriram no Domingo de Páscoa.
“Todos irmãos” são algumas palavras que definem a proposta do pontificado de Francisco. Esta encíclica é um apelo urgente à fraternidade e à amizade social como meios de reconstrução, de cura, de um mundo ferido. Como é que realmente nos tornamos irmãos e irmãs? Como é que, concretamente, nos tornamos irmãos e irmãs? Quando é que o somos verdadeiramente?
Estas são questões importantes. Para mim, poderia resumir-se a grande encíclica do Papa Francisco Laudato Si' numa frase poderosa que ele usa: “Tudo está interligado”. E talvez uma maneira de resumir a Fratelli Tutti seja com a frase “Todos estão interligados”.
Parte de sermos irmãos e irmãs não é apenas cuidarmos uns dos outros, por mais importante que isso seja, mas tornarmo-nos amigos. E o que é que isso significa? Significa dedicar tempo para nos ouvirmos uns aos outros, criar um vínculo com os outros em momentos difíceis e até chorar com eles. E rir também!
Uma das minhas expressões favoritas sobre isto é de um professor jesuíta de Teologia Moral da Boston College, James F. Keenan. A sua definição de misericórdia é brilhante, mas também pode ser usada como uma definição de amizade, ou como sendo irmão ou irmã de alguém. Ele diz que é a “vontade de entrar no caos da vida de outra pessoa”. É isso que é preciso.
“A espera Cristã é muito mais do que uma espera cega, como se não soubéssemos o que vai acontecer ou como se tudo dependesse do destino. A espera Cristã supõe esperança. Confia que a mudança é sempre possível, que há sempre uma nova vida no horizonte e que nada é impossível para Deus. Tal como os discípulos descobriram no Domingo de Páscoa.”
O Pe. James Martin publicou recentemente um livro (que define como um manual) para “Aprender a Rezar”. O momento é acertado, porque a situação limite como a que vivemos com a pandemia levou todos (de uma forma ou de outra, crentes ou não) a encontrarem-se intimamente com os seus medos e as suas questões. Há alguns anos, o cardeal Carlo Maria Martini, sj e Umberto Eco reflectiram por epístolas sobre o assunto, e eu gostaria de voltar a este tema nestas circunstâncias: em que consiste a oração de quem não crê? E qual é a oração daquele que crê?
Essas são perguntas difíceis! Acho que se pode discordar de algumas pessoas que dizem que os não crentes podem rezar. Talvez usasse antes a palavra “meditar”. Certamente alguém que não crê pode meditar, e muitos fazem-no. Mas se a pessoa resiste completamente à ideia de Deus, então será difícil “rezar”. Porque a oração tem um objecto, e esse objecto é Deus.
Mas, se houver um pouco de curiosidade sobre a possibilidade da existência de Deus, então acredito que Deus pode trabalhar com isso! Portanto, o agnóstico, o que duvida ou o que procura, certamente pode rezar.
Nesse caso, uma das coisas mais importantes é que aquele que procura reconheça que o próprio desejo de oração vem de Deus. Ou seja, muitas dessas pessoas sentem que estão a rezar simplesmente por curiosidade. Eu digo-lhes sempre: “É assim que Deus vos está a chamar”. De que outra forma poderia Deus fazer isso? Uma pequena placa numa casa de retiro resumiu isso muito bem para mim: “Aquilo que procuras está a procurar-te”.
Como é que o crente reza? Bem, de muitas maneiras! Esse é um dos motivos pelos quais escrevi o meu novo livro. Mas, no fundo, ele reza honestamente, com confiança e, a seguir, com aceitação. E da forma que quiser. E não existem maneiras erradas de rezar. Qualquer caminho que te aproxime de Deus é o caminho certo para ti.
Entrevista de Juan Salvador Pérez, Director da Revista SIC, publicada a 22 de Março de 2021.
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