Arquidiocese de Braga -

12 fevereiro 2020

Papa Francisco descreve quatro sonhos para a Amazónia na nova exortação apostólica

Fotografia

DACS

“Querida Amazónia” é a nova exortação apostólica pós-sinodal de Francisco, que pede uma “cultura eclesial” própria para a região que seja “marcadamente laical”.

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Um sonho social, um sonho cultural, um sonho ecológico e um sonho eclesial. São estes os sonhos que o Papa Francisco enumera e explica na nova exortação apostólica, Querida Amazónia, lançada em sequência do Sínodo especial dos bispos para a Amazónia que teve lugar em Outubro de 2019.

No novo documento, o sumo pontífice pretende expressar as ressonâncias provocadas pelo percurso de diálogo e discernimento do Sínodo, colocando na realidade amazónica uma síntese de algumas grandes preocupações já manifestadas em documentos anteriores.

Grande parte da exortação é dedicada ao sonho eclesial de Francisco, que pede uma maior presença de missionários neste território e formas de liderança que envolvam leigos, religiosas e diáconos permanentes, sem abordar a ordenação sacerdotal de homens casados – tema que paira desde o encerramento do Sínodo.

Mais diáconos e mais relevância para os leigos

Nenhuma comunidade cristã se edifica sem ter a sua raiz e o seu centro na celebração da Santíssima Eucaristia, declara Francisco, solicitando depois a todos os bispos, especialmente os da América Latina, a promover a oração pelas vocações sacerdotais e também a ser mais generosos, levando aqueles que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazónia – sublinhando a ironia de mais missionários serem enviados da Amazónia para os Estados Unidos da América e para a Europa do que no sentido inverso.

O Papa Francisco aponta também a necessidade de ordenação de um maior número de diáconos permanentes, primeiro grau do sacramento da Ordem ao qual podem aceder homens casados.

O serviço das religiosas e leigos é valorizado por Francisco, que pede que estes assumam responsabilidades importantes em ordem ao crescimento das comunidades e maturem no exercício de tais funções, especificando que uma Igreja de rostos amazónicos requer a presença estável de responsáveis leigos, maduros e dotados de autoridade, que conheçam as línguas, as culturas, a experiência espiritual e o modo de viver em comunidade de cada lugar, ao mesmo tempo que deixem espaço à multiplicidade dos dons que o Espírito Santo semeia em todos.

Não se trata apenas de facilitar uma presença maior de ministros ordenados que possam celebrar a Eucaristia. Isto seria um objectivo muito limitado, se não procurássemos também suscitar uma nova vida nas comunidades. Precisamos de promover o encontro com a Palavra e o amadurecimento na santidade por meio de vários serviços laicais, que supõem um processo de maturação – bíblica, doutrinal, espiritual e prática – e distintos percursos de formação permanente, diz Francisco, que reconhece que este é um exercício que "requer na Igreja capacidade para abrir estradas à audácia do Espírito, confiar e concretamente permitir o desenvolvimento duma cultura eclesial própria, marcadamente laical.

O Papa avisa ainda contra uma visão que reduz a nossa compreensão da Igreja a meras estruturas funcionais, rejeitando também concepções parciais sobre o poder na Igreja que levam a clericalizar as mulheres, mas salvaguarda que estas devem ter acesso a funções e inclusive serviços eclesiais que não requeiram a Ordem sacra.

O modo de configurar a vida e o exercício do ministério dos sacerdotes não é monolítico, adquirindo matizes diferentes nos vários lugares da terra. Por isso, é importante determinar o que é mais específico do sacerdote, aquilo que não se pode delegar. A resposta está no sacramento da Ordem sacra, que o configura a Cristo sacerdote. E a primeira conclusão é que este carácter exclusivo recebido na Ordem o deixa só a ele habilitado para presidir à Eucaristia, explica.

Francisco abre também a porta à criação de um rito amazónico, proposto no Sínodo de 2019, dizendo que é possível receber na liturgia muitos elementos próprios da experiência dos indígenas no seu contacto íntimo com a natureza e estimular expressões autóctones em cantos, danças, ritos, gestos e símbolos. O Concílio Vaticano II solicitara este esforço de inculturação da liturgia nos povos indígenas, mas passaram-se já mais de cinquenta anos e pouco avançamos nesta linha.

Uma continuação de Francisco – social, cultural e ecológica

Contrariando todas as expectativas que pesavam sobre o lançamento desta exortação apostólica, Francisco não tomou decisões: Querida Amazónia não tem novas leis, doutrinas, estatutos ou estruturas. O documento final do Sínodo mantém-se e os bispos da região continuam livres para fazer as suas próprias propostas – cuja maioria depende mais da sua iniciativa do que do consentimento da Santa Sé.

Duas das propostas que necessitariam de aprovação papal – uma conferência de bispos da Amazónia e um rito litúrgico amazónico – são positivamente referidas no documento como sugestões de como aprofundar a colaboração e inculturação, mas depende dos bispos da Amazónia solicitar o avanço destas propostas.

O que o Papa Francisco deixa claro nesta exortação – a quinta do pontificado – é que, para a Igreja estar presente da melhor forma num contexto desafiante como o da Amazónia, aquilo que deve fazer é ver e reconhecer o que o Espírito Santo já está a fazer na região.

Algo que também fica claro é que, para Francisco, nada disto fará sentido sem os temas que lhe são tão queridos e que têm marcado o pontificado. No penúltimo parágrafo, o Papa questiona, depois de referir a necessidade do ecumenismo e diálogo inter-religioso na região, como não rezar juntos e trabalhar lado a lado para defender os pobres da Amazónia, mostrar o rosto santo do Senhor e cuidar da sua obra criadora?

“Sonho com uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida”, diz o Papa sobre a componente social, em que denuncia “graves violações dos direitos humanos e novas escravidões”, o tráfico de droga e de pessoas que procura submeter os indígenasque se aproveita daqueles que foram expulsos do seu contexto cultural”.

“Não podemos permitir que a globalização se transforme num novo tipo de colonialismo”, refere o Papa.

É esse colonialismo que o Papa também quer evitar na cultura, apelando à unidade e sensibilidade para com as mais de 100 culturas indígenas presentes na Amazónia. Francisco referiu também uma das polémicas do Sínodo de Outubro, quando um símbolo indígena foi atirado ao rio após ser roubado do interior de uma igreja em Roma: É possível receber, de alguma forma, um símbolo indígena sem o qualificar necessariamente como idolátrico. Um mito denso de sentido espiritual pode ser valorizado, sem continuar a considerá-lo um extravio pagão.

Já no capítulo da ecologia, Francisco é claro ao alertar para o “desastre ecológico” na região, com impacto em toda a humanidade, porque “o equilíbrio da terra depende também da saúde da Amazónia”.

O Papa apela a mudanças para um estilo de vida “menos voraz, mais sereno, mais respeitador, menos ansioso, mais fraterno” e afirma que a solução não está numa «internacionalização» da Amazónia, mas classifica como louvável a tarefa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos sistemas de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não-delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais  do seu país, sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais”.