Arquidiocese de Braga -
24 março 2019
Nova Ágora: "A corrupção é um cancro da sociedade"
DACS |Fotografias: Ana Marques Pinheiro
Primeira conferência deste ano abordou o poder e corrupção na passada sexta-feira, 22 de Março.
O Paço dos Duques, em Guimarães, recebeu de portas abertas a primeira conferência da Nova Ágora 2019 na passada sexta-feira, dia 22 de Março. O frio não impediu dezenas de pessoas de se juntarem para ouvirem e verem os “Olhares” de Joana Marques Vidal, Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal Constitucional, Luís de Sousa, Subdirector e Investigador Auxiliar no Instituto de Ciências Sociais (ICS-ULisboa), e Paulo de Morais, Professor Universitário e Presidente da “Frente Cívica”, sobre o “Poder e Corrupção”.
A moderação esteve a cargo do jornalista António Mateus e foi ao Arcebispo Primaz que couberam as honras de iniciar a noite com um pequeno discurso.
D. Jorge Ortiga reforçou o facto de a Nova Ágora ser um debate entre católicos e não-católicos, com temas que, apesar de não estarem directamente ligados à religião, lhe dizem respeito.
“Cada um de nós, independentemente da sua religião, deveria perguntar-se sobre estes temas. Neste caso, a sociedade é um cancro da sociedade hodierna. É urgente uma cultura de legalidade através da honestidade e transparência. O Papa Francisco diz-nos que todos somos chamados a contrariar o cancro da corrupção de várias formas. É urgente fazê-lo!”, sublinhou.
O prelado deixou ainda vários números e estatísticas que apontam Braga como um dos distritos com maior número de acusações e processos crime relacionados com o peculato ou a fraude fiscal. “São alguns dados, mas muitas interrogações. Cabe-nos a nós continuarmos a trabalhar juntos por um mundo melhor”, concluiu.
Joana Marques Vidal: “A corrupção não é um problema dos tribunais, é de todos nós”
A Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal Constitucional, Joana Marques Vidal, começou por explicar que a corrupção não é um problema exclusivo dos tribunais ou da justiça, mas sim de todos os cidadãos.
“É um problema do Estado em que escolhemos viver. Isto porque as sociedades escolhem modelos com determinados valores essenciais, por muito que elas mudem ao longo do tempo. E isto é bom! O facto de apurarmos as nossas sociedades torna-as melhores e pressupõe a nossa adesão a esses valores. No nosso caso, temos orgulho em viver num estado democrático”, explicou.
A este propósito, Joana Marques Vidal referiu algumas teorias que, há não muito tempo atrás, consideravam a corrupção algo normal. Apesar de esse paradigma ter mudado, “infelizmente” ainda há quem continue a pensar assim, explicou.
“A corrupção põe em causa o nosso estado de direito e o funcionamento da economia, saúde e educação. Para além disso provoca um clima enorme de desconfiança entre governantes e cidadãos”, referiu.
Luís de Sousa: “A corrupção é um fenómeno de poder”
O Subdirector e Investigador Auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa apontou a corrupção como um fenómeno que, apesar de ser bastante contestado, ainda não encontra consenso social sobre aquilo que é. Luís de Sousa lembrou o inquérito feito à população em 2006 sobre a corrupção em relação aos valores do Estado e que deu a conhecer três respostas surpreendentes.
“Em primeiro lugar, a transparência surgiu à frente da liberdade. Depois, 56% da população considerou que, desde que a corrupção fosse em prol de uma causa justa, não seria corrupção. Por fim, 64% considerou ainda que, desde que os efeitos fossem benéficos para a comunidade, o fenómeno não poderia ser considerado corrupção”, adiantou, lembrando que o inquérito foi feito um pouco antes da crise.
O investigador descreveu ainda a corrupção como um fenómeno de poder, embora o poder por si só não corrompa. “Estamos a falar de finalidade e não de natureza”, sublinhou.
Luís de Sousa enumerou ainda três formas de exercer o poder e três tipos de corrupção a elas associadas. O poder condigno aparece associado à corrupção mais dramática, “predadora”, e que atinge sobretudo países em desenvolvimento. Neste caso, A impõe determinados termos de troca a B, sem haver nada a negociar: B tem de pagar por um serviço a que tem direito. Em segundo lugar existe o poder compensatório, que visa a corrupção de mercado, de troca. Esta situação acaba por ter alguma aceitação da opinião pública. O investigador apontou ainda o poder condicionado, em que a corrupção surge com uma aura de legalidade, de cariz institucional, ligada à manipulação de regras, normas e processos. “Está transvestida de compromisso social e é a mais danosa e perigosa das nossas democracias”, sublinhou.
Paulo de Morais: “Há muita corrupção em Portugal!”
O Professor Universitário e Presidente da “Frente Cívica” não poupou nas palavras e concentrou a sua intervenção na corrupção que acontece em Portugal.
“O debate sobre a corrupção é o mais importante da sociedade portuguesa. E se pensam que é um problema da democracia, desenganem-se! Já era um dos maiores problemas do antigo regime. Se consultarmos o caderno de encargos do Movimento das Forças Armadas para o 26 de Abril de 1974, vemos que entre as medidas mais urgentes está o combate à corrupção”, indicou.
Paulo de Morais comparou a situação de Portugal à de outros países europeus como a Grécia, Itália ou Espanha, e sublinhou que se Portugal está na cauda da Europa em termos de corrupção, a explicação é simples: há muita corrupção em Portugal.
“Os casos dos últimos anos no nosso país têm sido absolutamente insuportáveis. Foram os submarinos, a Expo, o Euro 2004, os vistos “Gold”, os escândalos da banca... Foram casos que nos lesaram a todos”, referiu.
O Professor explicou que todos eles se revestiram de três características mortais para uma sociedade: o facto de serem muitos, o facto de serem muito caros, custando milhares de milhões de euros ao erário público e o facto de representarem uma corrupção sistémica.
“Aqui a corrupção nasce no próprio sistema, não é como em outros casos em que os intervenientes é que subjugam o sistema. Não são terceiros a enganar o regime. Veja-se o exemplo da Ponte Vasco da Gama: é um dos maiores roubos em Portugal desde o tempo de D. Afonso Henriques!”, brincou.
Paulo de Morais mostrou ainda à assistência uma parte do Orçamento de Estado 2019 com as chamadas “despesas excepcionais”, onde muito do dinheiro estipulado não encontra explicação plausível. “As finanças de Portugal são geridas por estudantes que pedem dinheiro aos pais «só hoje»”, referiu, dizendo que esta é uma situação que começou por ser excepcional, mas que se repete há vários anos.
A Nova Ágora continua na próxima sexta-feira, dia 29 de Março, com os Populismos serem debatidos, desta vez na Casa das Artes, em Famalicão.
Paulo Rangel, Deputado ao Parlamento Europeu e Vice-Presidente do PPE, José Filipe Pinto, Professor Catedrático da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e Felipe Pathé Duarte, Professor/Investigador Universitário e Consultor lançam os seus "Olhares sobre... os Populismos". O jornalista Carlos Magno modera o debate.
A inscrição é obrigatória e pode ser feita em www.novaagora.pt.
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