Arquidiocese de Braga -
10 fevereiro 2018
Profissão, ouvinte
“No futuro haverá, possivelmente, uma profissão que se chamará ouvinte. A troco de um pagamento, o ouvinte escutará o outro prestando atenção ao que ele diz”
por Eduardo Jorge Madureira Lopes
Uma conferência do ensaísta sul-coreano Byung-Chul Han, na terça-feira, no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona, sobre “a expulsão da diferença e o valor da hospitalidade”, foi amplamente noticiada pela imprensa espanhola. O diário El País, por exemplo, dedicou ao filósofo, apresentado como “um dos mais reconhecidos dissecadores dos males que acometem a sociedade hiperconsumista e neoliberal depois da queda do Muro de Berlim”, toda a página 25 da edição de quarta-feira. O professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade das Artes de Berlim é, de facto, autor de obras que caracterizam com acerto o tempo presente. Várias – A sociedade do cansaço, A sociedade da transparência, A agonia de Eros, Psicopolítica, O aroma do tempo, A salvação do belo, No enxame e Sobre o poder – foram editadas em Portugal pela Relógio d’Água.
Um curto texto dos anfitriões catalães apresenta a iniciativa: “O tempo em que o outro existia passou. O outro como mistério, como amigo, como desejo, como pesadelo vai-se desvanecendo, e em seu lugar instala-se um inferno em que tudo é igual, indiferente. Segundo o filósofo coreano Byung-Chul Han, isso ocorre porque nos prestamos uma atenção excessiva, convertidos numa espécie de ‘empreendedores de nós mesmos’ ou porque negamos frontalmente o que nos é alheio, o que nos condena à solidão, à depressão e ao ódio. Sem o acicate da estranheza, apenas há acumulação. A única alternativa possível é recuperar a comunicação com o outro, expor-se ao seu olhar, à sua voz e ao seu pensamento, e recordar que tal significa, necessariamente, a interpelação e a resposta”.
Escrevendo sobre a actualidade, é natural que o filósofo fale amiúde sobre comunicação. Fá-lo, agora, mais uma vez no recente A expulsão do distinto (ainda não publicado entre nós). É aí, no último capítulo, que Byung-Chul Han faz um prognóstico singular: “No futuro haverá, possivelmente, uma profissão que se chamará ouvinte. A troco de um pagamento, o ouvinte escutará o outro prestando atenção ao que ele diz”. Explica o pensador que iremos a um ouvinte porque, exceptuando ele, não haverá quem nos escute. A previsão não é auspiciosa, mas Byung-Chul Han parece julgá-la o normal corolário do que está a suceder: “Hoje perdemos cada vez mais a capacidade de escutar”. O que a dificulta ou impossibilita “é sobretudo a crescente focalização no ego, o progressivo narcisismo da sociedade”.
As páginas do capítulo “Escutar” oferecem uma eloquente caracterização da arte de escutar, um dom que as redes sociais – e o Facebook em particular – destroem. No Facebook “o que se emite é sobretudo informação que não requer discussão e que apenas serve para que o remetente se promova”. Nota Byung-Chul Han que, “na comunidade do ‘gosto’”, o indivíduo apenas se encontra a si mesmo e aos que são como ele.
“A arte de escutar desenvolve-se como uma arte respiratória”, esclarece o ensaísta, observando que o acolhimento hospitaleiro do outro é um inspirar que o alberga e protege. “O ouvinte esvazia-se” e é neste vazio que assenta a sua amabilidade: “Parecia acolher o mais díspar para dele cuidar”. A citação é do escritor Elias Canetti e Byung-Chul Han usa-a para sublinhar que o ouvinte que se coloca à mercê do outro sem reservas cumpre um imperativo da ética da escuta, “ficar à mercê”.
O capítulo termina com uma reivindicação: “Hoje é necessária uma revolução temporal que faça com que comece um tempo totalmente distinto”. Do que se trata é de redescobrir “o tempo do outro”. A crise temporal em que vivemos é, para Byung-Chul Han, consequência da “totalização do tempo do eu”, que se faz acompanhar pela “totalização da produção, que hoje abarca todos os âmbitos vitais e conduz a uma exploração total do homem”. A alternativa ao tempo do eu, que individualiza e isola, é o tempo do outro. É este que “cria uma comunidade”. É por isso que, conclui o autor, este é que é “um tempo bom”.
FONTE: Jornal Diário do Minho, 11 de Fevereiro de 2018, p. 2.
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