Arquidiocese de Braga -
15 setembro 2017
Reflexão
Homilia do Cónego João Aguiar na missa de 7ª dia do jornalista José Carlos Lima
1. Ao cumprir o dever de vos propor uns minutos de reflexão, atrevo-me a convidar-vos a recuar no tempo e a visitar a minha aldeia natal, na serra do Gerês.
Era um tempo em que as máquinas de lavar e outros electrodomésticos ainda não tinham lugar em nossas casas. Por isso, fundamentalmente nas tardes de sábado, as mulheres reuniam-se no grande tanque que ocupava o largo da aldeia, lavando aí as roupas da semana. Nós, as crianças, brincávamos nas proximidades, à espera de um qualquer chamamento para um qualquer recado. Que podia ser, por exemplo, ir à loja comprar mais uma barra de sabão...
Acontecia frequentemente que, no acto da lavagem, algo caía ao tanque: um objecto esquecido num bolso e, até, a aliança de alguma das lavadeiras. Viviam-se, então, momentos de ansiedade. Paravam-se os trabalhos e erguia-se a ordem: deixem serenar a água!...
Logo que a superfície do tanque se tranquilizava, uma dúzia de olhos procurava, no fundo, um reflexo, um sinal. E se o objecto perdido se localizava, um braço descia, cuidadoso, não fosse a limpidez turvar-se e prejudicar a recuperação...
2. Meus amigos, estes dias, algo de muito precioso se desprendeu da casa, da mesa, das mãos e dos olhares de muitos de nós e, sobretudo, dos que mais amavam o Zé Lima.
O nosso íntimo e o nosso olhar agitam-se, toldam-se com um lodo de morte. E eis que, celebrando hoje a Festa da Exaltação da Santa Cruz, a Palavra de Deus vem em nossa ajuda: o despojado da condição divina, na obediência da cruz foi feito Senhor. Na sua morte remiu a nossa morte – tornando possível, para quantos nele acreditam, terem a vida eterna.
Não se perturbe, pois, o nosso coração, para podermos encontrar, no fundo da dor, o brilho suave da vida...
O brilho suave, que o poeta afirma quando escreve.: «a morte é a curva da estrada; morrer é tão só não ser visto».
O brilho suave que Pascal detecta quando diz que «o homem é um vime, mas um vime que pensa». E que, por isso, reverdece, depois de cortado, nas margens de um simples regato.
O brilho suave que o apóstolo proclama quando pergunta: «onde está, oh morte, a tua vitória?»
O brilho suave que a luz da fé aponta à morte e a mostra como porta de acesso a Deus tal como Ele é.
O brilho suave das palavras de Cristo: «fui preparar-vos um lugar!..»
O brilho suave que tantas vezes proclamamos discretamente no Prefácio da Missa de Defuntos: «a vida não acaba; apenas se transforma»
3. É a descoberta deste brilho suave da presença da vida que faz do que podia ser um momento de desespero, um momento de lágrimas justas de justa saudade. E faz com que muitos tenham escrito ao Zé, em dezenas de posts, – como se num aeroporto estivessem – Deus esteja contigo!.. Até um dia destes!..
4. Queridos familiares, não partilhamos com mera solidariedade a vossa dor. Pela amizade, fazemo-la nossa. E, pela fé, vivemos convosco o inverno que purifica e fortalece – pois que no interior das plantas se preparam outras estações.
5. Gostaria de dizer-vos que não estou hoje aqui porque o Zé Lima morreu. A sua morte não teria força para me arrastar… Estou aqui por causa da sua vida!... Sim, trouxe-me aqui a sua amizade e a sua alegri; a sua fome de perguntar e de saber e a sua falta de sono que o tornava um conversador de horas noturnas… Trouxe-me aqui o aluno que se tornou amigo, o estagiário que se fez mestre e o profissional insatisfeito e permanente peregrino da verdade.
6. O peregrino já chegou. Já sabe que a Verdade é uma pessoa, que é também Caminho e Vida. Já sabe que as melhores notícias são as que apresentam o bem a acontecer; que a denúncia perfeita é o anúncio que se propõe à liberdade do outro; que os melhores jornalistas são agentes de sentido; que os dedos apontados são um foco de luz quando mostram a direção, mas ponta de punhal quando escrevem na praça juízos precipitados…
Já sabe quanto o amávamos. Sabe, sobretudo, quanto Deus o ama. E, nesse excesso de comunicação, entrega-se ao êxtase.
Descansa, Zé, no colo do Amor!...
Braga, 14 de Setembro de 2017
P. João Aguiar Campos
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