Arquidiocese de Braga -

19 fevereiro 2017

O mercado das barrigas

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Assim como não se compram e vendem órgãos do corpo humano, também o útero deveria ser preservado da condição mercantil.

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por Eduardo Jorge Madureira

As “barrigas de aluguer” – ou “ventres de aluguer”, como em Espanha se diz – são, como se sabe, um tema controverso. Problemática é, desde logo, a designação. O provedor do leitor do diário espanhol El País, Tomàs Delclós, recebeu, em certa ocasião, cerca de duas dezenas de protestos contra o uso da expressão “ventre de aluguer” por ser considerada ofensiva da mulher gestante e dos filhos. A presidente do Comité de Bioética, a filósofa Victoria Camps, inquirida a propósito dessas queixas, disse não ter encontrado qualquer intenção vexatória na terminologia. Mas para evitar sarilhos, o provedor do leitor considerou preferível o uso do eufemismo rebuscado “ventre subrogado”, apesar de Victoria Camps ter considerado que “ventre subrogado” é menos compreensível do que “ventre de aluguer”. Não acolhendo a sugestão, Beatriz Gimeno, militante política de esquerda espanhola, publicou na quinta-feira no El País um texto de opinião insurgindo-se contra os “ventres de aluguer”: “O único argumento que esgrimem os partidários da regulação dos ventres de aluguer é a liberdade individual. Também falam de um suposto direito a serem pais/mães, mas toda a gente concordará que tal direito não existe se se opõe aos direitos de outras pessoas.

Não existe o direito de usar uma mulher para que alguém satisfaça o que é um desejo, legítimo, compreensível, mas um desejo. Comprar uma gravidez, um órgão, sangue, óvulos, córneas... não é um direito de seja quem for”. Afirma Beatriz Gimeno que converter os desejos em direitos é o que faz o neoliberalismo, “desde que se pague, claro”. De resto, constata ela, não temos conseguido fazer com que se concretizem verdadeiros direitos (à habitação, ao trabalho, à saúde, etc.). Em vez disso, caminhamos muito rapidamente para a consolidação do único direito que o capitalismo reconhece: o direito de consumir. A articulista coloca a questão sob o prisma económico. “Sempre que alguém reivindica o direito a comprar, num mundo de desigualdade brutal como este, o que está a fazer é exigir que alguém lhe venda aquilo que deseja. Sempre que um mercado se abre, o que se faz é obrigar os pobres a entrar nele e a vender o que nunca venderiam se não se vissem na posição de o ter que fazer. E uns e outros nunca se encontrarão em posições similares ou intercambiáveis. Assim, se abrir o mercado de órgãos, os ricos vão comprá-los e os pobres serão forçados a vendê-los”. 

O texto “Mercado de ventres termina chamando a atenção para a circunstância de ser suspeita a facilidade com que muita gente, perfeitamente conhecedora da relação entre o mercado, a desigualdade e a liberdade individual, assume, sem quaisquer problemas, que os corpos das mulheres podem ser objecto de compra e venda. “E fá-lo, aliás, esgrimindo com a liberdade individual”, nota Beatriz Gimeno, feminista e deputada do Podemos (partido congénere do Bloco de Esquerda) na Assembleia de Madrid. As “barrigas de aluguer” têm sido denunciadas de um ponto de vista de esquerda por se considerar que “o corpo humano deve servir de dique ao neoliberalismo”. Assim como não se compram e vendem órgãos do corpo humano, também o útero deveria ser preservado da condição mercantil.

Mesmo que se admita que possa haver quem, excepcionalmente, seja capaz de ceder generosamente o seu ventre, é difícil crer que o corpo feminino não se venha a transformar num mero instrumento para obter algum provento monetário; à socapa, claro, se o benefício não for legalmente admitido.

Fonte: Diário do Minho, 19_02_2017, p. 2


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