Arquidiocese de Braga -
30 julho 2016
Décimo Oitavo Domingo (Ano C)
Carlos Nuno Salgado Vaz
Não são as riquezas que nos tornam ricos diante de Deus, mas sim a partilha fraterna e cheia de amor, misericórdia e ternura.
Depois de nos três últimos domingos termos escutado textos que nos apresentam as características do verdadeiro discípulo de Cristo — 1) Ser como o bom samaritano (Décimo Quinto Domingo); 2) Escutar o Mestre como Maria o fez e colocar nessa escuta a prioridade (Décimo Sexto Domingo); 3) Rezar com perseverança e total confiança em Deus (Décimo Sétimo Domingo) —, hoje, o texto do evangelho remete-nos ainda para a clarividência que o verdadeiro discípulo deve ter na sua relação com os bens materiais.
É para nos levar a pensar na atitude verdadeira a tomar que a primeira leitura é extraída do livro de Qohélet, ou Eclesiastes, conhecido também como o «pregador».
E uma precisão se impõe na interpretação da palavra «vaidade», utilizada no superlativo pela forma: «vaidade das vaidades». Esta palavra tem dois sentidos: a) arrogância-presunção; b) o que é caduco, inútil, sem substância. É neste último sentido que a utiliza o Eclesiastes. E com ela se mostra que a Escritura é fiel reflexo, não apenas de uma visão otimista do homem, mas recolhe também, em toda a sua crueza, a sua condição de permanente pergunta e insatisfação.
Homem novo
A resposta cristã ao problema levantado na primeira leitura: «que aproveita ao homem todo o seu trabalho e a ânsia com que se afadigou debaixo do céu?» está no excerto da Carta aos Colossenses: despojai-vos do homem velho com as suas ações e revesti-vos do homem novo.
«Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto». Acreditar na ressurreição não é deixar de viver esta vida terrena com tudo o que ela tem de gozos e alegrias, penas, tristezas e dores, mas vivê-la com outra dimensão de plenitude e realização, sentido e razões para viver, que só pode dar Deus e que nós cristãos recebemos de Jesus Cristo.
Se vivermos uma vida com miopia ou cegueira de perspetivas, centrada no egoísmo, no gozo imediato, no consumo desenfreado, é muito natural que termine tudo em frustração e vazio.
Nós, cristãos, não somos chamados a fugir do mundo, nem a uma suprema alienação, mas a viver esta vida, baseada nos grandes valores do amor, da solidariedade e fraternidade, da justiça, da liberdade que aprendemos de Jesus, e com elas vamos construindo o Reino de Deus em coordenadas temporais cujo sentido vai muito para além da morte.
Partilha fraterna
O evangelho deste domingo é também sapiencial, embora de outro modo. Jesus, na resposta ao pedido de dirimir a contenda entre dois irmãos por causa da partilha da herança, propõe uma parábola didática e lúcida sobre o sentido da riqueza e a atitude de avareza e ganância.
Na lógica do pedido central do Pai Nosso: «o pão nosso de cada dia nos dai hoje», a proposta cristã não é decidir quem tem razão de ficar com esta ou aquela parte, mas a partilha fraterna dos bens.
Partilhar é algo mais do que dar aquilo de que não necessitamos. É comparticipar/compartilhar o que cada um tem, e fazê-lo em clima de amizade, companheirismo, para, juntos, podermos gozar das coisas em boa harmonia. Isto supõe que há um encontro personalizado e não o desencontro que leva à disputa e à luta legal. É reconhecer o outro realmente como irmão, dando à vida fraterna verdadeira qualidade.
A figura do banquete, onde todas as pessoas têm um lugar e comem da mesma comida, é imagem do Reino de Deus, afirma o mesmo Lucas em 13, 29.
Por si só, a riqueza não dá a felicidade. Quem põe toda a confiança nas riquezas e tudo espera delas, converte-as em ídolos. São elas o seu «deus», colocando as pessoas e os meios em função das riquezas.
Não basta partilhar daquilo que nos sobra; é preciso partilhar do que nos faz falta.
O ter, contrariamente ao que pensava o homem rico, que acumulava bens e mais bens, não assegura o ser. A voz de Deus qualifica tal pensar como estultícia. Quem assim pensa, está enganado, pois não pode contar com o futuro, dado que nem o presente lhe pertence (morrerá nessa mesma noite). Não tendo assegurado o ser, a vida, de pouco lhe valem os bens.
Nós fomos feitos para termos horizontes mais alargados. Os bens imediatos não podem equiparar-se com o Bem absoluto que é Deus.
A ambição é a maior tentação que assedia o ser humano. A avareza e a ambição não são sinais de realização da vida. Pelo contrário, revelam a pobreza interior e a insegurança da pessoa.
A ânsia de possuir bens manifesta o erro em que o homem se instalou, porque todos os bens da terra não podem assegurar a vida, nem determinar o seu autêntico valor.
Não são as riquezas que nos tornam ricos diante de Deus, mas sim a partilha fraterna e cheia de amor, misericórdia e ternura.
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