Arquidiocese de Braga -

15 julho 2016

Seis diáconos, seis vidas, uma certeza

Fotografia Filipa Correia

Flávia Barbosa

Arquidiocese de Braga conta com seis novos diáconos a partir de amanhã, dia 17 de Julho. Ordenações decorrem na Cripta do Sameiro, às 15h30.

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Ao todo são seis jovens, naturais de Guimarães, Póvoa de Varzim e Barcelos. Bem-dispostos e simpáticos, sentam-se connosco à mesa e falam sobre as suas histórias de vida, sobre medos e dúvidas. A tranquilidade e a paz sobressaem numa conversa franca que se desenrola ao longo de uma hora. Fernando Torres, Fernando Machado, José Pedro Oliveira, Paulo Jorge Gomes, Rúben da Cruz e Vítor Emanuel Sá serão ordenados diáconos no Domingo, dia 17 de Julho, pelas 15h30, na Cripta do Sameiro.

 

José Pedro Oliveira: sem oração não haveria “sim”

Dois dias antes da ordenação diaconal, José Pedro Oliveira, natural de Tabuadelo, Guimarães, confessou-se tranquilo, mas um bocadinho ansioso pela data. “Sobretudo sereno, tranquilo, com uma paz de espírito muito grande”, adianta. O percurso até chegar até esta etapa foi relativamente tranquilo. O futuro diácono destaca duas palavras-chave na caminhada que fez até agora: “comunidade” e “relação”.

“Destaco as três comunidades pelas quais passei: a comunidade enquanto família, a comunidade paroquial e a comunidade do Seminário. Foi desde pequeno que, com os meus pais, comecei a participar na eucaristia. Depois envolvi-me um pouco com os ministérios, comecei a ser acólito no meu sexto ano, frequentei a catequese e fui proposto ao pré-Seminário. Ao longo dessa caminhada, fui participando num grupo de jovens da minha paróquia, auxiliado pela Congregação da Divina Providência e Sagrada Família. Com a ajuda de todas estas pessoas procurei conhecer este Jesus que me interpela. Numa das dinâmicas dos grupos de jovens, falou-se das vocações. Muito a partir daí, tornou-se mais clara esta possibilidade da vocação sacerdotal”, admite.

José Pedro revela que embora desde pequeno dissesse que gostava de ser padre, não fazia ideia do compromisso que a opção implicava.

“Não só de tudo aquilo que prometemos no dia da ordenação, mas de tudo aquilo que envolve, naquelas dimensões todas que depois de entrarmos no Seminário somos chamados a corresponder: a dimensão intelectual, humana, espiritual e pastoral”, explica.

O seminarista adianta que os primeiros anos no Seminário Menor foram de total descoberta e agradece a hipótese de o terem ajudado a compreender a “possibilidade de ser padre” sem pressões nenhumas.

 

“O Seminário Menor não forma padres, ajuda os jovens em discernimento vocacional”

José Pedro Oliveira

 

“O Seminário Menor não forma padres, ajuda os jovens em discernimento vocacional, mas sobretudo na liberdade e nesta proximidade com Jesus Cristo. Foram três anos de contínuo crescimento, de relação espiritual com a eucaristia diária, com o acompanhamento do Director Espiritual, com a relação com os colegas e com a equipa formadora.”

O jovem de 25 anos não esconde que foi um percurso trabalhoso, sublinhando o facto de ser difícil passar de uma realidade pequena e concreta para uma comunidade grande.

“Sem dúvida que essas comunidades que referi foram uma âncora através da esperança, do carinho e da ajuda que foram demonstrando ao longo deste caminho. De facto não somos diáconos ou futuros padres de um dia para o outro, é necessário um percurso. Claro que nesta caminhada há altos e baixos, é preciso ponderar muitas coisas, é preciso discernir, estar consciente do nosso compromisso. Daí eu valorizar tanto a questão da comunidade e da relação: foi a partir da relação com as pessoas e com alguns sacerdotes que consegui ter uma decisão bem discernida e feliz”, acrescenta.

Em tempos de dúvidas, José Pedro refugiou-se – e recomenda! – a oração.

“É importante colocar as dúvidas diante do Director Espiritual, de um sacerdote, ou outra pessoa no nosso caminho. Mas, sem dúvida, é necessário apresentá-las àquele Amigo, Aquele que nos interpelou e nos chamou, que é Jesus Cristo. Sem a oração pessoal, sem o confronto com este nosso Amigo, muitas vezes não seria possível dar uma resposta afirmativa como a que estou a dar. A propósito disso, até tenho um lema: Jesus é o caminho, a verdade e a vida”, conclui.

 

Rúben da Cruz: uma ideia, um acreditar, uma resposta

Rúben, de Argivai, Póvoa de Varzim, fala pausadamente. Quem com ele confraterniza, não lhe adivinha dúvidas ou receios à primeira vista. No entanto, admite, sem pudores, algum nervosismo perante a nova etapa.

“Hoje, porque estivemos aqui com o Sr. D. Jorge, sinto-me mais calmo e tranquilo, sem dúvida. O facto de faltar pouco tempo para a celebração deixa-me um pouco ansioso, até porque é um grande passo, uma grande etapa. Mas estou com muita confiança. Nervoso, mas confiante”.

O seminarista apresenta a sua “história” como “normal”.

“Tal como outros adolescentes e crianças frequentei a catequese na minha paróquia e ia à missa todos os Domingos. Numa dessas missas olhei o meu pároco e gostei da forma como ele celebrava, da forma como estava vestido. Foi aquela admiração infantil, mas que me fez surgir uma ideia: por que não ser como aquele homem?”

Poderia ser apenas uma ideia de uma criança de tenra idade, mas foi a partir daí que as coisas se começaram a complicar. Com uma “fama” que pouco se coadunava com a figura de um sacerdote, não lhe passou pela cabeça desabafar a ideia com ninguém, nem com a família mais próxima.

“Quando as aulas do meu 4º ano iniciaram, a minha professora perguntou o que queríamos ser quando fôssemos grandes e eu disse que gostava de ser padre. Bom, aquilo foi uma risota total... Mas no final dessa aula, ela veio ter comigo – foi a única pessoa que não se riu – e disse-me que para eu ir para o Seminário teria que sair de casa, deixar os meus pais... Eu não fazia ideia! Para mim, entrar para o Seminário era como entrar para outro curso qualquer. Com a ajuda dela comecei a ajudar os meus pais a acreditarem um pouco mais em mim e a fazer chegar esta informação até eles”, explica.

 

“Passei de uma ideia a um acreditar, e de um acreditar a uma resposta”

Rúben da Cruz

 

Depois de uma paulatina aproximação com a Igreja – entre acolitar e as variadas conversas com o pároco – Rúben deu entrada no Seminário Menor. Seis anos depois, chegou a altura de nova decisão.

“Chegado ao final desse percurso, senti que a minha vocação tinha deixado de ser uma ideia e passava a ser uma voz. Quis dizer «sim» a essa voz e entrei para o Seminário Maior. Completei o curso e estou neste momento nesta decisão muito importante da minha vida. Portanto, passei de uma ideia a um acreditar, e de um acreditar a uma resposta. No percurso geral, se calhar o o aspecto mais importante foi aquela professora que acreditou naquela ideia, se calhar até mais do que eu próprio”, sorri.

Tal como a maioria dos jovens, teve dúvidas, mas tentou sempre procurar a maior tranquilidade possível para tomar decisões com consciência.

“Uma máxima que nós tínhamos, que nos ensinaram e que se aplica não só na vida a que nos propomos, mas na vida enquanto seres humanos, é nunca tomar uma decisão quando estamos mal. Nunca ninguém devia tomar uma decisão enquanto está em baixo. As boas decisões tomam-se quando a pessoa está tranquila, bem naquilo que está”, afirma.

O futuro diácono explica que para cada problema também deve haver várias soluções: uma só resposta, mesmo que aparente, faz com que não seja possível ver outros horizontes.

 

Fernando Alberto Torres: o concretizar de dois sonhos

Fernando Torres, de 27 anos e oriundo de Guardizela, Guimarães, diz que está alegre e “em paz”. Mas nem sempre foi assim.

“No segundo ano do Seminário Maior repensei a minha vida. Como também tinha outra coisa que gostava muito de fazer, saí do Seminário para me licenciar em Ciências do Desporto. Foi o concretizar de um sonho, mas questionei-me se estaria realmente feliz. Voltei a aproximar-me do Seminário. Ver os padres mais idosos a celebrar missa foi uma das coisas que me fez pensar. Quem iria dar continuidade àquele serviço, àquele modo de ser e de viver? Foi uma pergunta que fiz e cuja resposta se traduziu num «sim» a entrar novamente no Seminário. Aí percebi que seria mais feliz. Três anos depois aqui me encontro, prestes a ser diácono.”, revela.

 

“Ver os padres mais idosos a celebrar missa foi uma das coisas que me fez pensar”

Fernando Alberto Torres

 

Quanto às dúvidas que possam surgir nesta caminhada, o seminarista refere que o importante é partilhar as ideias e desabafar, para que a auto-visão não se transforme numa imposição.

“Quando queremos tomar uma decisão, por norma já temos uma resposta prévia, que depois pode tapar todas as outras visões, todos os outros caminhos. Nesse tempo de mudança é necessário falar, discernir muito bem esse caminho que temos que fazer”, sublinha, apontando como exemplo “aqueles que ficaram pelo caminho”.

 

Paulo Jorge Gomes: o caminho faz-se em conjunto

Com 27 anos, Paulo Jorge Gomes, de Silva, Barcelos, afirma sentir-se tranquilo, numa grande paz no caminho que foi feito até agora, apesar do nervosismo perante aquilo que será a celebração de amanhã.

“Acaba por ser o dia da nossa entrega, da nossa consagração a Deus. O caminho que percorri só o compreendo através das pessoas que o viveram comigo e que continuam a viver ao longo destes anos. A família que tenho sempre foi bastante interpeladora quanto ao meu futuro. A minha mãe dizia-me, desde pequeno, que gostava muito que eu fosse padre! Também a comunidade religiosa que mora na minha paróquia, a Congregação do Espírito Santo, através das suas dinâmicas, foi sempre bastante interpeladora do ponto de vista vocacional”, adianta.

No entanto, a resposta de Paulo Jorge a essas interpelações foi sempre negativa até certa altura.

“O caminho que percorri só o compreendo através das pessoas que o viveram comigo”

Paulo Jorge Gomes

 

 

“Sempre me afastei desse chamamento, dessas pessoas, de alguma maneira. A vida correu normalmente até ao Secundário: depois fui trabalhar por ser necessário. Quando tudo se resolveu, continuei aquilo que gostava imenso e que queria para o meu futuro, o curso de História. Fiz a minha formação na Universidade do Minho durante um ano. Durante esse ano tive mais uma interpelação vocacional, a visita do Seminário Diocesano à minha paróquia, que de alguma forma me interpelou de uma maneira diferente. Fizeram-me uma proposta para o pré-seminário. Coincidiu com o tempo que estive na UM: fiz o pré-Seminário, depois do qual entrei, ainda um pouco indeciso, um pouco a medo, para o primeiro ano de Teologia no Seminário Maior.”

O caminho foi sendo feito, com altos e baixos. Hoje, prestes a ser diácono, o jovem apresenta-se com “uma resposta mais definitiva e com a alegria, ainda que muito tranquila, de entregar a vida” e de continuar o percurso feito até agora.

 

Fernando Manuel Machado: com pouco se diz muito

É o mais velho e, provavelmente, o mais recatado dos seis. Tem 39 anos, chama-se Fernando Manuel Machado e é de Navais, Póvoa de Varzim. Não é de grandes palavras, mas o discurso flui sem hesitações e de forma pacífica.

“A minha vida é uma história longa, 39 anos poderiam dar para falar de muita coisa. O meu caminho concretiza-se no surgimento de uma vida familiar, uma família cristã, praticante, integrada na vida paroquial, na qual depois me insiro posteriormente. Frequentei os movimentos da paróquia, os grupos de jovens, a catequese, a Direcção do Centro Social... enfim, uma vida bastante comprometida na vida da paróquia”, precisa Fernando.

Depois de concluir o Ensino Secundário, o futuro diácono foi trabalhar. A certa altura tornou-se quase incompatível o trabalho com a vida familiar e paroquial. Chegava a altura de fazer uma opção que havia de marcar para sempre a sua vida.

“As soluções encontram-se em contexto de oração e de reflexão”

Fernando Manuel Machado

 

 

“Ou optava por uma coisa que me dava gosto e que já há muito mexia com o meu íntimo, que era a vida sacerdotal, e que me levou a esta decisão, ou pelo trabalho. Não quero desprezar a actividade profissional, mas tinha que fazer uma opção. Punham-se bastantes resistências da minha parte, muitas dúvidas e perguntas às quais tinha que encontrar resposta... Mas encontrei-a, e creio que foi a mais acertada. Depois de a ter encontrado  aquilo que me parecia mais lúcido!  falei com o meu pároco, com a equipa formadora, fiz o percurso do Seminário e cheguei a este ponto, às vésperas do diaconado”, explica, sorrindo timidamente.

Insistimos mais um pouco com Fernando a propósito das resistências que mencionou.

“Toda a vida do ser humano é composta por dúvidas e dificuldades. E não é perante elas que devemos ficar bloqueados. Perante essas situações, em contexto de oração e de reflexão pessoal, não podemos agir de forma precipitada, como se tivéssemos que tomar uma decisão à pressa ao termos aquilo que pretendemos. As soluções encontram-se em contexto de oração, sempre, e de reflexão. Há muito silêncio que muitas vezes é necessário”, conclui.

 

Vítor Emanuel Sá: um contributo maior do que parecia

Com 23 anos, Vítor Emanuel Sá, de Adães, Barcelos, é expansivo e de trato fácil. É um dos primeiros a revelar o estado de espírito perante esta nova etapa.

“Acho que acima de tudo é uma alegria muito grande, uma alegria interior, mais contida, mas sem dúvida imensa. Sinto tranquilidade também, misturada com alguma ansiedade, mais pelo momento e pelo grande passo que vamos dar. Só faz sentido dizer que é o culminar destes anos todos e a gratificação desta celebração é enorme”, afirma.

Para o jovem, houve dois pilares fundamentais na caminhada vocacional: a família e a comunidade paroquial.

“Os meus pais, por exemplo, nunca foram muito comprometidos no apostolado da Igreja, nunca estiveram nos movimentos, mas iam sempre à missa e sempre tiveram a preocupação de me levar com eles. Isso foi trabalhando dentro de mim, foi-me marcando. Ia à catequese com gosto, mas numa lógica um pouco de tradição cristã, que nem sequer era discutível na família. Fui cristãmente formado e educado”.

Vítor, a dada altura, utiliza uma expressão curiosa: “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. A verdade é que ainda há uma semana passou por um momento difícil quando se despediu da sua paróquia enquanto seminarista.

“Eu não compreenderia a minha vocação sem a minha comunidade paroquial”

Vítor Emanuel Sá

 

 

“Foi um bocadinho de «luto». Aprendi muito com aquelas pessoas e depois fui servindo a comunidade, era acólito e era das coisas que mais gostava. Houve uma altura em que troquei de pároco, quis sair e ele não me deixou, disse-me que fazia falta ali, que a comunidade precisava de mim. Foi aí que fui percebendo que no meu pequeno contributo, no pouco que fazia, dava muito àquela gente. Mais tarde frequentei a catequese, fiz o crisma e comecei a pensar: «por que não uma vida mais comprometida, mais entregue?». Fui pensando ao longo do tempo e  um dia mandei um e-mail para o Seminário de Braga. Deixei lá o meu contacto. Fiz aquilo a pensar que ninguém ia ler, ninguém ia ver. No dia seguir ligaram-me de um número que eu não conhecia e era de lá. Eu fiquei para morrer, muito ansioso: «e agora o que é que eu faço?» Não estava preparado, não contei a ninguém, não disse sequer aos meus pais”, ri o jovem ao relembrar os acontecimentos da altura.

Acabou por visitar o Seminário e fazer aquilo a que chama um “caminho de descoberta”, no qual a família e a paróquia sempre foram essenciais.

“Sem a família, sem este apoio contínuo e forte, sem a minha paróquia que sempre rezou por mim, que sempre me alegrou e motivou na fé, acho que este dia seria uma utopia. Acho que graças a todos eles é que cá estou, mas acima de tudo com a ajuda de Deus, que nunca me deixou sozinho e sempre foi traçando os meus caminhos...”, afirma.

A um dia de ser ordenado, Vítor não esconde o agradecimento à paróquia.

“Eu não compreenderia a minha vocação sem a minha comunidade paroquial. Quantas vezes sem eu lhes dizer nada eles me vinham dizer que rezavam todos os dias por mim, que se lembravam todos os dias de mim!... Era completamente gratificante!”.

 

São todos jovens, mas mostram decisões amadurecidas. Amanhã são ordenados diáconos, mas já pensam no futuro: querem ser sacerdotes “próximos”. Ambicionam estar onde estão os outros, conviver, viver uma vida “normal” mas exemplar. "Estar".

Nenhum deles pretende fechar-se na sacristia, embora admitam ser apenas “barro nas mãos do oleiro”, estando por isso disponíveis para tudo aquilo que Deus pedir. Vão ao cinema, vão a concertos, estão nas redes sociais quando podem. Discípulos de Cristo? São-no 24 horas por dia: na linguagem, no ser e no estar. São seis jovens e são ordenados diáconos amanhã. Daqui a um ano são sacerdotes.