Arquidiocese de Braga -

2 julho 2016

Décimo Quarto Domingo (Ano C)

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Carlos Nuno Salgado Vaz

O cristão não tem razões para ser pessimista. Quem pôs a sua confiança no Senhor e na sua Palavra tem o seu nome escrito nos Céus, isto é, passou a fazer parte do reino de Deus.

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Para acolhermos com proveito o evangelho deste domingo – o do envio dos 72 discípulos – devemos saber que estamos na segunda metade do século primeiro, na Ásia Menor.

Apesar das perseguições e dificuldades, os cristãos continuam a empenhar-se no anúncio da Boa Notícia. No entanto, são muitas as questões que se colocam:

Deus revela o seu Evangelho mediante sonhos, visões, aparições, ou é preciso alguém que o proclame?

A mensagem da salvação está destinada a todos ou é reservada apenas a alguns privilegiados?

Que métodos devemos usar para levar as pessoas a aceitá-lo?

Como nos devemos apresentar às pessoas e que devemos dizer-lhes?

Bastarão as palavras ou são necessários os «sinais»?

Que fazer se formos rejeitados?

A nossa obra de evangelização será coroada de sucesso?

A estas perguntas responde Lucas com a narração do envio dos 72 discípulos em missão, em que o número 72 é certamente simbólico, evocando o elenco de 72 países conhecidos do mundo antigo, como refere Génesis 10. Por isso, no dia da Festa das Tendas, eram imolados no templo de Jerusalém setenta touros para suplicar a Deus a conversão de cada uma das nações pagãs.

Salvação universal

Nas comunidades de Lucas, os cristãos de origem pagã precisavam, quer de superar complexos de inferioridade que alguns experimentavam em relação aos filhos de Abraão, quer de acabar com todas as discriminações que esses mesmos introduziam com base na origem étnica, nas tradições culturais, na posição social, no temperamento, no carácter, nos costumes, no estilo de vida de cada pessoa.

Ao falar do envio dos 72 discípulos, o evangelista quer afirmar que a salvação não é um privilégio reservado a alguns, mas é destinada a todos, sem excluir ninguém.

Os mensageiros são enviados aos pares para significar que o Evangelho não é deixado à iniciativa de cada pessoa, mas é obra de uma comunidade. Quem fala em nome de Cristo, não age de forma independente; deve estar em comunhão com os irmãos de fé. Os primeiros missionários: Pedro e João; Paulo e Barnabé não só iam dois a dois, mas iam também «enviados» e sentiam que representavam toda a comunidade.

Acolher Jesus Cristo

A finalidade do envio era preparar as cidades e aldeias para a vinda do Senhor, pois Jesus chega sempre depois dos seus mensageiros, não antes.

A tarefa confiada a cada apóstolo não é a de se apresentar a si mesmo, mas de dispor as mentes e os corações das pessoas para acolherem Cristo na sua vida. Para tal, o discípulo deve preparar-se com a oração, para se transformar em apóstolo dotado de equilíbrio, boa disposição, paz interior, liberto do orgulho e da presunção; capaz de superar oposições sem se vingar nem ameaçar.

Lobos e cordeiros

O serem enviados para o meio de lobos significa que encontrarão oposição e forte agressão. Eles serão como cordeiros no meio dos lobos. Só poderão escapar à agressão dos perseguidores – os lobos – se o Pastor intervier em sua defesa.

Não é de estranhar que os mestres rabinos dissessem que o povo de Israel era um cordeiro circundado de 70 lobos (os povos pagãos) que o queriam devorar. Jesus aplica esta comparação aos seus discípulos: diz que se devem comportar como cordeiros.

É pois necessário que estejam vigilantes para que não surjam nos seus corações os sentimentos dos apelidados de «lobos»:  a raiva, a sofreguidão, o ressentimento, a vontade de prevalecer e de prevaricar, pois que tais sentimentos levam a fazer as ações dos lobos: abuso do poder, agressões, violências, ofensas, mentiras.

E a história mostra-nos bem que, sempre que os cristãos se mostraram mais lobos que cordeiros, falharam rotundamente a sua missão.

A Igreja perde credibilidade quando compete com os poderes económicos e políticos. Quem não tem a coragem de pôr a sua confiança unicamente na força da Palavra de Deus que anuncia e na proteção do Pastor, não será reconhecido como testemunha do Reino, composto apenas por «Cordeiros».

Evangelho é bela notícia

O discípulo não convence com ameaças e exigências morais, ameaças de castigo eterno, rotundas condenações. Não, o Evangelho é uma bela notícia. Ele é enviado a anunciar a Paz: a cada um, a cada casa e à sua família. Anuncia algo que dá conforto, suscita admiração, esperança e alegria.

Naturalmente que, se entre quem escuta houver alguém disposto a abrir o seu próprio coração a Cristo, sobre ele descerá a paz, que é a plenitude vida e de bem.

Jesus diz ainda que as palavras do discípulo devem ir acompanhadas por gestos concretos de caridade: a cura dos doentes, a assistência aos pobres, o acolhimento dos refugiados, diríamos com extrema pertinência nos nossos dias.

Com quem rejeita os discípulos e a sua mensagem, Jesus utiliza a linguagem corrente do povo: «sacudi o pó dos pés», para indicar as consequências que advêm para quem não aceita a sua Palavra: torna-se responsável da própria infelicidade; priva-se da paz. Mas fica sempre a esperança: «Está perto o reino de Deus».

Deus não se zanga, não se vinga, não castiga quem não acolhe a sua Palavra, pois ele é só bondade e misericórdia e ama sempre.

Alegria

Cumprida a sua missão, os setenta e dois regressam cheios de alegria e referem a Jesus os resultados obtidos. E ele responde: «Eu via Satanás a cair do céu como um relâmpago».

Mas quando a Bíblia fala de Satanás não se refere àquele ser depreciativo e disforme que ainda hoje é representado em algumas pinturas. Refere-se às forças do mal: o ódio, a violência, a injustiça, o orgulho, o apego ao dinheiro, as paixões desregradas. Anuncia a vitória imparável do bem, apesar de nos parecer que é o mal que triunfa. Mas não, com a proclamação do Evangelho, o reino do mal começou a desmoronar-se. E só com o anúncio manso e feliz da Palavra poderemos contribuir para que o mal vá sendo vencido.

O cristão não tem razões para ser pessimista. Quem pôs a sua confiança no Senhor e na sua Palavra tem o seu nome escrito nos Céus, isto é, passou a fazer parte do reino de Deus.

É esta a razão da alegria que experimenta e anuncia a todos. Mesmo que, realisticamente, admita que os sucessos são limitados e fatigantes, e que o caminho ainda é longo, alegra-se, porque vislumbra já a meta.

Nota: Segui muito de perto os comentários de Fernando Armellini em «O Banquete da Palavra, Ano C».