Arquidiocese de Braga -
18 junho 2016
Décimo Segundo Domingo (Ano C)
Carlos Nuno Salgado Vaz
Ser cristão não consiste em fazer coisas, ter gestos, praticar o culto, rezar, ater-se a umas normas éticas, mas «ser» cristão, isto é, ter na vida o mesmo sentido de entrega que Cristo ofereceu por nós.
Lucas apresenta-nos Jesus a rezar sozinho, como acontece muitas outras vezes, a ponto de ser também apelidado de evangelista da oração. Normalmente, esse facto quer indicar-nos que tem algo de muito importante a dizer-nos.
Rezar ou orar, como o afirmou Bento XVI, significa etimologicamente «beijar». Em latim, oração diz-se «oratio», tendo na base a palavra que traduzimos como «boca», em português. Daí, por exemplo, linguagem oral, saúde oral, etc.
Avançando um pouco mais, vê-se que adoração, de «oratio», significa contacto boca a boca, abraço e, portanto, no fundo, significa amor, isto é, orientar a nossa vida para Deus, entregar a Deus a nossa vida toda, para que sele Ele a olhar para nós e por nós (D. António Couto). Os discípulos estavam com Ele, pois só se pode ser discípulo se dissermos o que Jesus nos diz e segreda no contacto com Ele.
Quem dizeis que eu sou?
É Jesus quem, depois de perguntar aos discípulos o que é que as pessoas diziam dele, os interroga diretamente: – e vós, quem dizeis que eu sou?
Pedro disse a resposta certa: «Tu és o Messias de Deus», mas o que tinha em mente era um Messias poderoso, triunfante, com lugares para distribuir. Não era o Messias sofredor, entregue por nós na cruz e ressuscitado. Por isso, Cristo proíbe-lhes que digam que Ele é o Messias e vai-os preparando para aceitarem a lógica da cruz: «Se alguém quiser vir comigo, diga não a si mesmo (na bela tradução de D. António Couto), tome a sua cruz todos os dias e siga-me».
Ser cristão
Ser cristão não consiste em fazer coisas, ter gestos, praticar o culto, rezar, ater-se a umas normas éticas, mas «ser» cristão, isto é, ter na vida o mesmo sentido de entrega que Cristo ofereceu por nós. Ser o grão de trigo que morre para se converter em espiga.
Tomar a própria cruz todos os dias não significa suportar com paciência as pequenas ou grandes contrariedades da vida, e também não é uma exaltação da dor como meio para agradar a Deus. O cristão não procura o sofrimento, mas o amor.
Dizer não a si mesmo significa deixar de querer afirmar-se a si mesmo, lutar contra o egoísmo que continuamente nos ameaça, lutar contra aquela doença que a tradição cristã definiu como «philautia», isto é, «amor de si», uma ambição que nos insidia, também contra os outros e sem os outros; uma preocupação exclusiva por si que induz a considerar o próprio eu como verdadeira medida da realidade.
Quem consegue vencer este egoísmo mortífero deixa de estar voltado sobre si e os seus interesses pessoais, e torna-se livre de viver para os outros, gerando pensamentos, palavras e ações que têm como verdadeiro fim a comunhão fraterna.
Carregar a cruz
E então pode também tomar sobre si a própria cruz, todos os dias, como o realça Lucas, sabendo que isso lhe exige uma fatigante perseverança.
Carregar a cruz é tomar sobre si o instrumento da própria execução, renunciando a defender-se e autojustificar-se. É mostrar com a nossa vida quotidiana que nada nem ninguém poderá jamais impedir-nos de vivermos o Evangelho. Mostrar que é possível transformar inclusive a injusta violência que se descarrega sobre nós, numa ocasião para amarmos os nossos inimigos.
Jesus precedeu-nos neste estilo de vida, não para lermos a vida de Jesus a partir da cruz, mas sim a cruz a partir da vida de quem subiu até ela, Jesus, que transformou um instrumento de execução e morte, no lugar da máxima glória (Enzo Bianchi).
De um lugar maldito e sumamente infeliz, Cristo fez um lugar bom (eu-topia).
Então, o crucificado ressuscitado, que preside à nossa assembleia dominical e à nossa vida cristã, deixa de ser uma 'u-topia' (um sem lugar), para se transformar numa 'eu-topia' (lugar feliz) (D. António Couto).
Dizer não a si mesmo
Dizer não a si mesmo é pensar ao contrário do que estamos habituados a fazer, pois pensamos sempre primeiro em nós, em nos salvar a nós mesmos. A lógica de Cristo é outra: «quem perde, ganha».
O dom de si mesmo, e não apenas do supérfluo, transforma a vida para sempre.
Perder a nossa vida por amor de Jesus Cristo é o que pode justificar todas as nossas renúncias, é a verdadeira bem-aventurança possível, já aqui e agora. Mas se não compreendermos isto, não podemos dizer que somos verdadeiros cristãos.
Dizer não a si mesmo significa libertar-se de todas as forças internas que nos aprisionam: a mentira, o orgulho, a vaidade, a ânsia de lucro e de autossuficiência.
Amar é o outro nome da liberdade, da realização humana e da alegria íntima. A personalidade afirma-se na capacidade de se dar aos demais, renunciando a si mesmo.
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