Arquidiocese de Braga -

11 junho 2016

Décimo Primeiro Domingo (Ano C)

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Carlos Nuno Salgado Vaz

O evangelho projeta luz sobre o amor que perdoa. São João Crisóstomo disse-nos a nós cristãos comentando este evangelho: «Queres ser perdoado? Ama. O amor cobre a multidão dos pecados».

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O evangelho do Décimo Primeiro Domingo (Ano C) projeta luz sobre o amor que perdoa. A dificuldade em reconhecer o próprio pecado é tão grande que já afirmava Isac de Siro: «Quem conhece o próprio pecado é maior do que quem ressuscita os mortos». O verdadeiro milagre é reconhecer-se pecador, porque só quando nos reconhecemos realmente pecadores compreendemos que é uma inútil canseira querer esconder dos outros o nosso próprio pecado; bastaria reconhecê-lo para descobrir que Deus nos pede apenas que aceitemos que Ele nos cubra com a sua infinita misericórdia (Enzo Bianchi).

O fariseu Simão é um homem honesto e com uma boa impressão de Jesus. Convida-o para jantar em sua casa, mas os detalhes da narração revelam-nos que ele, afinal, queria ver até onde Jesus era realmente um verdadeiro profeta. Ele considera-se um «justo» farisaicamente falando, alguém que cumpre o que vem estabelecido na Lei, alguém que pensa fazer bastante para merecer a benevolência divina, alguém que não tem pecados públicos que denunciem algo de mal na sua vida.

O Deus que ele imagina é mais um juiz que contabiliza os méritos das pessoas do que um Pai todo misericórdia e perdão que nos precede, nos acompanha e nos ajuda a agir misericordiosamente.

Ele não sente a verdadeira necessidade da graça e perdão de Deus porque se tem em alto apreço. Não é como os pecadores públicos do tipo daquela mulher sem vergonha que invade a sua casa e se põe a mostrar até onde vai a sua desfaçatez: colocar-se por detrás de Jesus, banhar-lhe os pés com as lágrimas choradas, enxugar-lhos com os cabelos, beijar-lhos e ungir-lhos com perfume.

Simão fica desconcertado com o silêncio do Mestre perante as atitudes da pecadora pública. No seu íntimo traça um retrato negativo dele: não pode ser um verdadeiro profeta, porque se o fosse, saberia quem é a que lhe beija e perfuma os pés: uma pecadora!

Esta cena foi tão importante para educação das comunidades cristãs que aparece nos 4 evangelhos. A diferença está em que Mateus, Marcos e João colocam este episódio no final da vida de Jesus, antecipando simbolicamente a sua morte e sepultura, sendo que os que presenciavam a cena censuram que se gaste um perfume tão caro.

Lucas situa-o no início da missão e vida pública de Jesus para que nele se veja uma chave importante para interpretar e tomar consciência do perdão incondicional que Jesus oferece a todos, superando quaisquer barreiras, sejam religiosas ou sociais. O perdão é para todos, é gratuito e é incondicional.

A «graça» do perdão

Eis então que Jesus leva Simão a refletir sobre a incoerência entre o seu pensar à luz da Lei e a proposta que Jesus lhe faz com a parábola dos dois devedores: o que deve 500 denários e o que deve 50. Quem ficaria a amar mais o senhor que perdoa a dívida.

Simão não tem dúvidas: a quem mais foi perdoado será quem mais amará. O original grego diz de uma maneira algo diferente: «como não tinham com que pagar, fez graça (cherízomai) a ambos. Qual dos dois o amará (agapáô) mais. Simão respondeu: «Suponho que aquele a quem fez mais graça. Jesus disse-lhe: respondeste bem».

Para elucidar melhor a diferença de tratamento entre quem convidou e quem se intrometeu no jantar (a pecadora), Jesus faz notar os sinais de frieza e de indiferença com que Simão o recebeu: não lhe deu o beijo de boas-vindas, não lhe mandou lavar os pés, não lhe deu água para lavar as mãos, não lhe perfumou a cabeça, tudo em contraste com os sinais de profundo arrependimento e amor que os gestos da pecadora manifestam: banhou-lhe os pés com as suas lágrimas e enxugou-lhos com os seus cabelos, não cessou de lhe beijar os pés e ungiu-lhe os pés com perfume. Ou seja, esta mulher pecadora arriscou tudo por amor. Foi perdoada e ganhou a Graça de uma vida nova.

Esta mulher pecadora e silenciosa é para todo o sempre, um imenso discurso sobre a Graça, a ação da Graça de Deus, que nos precede e acompanha sempre. Ou como se diz tecnicamente: é graça preveniente, concomitante e consequente.

Misericordiar

Esta cena evangélica é a demonstração do único mandamento de Jesus: «Ama de todo o coração a Deus e amai-vos uns aos outros». São João Crisóstomo disse-nos a nós cristãos comentando este evangelho: «Queres ser perdoado? Ama. O amor cobre a multidão dos pecados».

Quando bem entendido, o perdão é vivido na capacidade de sentir-se amado gratuitamente, sem quaisquer méritos nossos, não obstante as debilidades humanas. Talvez seja esta a mais extraordinária experiência que podemos fazer do amor de Deus.

O sacramento da reconciliação oferece ao crente este dom de graça, renova o encontro entre Jesus e o pecador; é ocasião para lhe oferecermos as nossas lágrimas, o nosso perfume, o nosso arrependimento, na certeza de que seremos ternamente acolhidos.

Este perdão de primeiríssima água dá-nos paz e recria-nos a vida. Por isso dizia recentemente o papa Francisco no jubileu dos sacerdotes criando até duas novas palavras: só deixando-nos «misericordiar» por Deus nos sentiremos «misericordiados» para sermos no mundo agentes de misericórdia e perdão.

Compreenderemos com Santa Teresinha de Jesus que para amar de verdade não temos que fazer atos excecionais e extremamente difíceis de amor. Do que realmente se trata é de viver com amor as situações do dia a dia. «Quando não sinto nada, quando estou incapaz de rezar, esse é o momento de fazer aquelas pequeníssimas coisas que tanto agradam a Jesus, que agradam mais do que qualquer outra grande conquista: por exemplo, um sorriso, uma palavra gentil, quando não tenho mesmo vontade nenhuma de a dizer».