Arquidiocese de Braga -
27 fevereiro 2016
Nova Ágora: visões diferentes, caminho comum
Flávia Barbosa | DACS
Desemprego, precariedade, emigração, trabalho, valorização, evolução e novas oportunidades: o medo e a esperança nos "Olhares sobre o Trabalho".
Os “Olhares sobre o Trabalho” de 26 de Fevereiro marcaram o início da Nova Ágora, ciclo de conferências organizado pela Arquidiocese de Braga e que se prolonga por mais duas noites no Auditório Vita. A moderação do debate inaugural esteve a cargo de Marques Mendes.
D. Jorge Ortiga: Abandonar o protagonismo, abraçar a pluralidade
Depois da actuação do Coro de Pequenos Cantores de Esposende, o Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga, explicou que um dos objectivos da Nova Ágora passa pelo abandono “de esquemas tradicionais de um certo protagonismo episcopal”, abrindo espaço a uma “dinâmica mais plural nos seus intérpretes e no modo de comunicar”.
De acordo com o prelado, os temas actuais e de interesse comum foram as premissas que nortearam esta edição. A variedade de interlocutores – que nem sempre coincidem em opiniões e ideologias – foi outra das pretendidas pedras basilares da plataforma.
A necessidade
de confronto com o diferente, em contraposição com o “pensamento único
e débil” para chegar a soluções foi
uma das grandes marcas do discurso do arcebispo. Apesar do confronto de ideias entre crentes e não-crentes, D. Jorge Ortiga sublinhou que a Igreja não pode deixar que ofendam as suas convicções, mesmo que "através de meros cartazes", numa clara alusão à propaganda elaborada pelo Bloco de Esquerda sobre a adopção por parte de casais homossexuais.
“Não nascemos para trabalhar, mas também nada somos sem trabalho”, apontou D. Jorge Ortiga, confessando que o chocam as desigualdades económicas que catapultam “assimetrias sociais nada condizentes com a dignidade humana”.
Estas foram, aliás, algumas das razões que considerou suficientes para juntar um grande e diverso número de pessoas para, em conjunto, procurarem soluções duradoiras que não passem apenas por meras discussões e acordos políticos com vista a disfarçar a “realidade escandalosa” de muitas situações.
Luís Marques Mendes: revolução tecnológica substitui homem e mulher
Marques Mendes foi o moderador dos “Olhares sobre o Trabalho”. O ex-líder do PSD mostrou-se bem-disposto e interventivo, começando por agradecer ao Coro dos Pequenos Cantores de Esposende, que havia actuado minutos antes. Dirigiu ainda palavras de apreço ao Arcebispo e à Arquidiocese de Braga, que apelidou de “moderna, participativa, reflexiva”, capaz de proporcionar oportunidades como a Nova Ágora, manifestando o desejo de outras dioceses seguirem “os mesmos passos”.
Sobre o trabalho, Marques Mendes realçou a sua pertinência em termos de passado, presente e futuro. “Não podemos esquecer o contributo da Igreja para o debate e reflexão no passado. Recordo a magnífica encíclica Rerum Novarum, que ainda hoje é um texto actual e profundo, com uma visão estratégica absolutamente invulgar. Todos sabemos que no presente há uma séria preocupação com o desemprego, muitas vezes tratado em perspectiva de combate político ou dado estatístico. Mas, mais do que isso, é sobretudo um drama pessoal e humano, que contribui para minar famílias e a própria sociedade”, afirmou.
Neste sentido, o ex-líder do PSD considerou essencial uma “visão personalista para combater o flagelo do desemprego”. Manifestou ainda preocupação pelos efeitos nocivos da revolução tecnológica e digital que o mundo atravessa e que, em vez de criar emprego, substitui muitas vezes o homem ou a mulher, um “tema sério do ponto de vista da sociedade ou do estado”. Engenho e arte foram os dois requisitos apontados como essenciais para chegar a “uma sociedade com emprego e harmonia”.
Gonçalo Lobo Xavier: Dignidade e valorização no trabalho para todos
Gonçalo Lobo Xavier conquistou o auditório nos primeiros segundos da sua intervenção, quando não resistiu a uma brincadeira relativa à estatura de Marques Mendes, o que arrancou fartas gargalhadas da plateia e dos conferencistas.
Depois de uma breve apresentação sobre o Conselho Económico e Social Europeu (CESE), lamentou que Portugal, e até a União Europeia, não estejam a conseguir acompanhar com a mesma energia e rapidez as mudanças no mundo.
“O mundo está mudar, assistimos à mudança das coisas, à necessidade de novas aprendizagens e informações. Hoje em dia não sabemos muito bem o que é um emprego, todos os dias há uma revolução tecnológica, todos os dias temos abordagens diferentes no nosso trabalho, pedem-nos cada vez mais e novos desafios. Tudo está a trazer uma mudança e uma alteração na forma como trabalhamos”, sublinhou.
Gonçalo Lobo Xavier adiantou ainda que nos próximos dez anos, 50% dos empregos que existem serão destruídos por mudanças impossíveis de travar. “Não é nada de extraordinário nem nada que não soubessem. Tem a ver com um caminho que o mundo está a escolher, um mundo de conhecimento. Vão desaparecer empregos mas estão a surgir outros, que talvez sejam suficientes para colmatar os tais 50%. Temos que nos adaptar e defender os trabalhadores.”
A assistência ficou surpreendida pelo ênfase dado pelo vice-presidente do CESE ao papel da mulher no mundo do trabalho. “As mulheres estão no poder e bem. As mulheres vão tomar as rédeas de muitas operações, muitos negócios, o que também traz consequências no trabalho e na forma como trabalhamos. A minha chefe é mulher e eu gosto muito dela e que ela seja mulher”, admitiu.
Lobo Xavier terminou a alocução afirmando que é necessária uma tomada de decisões a longo prazo. “Se assim não for, não vamos conseguir aquilo que todos queremos, independentemente de nos posicionarmos mais à esquerda ou à direita: dignidade no trabalho para toda a gente e valorização do trabalho em qualquer profissão”.
Carvalho da Silva: tempo e saúde são elementos estruturantes da vida
Carvalho da Silva também começou “por dizer publicamente aquilo que já tem dito em privado”, que na Arquidiocese de Braga se tem realizado trabalho muito importante e progressista no que diz respeito aos problemas da sociedade. De seguida, apontou o exemplo do combate ao trabalho infantil, que no passado impulsionou até a indústria do calçado, e onde o papel da Arquidiocese foi “decisivo”.
Com uma apresentação intitulada “Trabalho digno, produzir útil e necessário”, o ex-sindicalista afirmou que o capitalismo produz efeitos fundamentais como o acentuar de desigualdades e a expansão de relações mercantis a todas as dimensões da vida, o que dissolve laços sociais, destrói pessoas e valor. “A família não se pode estruturar, as relações entre gerações não se podem estruturar debaixo dessa lógica da mercadorização de tudo. Precisamos de ciências sociais, de letras e outras áreas que não cabem nessas lógicas. Esta mercadorização mata aspectos fundamentais do trabalho”, indicou.
Carvalho da Silva justificou o raciocínio com a primeira alínea da Declaração de Filadélfia, de 1944, que afirma que o trabalho não é uma mercadoria. “Precisamos de ter em conta que o trabalho em todos os seus espaços e tempos surge sempre carregado de dimensões normativas. Não é possível discutir o trabalho só debaixo de paradigmas de economia. São indispensáveis, ainda que reformulados, o direito do trabalho, o sindicalismo e a negociação colectiva”, continuou.
Sobre um dos temas que dominou a noite, a revolução tecnológica ou automação, o ex-sindicalista lamentou que por várias vezes, apenas sejam contemplados os seus aspectos negativos. A utilização racional e ponderada de recursos e dinheiro foi outra das preocupações demonstradas.
“Se a sociedade fizesse uma boa utilização de capital, este podia gerar milhões e milhões de postos de trabalho. O dinheiro está a ser vergonhosamente acumulado na ganância desmedida de alguns. Há dimensões de ganância que são, além de uma brutalidade, de uma irracionalidade incrível”, sublinhou.
Carvalho da Silva insistiu ainda na necessidade de reformular conceitos e encontrar mecanismos de forma a canalizar o dinheiro para as empresas e pessoas. “O nosso futuro próximo esta muito articulado com o da União Europeia, para o bem e para o mal. Como é que vamos caminhar para aí? Não é fácil aos governos actuar a certos níveis, mas noutros sim. Precisamos de políticas que estanquem a emigração e o saldo demográfico. Precisamos da juventude, não podemos assistir pacificamente a esta sangria que temos visto. Nem podemos tolerar o roubo e o desvio daquilo que pertence a alguns, ao chamado roubo legal. Precisamos de recentrar e valorizar o estado social democrático”, alertou.
O papel do trabalhador, bem como os horários e funções que desempenha, tomaram conta do resto da sua intervenção. Carvalho da Silva defendeu a necessidade de um sistema de trabalho digno e emancipador, capaz de equilibrar o individual e colectivo.
“Não podemos dizer que só o trabalhador é que tem que ter flexibilidade para responder
a isto e aquilo. Há vários campos importantes para optimizar sinergias entre pessoas e empresas: os horários na ordem do dia, possuo a utopia de um horário de seis horas, diárias. É uma utopia, mas algum dia vamos ter que reduzir o horário actual. As empreas estão organizadas para isso? Não. Mas a alteração vai trazer boas mudanças de organização”.
O ex-sindicalista justificou-se afirmando que o tempo é das pessoas e que a vida tem dois elementos estruturantes: saúde e tempo. Precisamos de valorização e responsabilização, de salários mínimos dignos, acompanhados de políticas salariais.
Carvalho da Silva concluiu o discurso reiterando que é preciso combater as desigualdades e que aaquilo que é considerado “política de emergência” não pode ser passado a “normalidade”.
“Precisamos de combater a pobreza, um problema não só de excluídos, mas de incluídos e trabalhadores. Não podemos ser tão condescendentes como temos sido em relação ao desemprego e à pobreza. Não há trabalho digno sem o primado da democracia e da política”, concluiu.
Caldeira Cabral: criação de valor não passa por baixar salários
Caldeira Cabral, provavelmente a intervenção mais aguardada da noite, acabou por dizer que em Braga se sente em casa, apresentando de seguida três visões sobre o trabalho: normativa, económica e tecnológica.
O Ministro da Economia esclareceu a necessidade de existirem regulamentos e normas, justificando que uma sociedade sem normas ou com regras muito liberalizadas apenas faria com que “os ricos” tivessem mais dinheiro.
Sobre a questão económica, Caldeira Cabral insistiu na ideia da flexibilidade originada pelas inovações tecnológicas (que não passa apenas por mudanças de emprego, mas sim de adaptação constante e diária) e esclareceu aquilo que, na sua opinião, consiste em “criação de valor”.
“O imaterial não se faz com trabalhadores precários, aqueles que cumprem horários ou aqueles que hoje «estão» e amanhã não. Como se cria valor sem valorizar os trabalhadores? Que trabalhador veste a camisola se num dia veste uma camisola, noutro outra, que se não produzir vai para a rua? O mercado de um país sofisticado tem que encontrar um bom casamento entre necessidades da empresa e capacidades dos trabalhadores. É este casamento que cria valor: os trabalhadores dão a sua criatividade, inspiração e motivação, mas trazem muito mais da empresa do que um salário: a realização profissional, a realização das suas capacidades em termos de criatividade, a sua valorização”, explicou.
O ministro defendeu ainda que a criação de valor não passa por baixar salários para reduzir custos, dando o exemplo de jovens no início do mundo laboral e de trabalhadores que, depois de dez anos de experiência, continuam em “regime de estágios”, auferindo tanto quanto um jovem acabado de ingressar no meio laboral. “Esta realidade afecta muitos trabalhadores. No que se refere aos qualificados, trata-se de uma total destruição do capital humano".
O Ministro da Economia falou ainda das novas formas de trabalho que, se por um lado acabam por se traduzir numa espécie de concorrência desleal, também levam a mais realização pessoal, a múltiplos aspectos da vida mais completos, a uma maior criatividade e espírito de iniciativa causado pelo trabalho em rede, desafiador de vários aspectos da sociedade.
Tempo de debate
Depois das intervenções houve ainda tempo para um espaço de debate com algumas questões colocadas pelo público.
Carvalho da Silva respondeu a uma pergunta sobre a necessidade de investimento na formação e na realidade da aniquilação de uma “profissão para a vida” dizendo que, efectivamente, as profissões estão a mudar, mas as áreas estão sempre presentes.
“Há uma tendência natural de busca de respostas para o momento. Mas a escola não pode preparar apenas para o agora. Este governo deve apostar num avanço qualitativo entre empresas e sistemas de ensino, mas a universidade não pode responder apenas aos apelos imediatos das empresas. Os jovens, em particular, têm de ter noção da importância do saber, perceber que pensar dá muito trabalho. A escola precisa de os ajudar na preparação para interpretarem a sociedade, o que dá um grande contributo para o êxito de qualquer profissão. Se houver uma percepção maior da sociedade, também haverá um maior contributo para a cidadania”, explicou, realçando a necessidade de apostar na formação.
Ao Ministro da Economia foi pedido que deixasse uma palavra aos jovens licenciados no desemprego ou com um trabalho precário desligado da profissão.
“Esse desemprego é um drama que está também ligado à emigração, que afecta não só os jovens como as suas famílias e o país. Não há uma solução fácil para este problema. Muitas empresas ainda não conseguem perceber que têm boas oportunidade para agarrar pessoas. Se têm a possibilidade, como acontece nos estágios, de obter recursos valiosos por preços muito baixos, devem aproveitá-la e criar uma relação com a pessoa, «agarrá-la». O problema é que, muitas vezes, isso não acontece”, lamentou.
Sobre os desempregados de longa duração, Caldeira Cabral ainda sugeriu algumas alternativas como investir em formação ou voltar à universidade, mas admitiu tratar-se de uma situação complicada, devendo haver oportunidades “especiais” para essas pessoas.
Marques Mendes, no sentido daquilo que havia sido proferido pelo ex-sindicalista durante a sua intervenção, confrontou Carvalho da Silva com a discrepância entre as 35 horas semanais atribuídas à função pública e as habituais 40 horas.
“A redução de horários, em termos gerais, vai colocar-se na ordem do dia. A discussão que se projecta fazer até 2019 está a colocar esse tema como fundamental. Mas há sempre alguns que vão à frente. Sou defensor de que não existam diferenças, mas que não se utilize esta onda que tem dominado a sociedade, característica de um tempo de retrocesso: criar na sociedade a dinâmica de que há sempre a possibilidade de pegar num caso desviante para baixar as necessidades dos outros. É uma espécie de «se ele tem e eu não tenho, vamos tirar-lhe a ele para para ficarmos iguais». Temos assistido muito a isso. Não façamos nivelamentos por baixo!", pediu.
Carvalho da Silva respondeu ainda a uma questão sobre mecanismos de mobilização para estancar a emigração, altura em que voltou a valorizar os trabalhadores e demonstrou não ser possível a comparação entre o país ou a sociedade e uma empresa.
“O país e a sociedade não são uma empresa. O que uma empresa tem que fazer bem é escolher recursos humanos. O país não faz isso, tem que usar o contributo de todos, mais ou menos capazes. A sociedade faz-se com todos, há que dar oportunidade aos melhores mas também é necessário olhar para os que não estão a conseguir e apoiá-los, ajudar a dar a volta. Os apoios sociais não são caridade, mas antes direito”, concluiu.
O futuro da construção civil, com as consequentes oportunidades a nível de reabilitação urbana e eficiência energética, e o papel do turismo em Portugal encerraram a noite.
A 04 de Março é a vez de os "Olhares sobre a Educação" preencherem o Auditório. As inscrições já se encontram esgotadas.
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