Arquidiocese de Braga -
21 janeiro 2016
Um novo modelo de Unidade
Artigo do Pe. Pablo Lima, Viana de Castelo.
Se olharmos objectivamente para o tecido da Igreja (no sentido amplo e não confessional), o caminho da unidade percorrido nos últimos cem anos (considerando 1908 como o primeiro ano em que se realiza um verdadeiro oitavário de oração pela unidade dos cristãos) é admirável e encorajador. O chamado “cisma cristológico” iniciado após o concílio de Calcedónia em 451 d.C. foi sarado pelas declarações conjuntas da maior parte das Igrejas históricas (Católica, Copta, Siríaca, várias Igrejas protestantes e reformadas, etc.). A mútua excomunhão de 1054 d.C. entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa foi cancelada em 1965 por Paulo VI e Atenágoras. O conflito doutrinal sobre a doutrina da justificação suscitado em 1507 entre a Igreja Católica e Lutero (e as Igrejas de tradição luterana) foi superado em 1998. Temos de reconhecer que foi feito muito mais nos últimos 50 anos (desde a conclusão do concílio Vaticano II) do que nos anteriores 1500 anos.
Hoje os conflitos internos das diversas igrejas são os que mais obstaculizam o caminho da unidade. O anunciado Sínodo (ou Concílio) Pan-Ortodoxo de 2016 é tratado com pinças pelos hierarcas das diversas igrejas porque o primado não é apenas um problema nas relações com a Igreja Católica mas também dentro da mesma Ortodoxia. A declaração unilateral da auto-cefalias das Igrejas nacionais e a criação de dioceses em territórios “alheios” mantêm alta a tensão entre os patriarcas. No mundo protestante, reformado e anglicano, são as questões de moral sexual que mais criam problemas. Na semana passada, a Igreja Episcopal (USA) foi suspensa da Comunhão Anglicana pela ordenação de bispos casados com pessoas do mesmo sexo. Na França, em Maio do ano passado, um número relevante de igrejas protestantes retiraram-se da confederação “Église Protestante Unie de France” por causa da bênção matrimonial conferida a casais homossexuais. Dentro da Igreja Católica, a resistência ao programa de “reforma” instaurado pelo Papa Francisco e as diferenças de sensibilidade entre “tradicionalistas” e “modernos” não é menos preocupante.
Em Portugal, devido a uma presença numérica discreta (ainda que em crescimento nas últimas décadas) das igrejas protestantes e ortodoxas, o caminho ecuménico e as relações entre as igrejas são serenas. Há várias décadas que se celebra o Oitavário da Unidade e, há já 17 anos, celebra-se o Fórum Ecuménico Jovem que é, certamente, o evento ecuménico mais relevante no país, por iniciativa dos jovens e animadores das diversas Igrejas. Recorde-se ainda que, há dois anos (25 de Janeiro de 2014), foi firmado o mútuo reconhecimento do baptismo entre as Igrejas Católica, Lusitana, Presbiteriana e Metodista. Talvez, atendendo à teologia católica do sacramento do matrimónio, Portugal poderia arriscar agora, em modo inédito e exemplar, a um reconhecimento mútuo do matrimónio? É apenas uma provocação teológica, eclesiológica e pastoral...
Com certeza, ainda há muito por fazer, mesmo no campo prático e acessível a todos. Neste ano jubilar da misericórdia, a um ano de distância dos quinto centenário da Reforma, um uso pastoral inteligente do tema das “indulgências” não pode esquecer que foi essa questão prática a provocar o cisma de Ocidente… Uma nova sensibilidade teológica deveria evitar que, num jornal católico, se chame “calvinista” a um teólogo da Reforma, porque o termo é paralelo ao título “papista” aplicado aos católicos, ou ainda, anunciar uma celebração ecuménica com o título de “encontro inter-religioso”. E seria também oportuno que, sendo a comunhão sob as duas espécies aquela que é referida nos textos evangélicos e a forma privilegiada pela reforma litúrgica, se pudesse tornar normal que, em cada eucaristia, ao menos alguns fiéis junto com o presbítero, pudessem comungar sob as duas espécies, até conseguirmos o mesmo para a totalidade da assembleia celebrante.
O Papa Francisco propôs como metáfora da unidade a figura do “poliedro” e não mais o puzzle (EG 236 e Visita à comunidade pentecostal de Caserta, Itália, em 28 de Julho de 2014). Não se trata de estar lado a lado, mas de saber que somos faces diversas de um único Corpo de Cristo. O Papa insiste ainda no facto de que o “ecumenismo do sangue” tem muito a ensinar-nos: quando os cristãos no Médio Oriente são assassinados por causa da sua fé, não lhes perguntam: “a que igreja pertences?”. São mortos por causa de um único nome: “cristãos”. E já hoje o sangue de católicos, ortodoxos e protestantes se mistura na hora da morte. O comum baptismo “branco” da água lustral que ainda hoje é impossível torna-se realidade no baptismo “vermelho” de tantos nossos irmãos.
Na verdade, enquanto o diálogo teológico avança, os cristãos deveríamos ser conscientes do facto de que, na verdade, já estamos unidos, mas ainda não vivemos como tal. Algumas comunidades monásticas como Taizé, Grandchamp, Bose, Bjarka-Savy, etc fazem já experiência da unidade concreta dos cristãos à volta de um único Altar. Chegue depressa o dia em que outras realidades como estas possam nascer no seio das igrejas locais.
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