Arquidiocese de Braga -

13 janeiro 2016

Passado e memória: entrevista com o cónego José Paulo Abreu

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DACS

"O nosso património espelha cultura, espelha fé, espelha uma época".

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O Departamento Arquidiocesano da Comunicação Social falou com o cónego José Paulo Abreu, Presidente do Instituto de História e Arte Cristãs, para tentar perceber a importância da preservação do património e o papel da memória na vivência da fé cristã.

Em que consiste o Instituto de História e Arte Cristãs (IHAC)?

O IHAC é, na Diocese de Braga, o instituto que agrupa tudo quanto na Diocese se desenvolve em termos de cultura e em termos de património. Costumo comparar o IHAC a um guarda-chuva que tem muitas varetas. Uma das varetas deste guarda-chuva deste património e cultura bracarenses tem a ver com o Museu Pio XII. É um museu arquidiocesano, que nasceu no tempo do Cónego Luciano Afonso dos Santos, foi inaugurado em 1957 e reúne o património valioso, quer em termos arqueológicos, quer em termos de arte religiosa, que a diocese possui. 

Uma segunda vareta é o Arquivo Diocesano. Este arquivo, como o nome o diz, reúne os documentos principais... Tem trabalhado e tem cuidado dos documentos que são do fundo da diocese e prevê-se que no futuro venha a poder albergar também documentos resultantes dos cartórios paroquiais, sobretudo das paróquias que têm dificuldade em cuidar bem dos documentos. 

Um terceiro departamento é o Gabinete de Restauro, que nasceu há uma década atrás e tem como finalidade ajudar a diocese no restauro do património que precisa de ser intervencionado. Ou porque as paróquias e confrarias – enfim, os detentores do património – o solicitam, ou porque a própria diocese sente que tem que deitar a mão a algum do seu património que, por um qualquer factor de degradação, precisa de ser intervencionado. O Gabinete de Restauro existe para responder exactamente a este tipo de situações, de património que precisa de intervenção para que possa projectar-se para o futuro sendo agora refortalecido no presente. 

Uma outra vareta é o Centro Cultural Sénior. É uma dependência que nós temos e que pretende evitar que as pessoas envelheçam depressa demais ou vivam muito mas sem qualidade de vida. Queremos manter as pessoas despertas, activas, e portanto criámos esse Centro, que funciona nos Serviços Centrais, na Rua de S. Domingos. 

A Diocese tem também a chamada Comissão para os Bens Patrimoniais, que tem duas dependências. Uma tem muito a ver com registo de bens, até porque muitos dos bens da Igreja não estavam devidamente registados até há uns anos atrás e ainda há um caso ou outro em que ainda falta fazer esse registo. Registar a igreja, registar o adro, o cruzeiro, a residência paroquial... e esta Comissão também ajuda na hora de ter que ser feita uma gestão extraordinária do património. Vamos imaginar que há uma alienação a fazer: a Comissão intervém. Há um outra secção, a de obras. Sempre que é preciso fazer uma ampliação, uma intervenção no edificado da igreja ou uma construção nova, a Comissão acompanha estas novas obras ou a intervenção sobre um edificado já existente. Portanto, o IHAC é um bocado isto tudo, cobre estas obras todas. Tudo o que tenha a ver com a arte, a cultura e o património é abarcado pelo IHAC. 

Uma última actividade deste IHAC prende-se com o Gabinete de Actividades Culturais. Para que serve? Queremos relevar uma figura, como acontece este ano com o centenário do nascimento do Cónego Manuel Faria e do Padre Benjamim Salgado, dois grandes músicos... O Gabinete vai, naturalmente, organizar uma série de iniciativas que permitam relembrar estas duas grandes figuras. O ano passado relembrámos o Cónego Avelino Jesus da Costa, há uns anos atrás recordámos os 500 anos do Hospital de S. Marcos... Em cada ano há as suas efemérides, há datas redondas que recordam instituições ou personagens, e o Gabinete encarrega-se de relembrá-los. 

 

Como podemos defender o nosso património da melhor forma?

 

Quais são os danos mais frequentes nas peças que necessitam de intervenção?

Os maiores danos que encontramos têm a ver com a formiga branca. Sobretudo o património da talha, quer retabular, quer imaginária, muito degradado pela formiga branca. Há muito fumo de velas, algum património danificado por luzes excessivas que incidem sobre as peças e destroem a policromia e muita degradação que resulta do mau uso das jarras e das flores. E outra degradação que resulta da excessiva utilização dos pioneses para prender as toalhas, que massacram completamente a madeira toda. Para que a toalha fique direitinha mandamos trezentas injecções em cada altar e depois lá fica uma panóplia de “buracórios” pelo altar todo... No geral, nas igrejas estes são os principais fenómenos.  

 

Qual é o objectivo fundamental de um restauro? 

 

As pessoas compreendem sempre o trabalho realizado ou há quem prefira modificações mais recentes?

Nós não somos só presente, somos história. E é bom que exista o que é do antigo, é bom que exista o que é de um passado recente, é bom que exista o que é do presente e é bom que estejamos abertos às realizações futuras. Se tudo fosse presente, isto seria uma tremenda monotonia e empobrecimento. Temos que respeitar os vários séculos e, ao mesmo tempo, tentar ter inteligência de forma a sermos inovadores para o futuro. Só assim temos uma noção do que é este nosso peregrinar, este nosso percurso pela história. Temos que respeitar esta memória do passado, não podemos fazer tábua rasa daquilo que está para trás por agora ser tudo do século XXI e à nossa medida... Não! Nós não somos os únicos planetas, nem vamos ser os únicos a existir por aqui e não somos o critério último para o que quer que seja. Temos que respeitar cada época, com as suas manifestações artísticas. O nosso património espelha cultura, espelha fé, espelha uma época. Se adulterarmos isto, estamos a apagar completamente uma civilização, uma parte da nossa história e uma manifestação riquíssima daquilo que foi a fé dos nossos antepassados. Não temos o direito de fazer isso, de apagar a memória passada como se só nós existíssemos e como se tudo tivesse começado a existir agora que viemos ao mundo. O mundo esteve muito antes de nós e seguramente há-de seguir muito depois de nós. Temos que respeitar esta memória histórica; o restauro é este respeito pela memória, sendo que no nosso caso esta memória também é testemunho de fé, testemunha de um povo crente, de uma época, de uma civilização e de cultura que apraz conservar.