Arquidiocese de Braga -

20 julho 2014

CRIADOS PARA A ALEGRIA!

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Homilia nas ordenações presbiterais na Cripta do Sameiro.

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Criados para a Alegria! Sacerdotes ao estilo de Deus!

Homilia nas ordenações presbiterais

1. Experiência Humana

Na Páscoa de 1990, Sophia de Mello Breyner escreveu: "A casa de Deus está assente no chão. Os seus alicerces mergulham na terra. A casa de Deus está na terra onde os homens estão. Sujeita como os homens à lei da gravidade. Porém, como a alma dos homens, trespassada pelo mistério e a palavra da leveza. (...) Porque Deus nos criou para a alegria."

2. Liturgia da Palavra 

Depois de escutarmos a liturgia da Palavra, podemos detectar um defeito pastoral muito grande da nossa parte, enquanto construtores da casa de Deus entre os homens. Talvez fruto da forte industrialização desta zona minhota, muitas vezes a nossa mentalidade formata-se numa pedagogia industrial, assente num binómio sequencial de "produção - facturação". Porém, o evangelho, mediante três breves parábolas, atira-nos para uma outra pedagogia: a pedagogia agrícola, assente na sequência temporal de semear, regar, podar, deixar crescer e só depois colher os frutos.

Na verdade, são duas maneiras totalmente diferentes de encarar a pastoral, como vida da Igreja. Por um lado, uma pastoral que chamaria industrial do "fazer coisas", fundada num tempo cronológico, na expectativa de colher rapidamente frutos logo após a fabricação. E por outro lado, uma pastoral mais de tipo agrícola do "contemplar as coisas", fundada num tempo kairológico, na expectativa de colher os frutos apenas na altura devida, introduzindo-nos numa "sabedoria de olhar o tempo", sintetizada na primeira leitura. E sem esta espera kairológica, de respeito pelos ritmos da realidade, o grão de mostarda nunca conseguiria desenvolver-se e tornar-se numa árvore grande.

3. Quinquénio Pastoral

Foi com base nesta bela imagem da árvore, que o Conselho Pastoral Arquidiocesano a escolheu como símbolo para o novo ano pastoral. A árvore é, assim, uma metáfora transversal que nos reporta: à árvore da Vida, descrita no livro do Génesis e do Apocalipse; à árvore genealógica, pois somos descendentes da missão apostólica que prosseguimos nas nossas debilidades, e à árvore da paz, que o Papa Francisco plantou juntamente com os chefes de estado de Israel e da Palestina, enquanto objectivo último da missão eclesial de gerar a concórdia entre os Homens.

Além disso, a ramificação da árvore indica-nos que a mensagem cristã não se reduz a um grupo específico igualitário nem a um contexto exclusivo e fechado, mas que se expande por todos os ambientes da trama humana. E porquê? "Porque o Homem é o caminho da Igreja", como definiu o Papa João Paulo II no n. 14 da Redemptor Hominis. E onde está o homem aí deve estar a Igreja.

A fé tem origem na raiz criada pelo amor de Deus, sustento no tronco do mistério da cruz de Cristo e expressão nas ramificações dos variados ambientes humanos que devem ser habitados pelo Espírito Santo. Neste ano pastoral de entre a pluralidade de ambientes, a título exemplo, escolhemos seis que sintetizam a Gaudium et Spes que iremos estudar: a educação, a família, a economia, a política, a acção social e a juventude.

De facto, o ambiente da educação não necessitará da catolicidade dos mestres? A política, nomeadamente a nível autárquico, não necessitará do contributo de opções ousadas ao estilo de Cristo? O campo da economia não estará à espera de pensamentos marcados por um humanismo integral? A família não precisará de ser defendida e promovida, enquanto célula da sociedade? A juventude não precisará de sentir a alegria do Reino de Deus, perante o medo social que enfrenta? E a acção social não precisará de exceder o seu carácter privado ou institucionalizado e avançarmos para uma rede diocesana marcada pela lógica da caridade?

Fundamental é, também, que nunca esqueçamos que esta árvore da fé vivida, síntese de todo o nosso programa pastoral, só conseguirá crescer e produzir bons frutos, se o chão da fé professada e da fé celebrada continuar a ser firme e fértil.

4. A Fé na vida do Presbítero

Nesta convicção de que “a casa de Deus está onde os homens estão”, hoje é um dia de grande júbilo para a Arquidiocese pois o nosso presbitério fica agora ainda mais enriquecido com estes quatro novos sacerdotes: o Adão, o José Pedro, o Nuno e o Rui.

Ao celebrarmos, também, a graça do ano jubilar dos 500 anos do nascimento do Beato Bartolomeu dos Mártires, consciente da importância de termos bons pastores que guiem com destreza e humildade o rebanho do Povo de Deus, sirvo-me do “Estímulo dos Pastores” para afirmar: “o nosso coração deve procurar imitar o dos pastores da terra, os quais passam muitas vezes em claro as noites de Inverno, ao frio e à chuva, só para que uma ovelha, talvez pouco útil, não se perca”. Isto se pede aos sacerdotes.

Se a fé nos conduz a uma incidência sobre os diversos ambientes, para os sacerdotes tudo se passa sobre o modo como o ministério é exercido. O sacerdote vive e age in persona Christi, e só a fidelidade a esta verdadeira identidade o torna feliz.

É maravilhosa a nossa vocação só que implica atitudes muito concretas através dum estilo de vida exigente e coerente e, por isso, sempre em atitude de permanente conversão.

Quando nos acomodamos e trabalhamos dum modo meramente profissional, não somos verdadeiramente sacerdotes. Não somos um ofício a desempenhar. Somos um sinal duma vida mergulhada na terra mas tocada e tomada pelo divino que trespassa nossas vidas como exigência da vivência da fé. Em nós não podem existir dualismos: a fé por um lado e a vida por outro. Ser verdadeiramente cristão antes de ser presbítero é um desafio para todos. Sejamos coerentes e mostremos a alegria de ser fiéis.

5. Ano social: Deus que dá vida humana a todos

  Levar a fé para a vida manifesta a intenção de concretizarmos um Ano Social. Quando o Papa Francisco nos pede uma evangelização sem adjectivos, está a sublinhar que vivemos para o anúncio com os factos através dum estilo que chamaria de Deus. "Conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza." Ele vem ao nosso encontro não com os meios da riqueza e do poder, mas com a fraqueza e a pobreza. Ele despojou-se de tudo para nos comunicar a riqueza da sua unidade com o Pai e com os outros.

Daí que devemos ser e fazermo-nos pobres da pobreza de Jesus, para enriquecer todos com a Sua riqueza. Sendo pobres, não colocamos a nossa confiança nos meios humanos e nas estruturas que podem impedir muita vitalidade. Só o amor do Pai nos sacia e sacia os outros a quem somos enviados. Tudo estamos dispostos a colocar em jogo para alinhar no estilo da partilha de vida e dos meios materiais, derramando o óleo da consolação e o vinho da esperança sobre as chagas de todos e sobre qualquer tipo de chaga (material, moral ou espiritual). Em cada pessoa está Cristo. Neles sofre e espera, e teremos de ir ao seu encontro com ternura, prontidão, sacrifício e generosidade, sempre de um modo concreto.

Este estilo de pobreza pessoal que se apaixona pela pobreza humana é uma alavanca que eleva o mundo do sofrimento e da miséria até Deus. Este é o verdadeiro significado dum Ano Social que não pode ter outras interpretações. Pobres de nós mesmos para darmos tudo por amor de Deus. Quando em Portugal ¼ da riqueza está nas mãos de 1% dos portugueses, trabalharemos, vivendo a fé, por um mundo mais igual. Que a presença dos cristãos, nos variados ambientes, seja verdadeiramente semente transformadora da sociedade.

  [Posto isto, quero agradecer, publicamente, aos pais do Adão, do José Pedro, do Nuno e do Rui, o dom da vida e o investimento financeiro e humano que fizeram por eles. A partir de hoje deixais de exercer a paternidade, mas não deixais de ser pais! Estou-vos inteiramente grato por entregares os vossos filhos a esta  causa  do Evangelho. Rezo por vós e por todas as famílias da Arquidiocese para que sejam um autêntico viveiro de vocações!

Quero dar as boas vindas ao Sr. D. Francisco Coelho, novo bispo auxiliar de Braga, que regressa à sua terra. Reconheça-se como um de nós a quem asseguramos, desde já, a certeza de irmos viver na mesma casa que é a Arquidiocese, com o seu presbitério e comunidades. Aí sentiremos o calor da amizade e a alegria da corresponsabilidade eclesial.]

Agradeço, ainda, de um modo muito especial ao Sr. D. António Moiteiro, que em Setembro assumirá a Diocese de Aveiro. Foi muito pouco tempo que esteve entre nós. Mas Sr. D. António obrigado por em tão pouco tempo nos ter ensinado, com o seu testemunho de vida, que a saúde de uma pastoral hodierna adquire-se na simplicidade, no diálogo, no silêncio, na sabedoria e na proximidade.

6. Conclusão

Para terminar, caros leigos e presbíteros, a nossa missão passa, desde há 2000 anos, somente por "construir a casa de Deus no meio dos homens" e “a casa de Deus está assente no chão” das vidas reais onde teremos de colocar a semente de Deus. O chão por onde caminham os nossos concidadãos com pés calejados e talvez ensanguentados pela dureza da vida onde deveremos semear a tranquilidade e esperança. Como gostaria que o Ano Social se tornasse um compromisso verdadeiramente comunitário para uma sociedade mais irmã e igual!

 Que Nossa Senhora do Sameiro ajude a Arquidiocese a propor e viver a fé nos diversos ambientes da trama humana! E que o Beato Bartolomeu dos Mártires a todos nos proteja com a bênção de Cristo, e com a sua proteção seja um verdadeiro "estímulo dos pastores", numa Igreja que não quer ser clerical mas Igreja em comunhão e ao estilo de Deus, pobre para dar vida a todos mas sobretudo aos pobres. Porque, afinal de contas, todos fomos criados para a alegria!

† Jorge Ortiga, A.P.

Cripta do Sameiro, 20 de julho de 2014