Arquidiocese de Braga -

9 novembro 2021

Quase 250 católicos pedem aos bispos investigação sobre abusos na Igreja portuguesa

Fotografia DN

DACS com 7Margens/Público

Grupo receia que Igreja acabe forçada pelo poder político a iniciar uma investigação sobre abusos sexuais nos últimos 50 anos se não o fizer por iniciativa própria e pede que seja uma comissão independente e autónoma a levar a cabo a investigação.

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“Não existe alternativa”, dizem 241 católicos numa carta à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) em que afirmam que a Igreja portuguesa deve “tomar a iniciativa de organizar uma investigação independente sobre os crimes de abuso sexual” sobre os últimos 50 anos.

Os subscritores do documento – vários professores da Universidade Católica, membros do clero, a escritora Alice Vieira, o ex-presidente da Cáritas Portuguesa, Eugénio Fonseca, o jornalista Jorge Wemans, André Folque, membro da Comissão de Liberdade Religiosa, André Lamas Leite, advogado e colaborador da pastoral penitenciária, a médica e psicóloga Isabel do Carmo, o deputado José Manuel Pureza e o antigo ministro Fernando Gomes da Silva, entre vários outros – apelam “veementemente” que os bispos se alinhem “com as orientações do Papa Francisco” e tomem, “com carácter de urgência, a decisão de lançar uma investigação nacional rigorosa, abrangente e verdadeiramente independente, com o arco temporal de 50 anos”.

A comissão responsável por essa investigação, dizem, deve ser composta “exclusivamente por leigos católicos, por não crentes, por profissionais das ciências sociais e da justiça, cuja autonomia e independência sejam absolutamente inquestionáveis”, admitindo, no entanto, a assessoria de “algum elemento do clero”.

O grupo de católicos refere a “enorme angústia e embaraço” com a publicação, nas últimas semanas, de vários artigos de opinião publicados na imprensa nacional sobre os crimes de abusos e a apontar a inacção da Igreja.

Os signatários apontam que este “quadro de intranquilidade pública tem um elevado potencial de gerar sentimentos anti-eclesiais, de acelerar o afastamento das pessoas da vida religiosa e de degradar a relação da sociedade com a Igreja”.

A carta foi entregue segunda-feira, dia 8, à Conferência Episcopal, e enviada por e-mail a todos os bispos católicos portugueses no dia de arranque da Assembleia Plenária em Fátima onde o tema dos abusos sexuais e da criação de um órgão que centralize as queixas apresentadas junto de cada comissão diocesana ocupa boa parte dos trabalhos.

D. José Ornelas, presidente da CEP, apontou o tema como prioritário no discurso de abertura dos trabalhos e prometeu que a Igreja fará tudo para “proteger as vítimas, apurar a verdade histórica e impedir estas situações dramáticas que destroem pessoas e contradizem o ser e a missão da Igreja”.

Inacção pode trazer “agravamento de custos reputacionais

Na carta, o grupo de católicos afirma que, caso a Conferência Episcopal não avance com esta iniciativa, “a investigação acabará por ter lugar por decisão política”, o que irá representar “um agravamento de custos reputacionais para a Igreja, mais uma tristeza que todos nós queremos firmemente evitar”.

Em declarações ao 7 Margens, Nuno Caiado, o primeiro signatário e dinamizador do envio da carta, explicou que já pensa em como enfrentar o tema há cerca de dois anos e que foram “a surpresa dos resultados da investigação encomendada pelos bispos franceses e os artigos de opinião, unanimemente críticos, severamente críticos, das reacções ao problema por parte de bispos portugueses” que o levaram a finalmente agir como “católico perturbado pela insensibilidade demonstrada pela hierarquia ao problema e pela incapacidade de a Igreja portuguesa de se olhar a si mesma”.

Os 241 católicos, ainda que admitam que “as posições assumidas pelos bispos portugueses tenham boas intenções, visando proteger a Igreja”, afirmam que não conseguem compreender “qualquer racional teológico, moral ou sociológico que as fundamentem” e acrescentam que “os direitos das vítimas e os sagrados valores do Evangelho, aqui infringidos, são os únicos que é preciso acautelar.”

Nuno Caiado diz que o argumento de que “quase não há casos participados” não pode ser “seriamente considerado”, dado que “este tipo de actuação” tem uma natureza sistémica e está “directamente relacionado com o exercício do poder” no interior da Igreja.

Os signatários afirmam que só a verdade “permite um relacionamento livre e transparente” com o clero, pelo apenas uma “investigação profunda e independente” pode servir de confirmação da “eventual excepcionalidade da Igreja em Portugal”.

Uma investigação dessa profundidade seria comparável à que teve lugar em França, onde o relatório final de uma comissão independente estima que mais de dois mil padres e outros membros do clero francês abusaram sexualmente de 200 mil menores entre 1950 e 2020.

Em consequência, os bispos franceses reconheceram a “responsabilidade institucional” e anunciaram esta segunda, no fim de uma assembleia plenária de sete dias, “um trabalho interno de reforma profunda da Igreja como instituição”, com um “vasto programa de renovação” de práticas eclesiais ou eclesiásticas de governação ao nível diocesano e nacional. Para além disso, aprovaram a venda de bens imobiliários das dioceses e o recurso a “reservas de segurança” e empréstimos para indemnizar os milhares de vítimas de abusos sexuais.