Arquidiocese de Braga -
2 abril 2006
Homilia do 1º Aniversário da Morte de João Paulo II

Fotografia
\n“Levantai-vos! Vamos!” (Mc. 14, 42)
Homilia do 1º Aniversário da Morte de João Paulo II
A evocação que queremos efectuar de Sua Santidade, o Papa João Paulo II, por ocasião do primeiro aniversário da sua morte, coloca-nos perante a eloquência da sua vida e nada melhor que colher a lição que ela nos proporciona com a síntese, por ele escolhida, para apresentar a sua auto-biografia: “Levantai-vos! Vamos!”
No trajecto da vida de Cristo, estas palavras pretendem “acordar” os discípulos e “motivá-los” para a missão salvadora que passaria pela auto-doação, qual grão de trigo a morrer para frutificar em vida, que perdendo-se, se encontra em plenitude.
A realidade da morte afugentou os apóstolos e só S. João foi fiel no acompanhamento. Alguns entraram na traição duma maneira aberta ou camuflada. Fixaram-se na cruz que o seguir Jesus exigia e fugiram ao encontro anunciador dum Deus que é Amor.
Os tempos actuais, na falência das ideologias e no fracasso de vidas sem sentido, estão a reclamar um anúncio apaixonado de Cristo. O mundo “quer ver” a Deus e só O encontrará no testemunho da Igreja e na coragem de quem não olha para as dificuldades, mas nestas encontra um estímulo. A atitude da fuga ou da resignação às situações não é consentâneo com o estatuto do discípulo que vive em “aliança” com Deus e que “grava” as Suas leis e se compromete em colocá-las no coração das pessoas e das instituições.
Muitas coisas poderíamos referenciar da vida do Papa João Paulo II. Foi um discípulo de Jesus Cristo que, sem medo, percorreu os caminhos da humanidade e em todos os lugares e circunstâncias proclamou que o Amor de Deus vale mais que todo o resto. Sinto-o ainda presente na Igreja pedindo aos cristãos e à humanidade que não só não tenham medo de Cristo mas que abram o seu coração pois só Ele é capaz de o saciar.
O exemplo marcante da sua personalidade pode perpetuar-se em sinais visíveis que marquem o ritmo da vida comunitária e pessoal. Repito três palavras que interpreto como testamento a acolher.
1 – Torna-se urgente “levantar-se” ultrapassando um cristianismo de consumo que ainda tranquiliza muita gente. Num mundo hostil e indiferente impõem-se cristãos conscientes e unidos numa vontade de alerta e sensibilidade aos problemas. É ilusão pensar que está tudo bem e que continuemos instalados numa passividade. Desenvolve-se, a ritmo impressionante, uma mentalidade alicerçada em atitudes contrastantes com o Evangelho. Somos ingénuos se não nos apercebemos e procuramos reagir. Acordemos para um mundo novo a solicitar muita dedicação com ardor renovado.
2 – Com o levantar-se teremos de “ir”. Vamos ao encontro da gestação duma sociedade nova alicerçada num humanismo fiel à história e responsável pelo futuro. Não podemos continuar refugiados dentro das igrejas. O Peregrinar do Papa através de países e mundos diferentes marcou o seu Pontificado. Aqui e agora, teremos de partir e discernir os problemas com ousadia e serenidade, encontrar-se com as causas que os geram e intervir com soluções audazes e inovadoras. Olhar para o calvário, para Cristo, poderia significar vontade de fugir. O Papa encarou-o de frente e, por Cristo, concretizou uma reacção de acolhimento e simpatia pela sua vida.
Não seria oportuno reflectirmos sobre os problemas de fronteira com os quais o Papa se debateu e procurar compreender o seu verdadeiro pensamento? São muitos aqueles que se apegam ao acidental e fazem dele bandeira para o apelidar de tradicionalista. Se partirmos para conhecer os verdadeiros conteúdos do seu vasto magistério, vamos encontrar profundidade, novidade e ousadia. Precisamos dum encontro com todas as culturas, num diálogo de aceitação tolerante do diferente, sem deixar de manifestar a nossa originalidade; necessitamos dum encontro com a paz, a justiça, a fraternidade. Percorrer caminhos novos que ainda não quisemos aceitar é o apelo do “vamos”, com João Paulo II.
3 – Ambiente característico e condicionante dos resultados do nosso “levantar-se” e “ir” é não ter “medo”. Os problemas são complexos e o caminho não está percorrido; o bem mistura-se com o mal e a ciência pretende tornar-se critério absoluto; os valores esquecem-se e a moral e a ética colocam-se na prateleira das doutrinas doutras eras.
Não vamos em nosso nome e fundamentados nas nossas capacidades. As estradas sombrias e íngremes de Emaús oferecem, sempre, a certeza dum companheiro que não abandona. Os problemas são grandes, as derrotas parecem avolumar-se… abrindo as portas a Cristo e permitindo uma fé de abandono ao Seu amor, passemos o legado do Papa e testemunhemos a fidelidade à Aliança que Deus quer continuar com o homem moderno.
Obrigado Papa João Paulo II pela presença no mundo hodierno, pela linguagem alicerçada na experiência, pelos muros derrubados, pela filosofia base duma acção profundamente estruturada, pelo amor à humanidade sem olhar a credos, raças, etnias. Podemos, agora, respirar um cristianismo planetário porque mais aberto aos problemas e aos continentes, onde a fidelidade se aliou à renovação e a coragem do anúncio ao testemunho do martírio. Com a vida de João Paulo II não nos podemos queixar da falta de referências. Basta ter a coragem de confrontar-se e, com ele, amar a vida, amar a nossa vida “perdendo-a” no amor de auto-entrega para que Cristo resplandeça e se manifeste.
+ Jorge Ferreira da Costa Ortiga,
Arcebispo Primaz
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