Arquidiocese de Braga -

25 dezembro 2007

Quem tem medo da Doutrina Social da Igreja

Fotografia

D. Jorge Ortiga

Natal 2007

\nO ano de 2007 foi marcado pela celebração dos 40 anos da Populorum Progressio (26 de Março de 1967) e pelos 20 da Sollicitudo Rei Socialis (30 de Dezembro de 1987). Dois “momentos” que integram o Corpo da Doutrina Social da Igreja a que talvez não estejamos a prestar a devida atenção. O nascimento de Cristo foi anúncio dum Salvador que foi dado à humanidade. Neste Natal, gostaria de recordar que o conhecimento e a realização da Doutrina Social da Igreja devem tornar-se proclamação solene de que podemos construir um futuro de esperança se apostarmos nos itinerários dum verdadeiro humanismo que a mesma doutrina propõe. Urge não só não ter medo dela, mas reconhecer que não temos outras alternativas. Não negamos a existência doutras propostas. Acolhemos e anunciamos a hipótese duma sociedade diferente se não nos calarmos escondendo um tesouro desconhecido, em primeiro lugar pelas comunidades eclesiais e pelo pensamento hodierno.
Não me é possível deter-me numa síntese da mesma Doutrina. Atrevo-me a sublinhar dois aspectos fundamentais.
1. Com o Natal, Cristo quis entrar na história dos homens. Hoje, a Igreja deve caminhar com toda a humanidade consciente da sua vocação de ser fermento. O Concílio Vat. II sublinhou, insistentemente, o amor, o respeito e a solidariedade que a Igreja deve ter pela família humana, procurando consciencializar-se dos complexos problemas e introduzir “neles a luz do Evangelho” (G.S. 3), como autêntica Boa Nova que denuncia os “erros mas nunca condena as pessoas”. Este colocar a luz do Evangelho nos reais problemas da vida moderna significa um esforço “em salvar a pessoa do homem” e “restaurar a sociedade humana” (G.S. 3). Isto supõe e exige que a Igreja coloque ao serviço do género humano as “energias salutares”, recebidas de Cristo.
Num exame de consciência, interrogo-me se reconhecemos as “energias” que o Evangelho contém e se colocamos esta força transformadora no âmago das questões humanas. Não é fácil desempenhar esta tarefa de verdadeira incarnação no quotidiano humano. Sei, porém, que é necessário continuar a caminhar e não se limitar a fechar trincheiras capazes de defender um tesouro que, conservado no seio da comunidade crente, se estiola e perde o encanto. A Igreja necessita de sair de si e ir ao encontro da sociedade moderna, mergulhando, conscientemente, nos seus desafios. A fidelidade à doutrina de Cristo não permite que não se corra riscos. O medo nunca resolverá os problemas.
Esta força de incarnar as “energias” evangélicas, consciente de que só assim renovamos a sociedade e salvamos as pessoas, é o convite que Belém está a formular. Urge acreditar e ser fermento.
Esta aventura da incarnação é tarefa, essencialmente, laical na sua missão secular e sei que é uma das carências principais da Igreja de Braga. Somos peregrinos no meio de todos. Muitos já perderam o sentido e não querem procurar como os Pastores e reis. Sem esta resposta – teórica e prática – a partir do concreto e das experiências e perplexidades, nunca seremos a luz, qual instrumento que conduz ao encontro de Alguém.
2. Este mergulhar no contexto social e anunciar a partir de dentro, questionando e propondo um Deus-Homem por amor, deve ser acompanhado por um único programa que, de maneiras plurifacetadas de harmonia com os sectores ou dimensões da pastoral, deverá estar sempre presente. Aqui a Doutrina Social da Igreja ajuda-nos a compreender a lição do presépio onde contemplamos a história do amor de Deus pelos homens e deveríamos reconhecer que a vocação do género humano consiste na unidade de filhos do mesmo Pai Jesus feito homem que introduz o homem na família divina.
Esta descoberta concentra a tarefa na Igreja na responsabilidade de propor a todos os homens um humanismo com a dimensão do desígnio cristão, ou seja, integral e solidário. Duas palavras maravilhosas que ainda encontramos muito longe do dicionário da vida e dos condicionalismos de tantas existências.
Com o humanismo integral estamos a apostar num caminho de realização humana que conjuga o material e o espiritual. O primeiro está a reconhecer a dignidade e a liberdade de todo e qualquer ser humano com direitos ao indispensável; com o segundo sabemos que teremos de trabalhar para que “os indivíduos e grupos cultivem entre si mesmos e difundam na sociedade as virtudes morais e sociais, de maneira a tornarem-se realmente, com o necessário auxílio da graça divina, homens novos e construtores duma humanidade nova” (G.S. 30).
O humanismo solidário está nos programas dum itinerário que se compromete na luta pela paz, pela justiça em ordem a uma sociedade “digna do homem”, construída a partir da civilização do amor. Na verdade, o amor é a única força capaz de levar a sociedade á perfeição o que exige que esteja presente e penetre em todas as relações sociais.
Daí que, através da missão da Igreja, tenhamos o dever de “revalorizar o amor na vida social – nos planos político, económico, cultural -, fazendo dele a norma constante e suprema do agir”.
Através do amor, feito solidariedade, estamos a promover o bem comum. Recorda-nos o Catecismo da Igreja Católica: “A caridade representa o maior mandamento social. Ela respeita o outro e os seus direitos, exige a prática da justiça, de que só ela nos torna capazes e inspira-nos uma vida de entrega: “Quem procura preservar a vida, há-de perdê-la; quem a perder, há-de conservá-la” (Lc. 17, 33; Cat. 1889).
O Natal, na sua mensagem de simplicidade, pode parecer um sonho. Vejo-o como inicio duma aventura divina onde o amor que “faz ver no próximo um outro tu mesmo” (S. João Crisóstomo) e se torna semente a colocar no coração da cidade dos homens para que esta se torne humana porque possuída por Deus. A Doutrina Social da Igreja é a referência a seguir e a interpretar. Trata-se dum manancial que não temos sido capazes de acolher. Neste Natal, que é família, relembremos, ainda, o Programa da Arquidiocese de tornar a nossa Igreja Particular uma Família a partir das Familiares. Se ouvirmos os coros dos anjos a proclamar que a glória de Deus é a glória dos homens, estaremos a ser fermento desta sociedade mais justa e fraterna, não teremos medo duma Doutrina exigente, mas acreditaremos que vale a pena continuar a esperar através dum amor activo que gera solidariedade humana, proporciona justiça e cria uma sociedade mais fraterna.
Sé Catedral, 25.12.2007
† D. Jorge Ortiga, A.P.