Arquidiocese de Braga -
28 agosto 2025
Pedras velhas, construção nova
936.º aniversário da dedicação da Sé primaz, 28 de agosto de 2025
1.A vitalidade de um povo
A vitalidade de um povo pode ser aferida pelo modo como esse povo olha as raízes da sua história. Na primeira leitura, do livro de Neemias, foi-nos apresentado um povo que se reúne para escutar, atentamente e por largo tempo, a Lei de Deus, coluna vertebral da sua identidade. A escuta da Lei leva o povo às lágrimas e conduz à renovação da aliança de Deus com o povo, como podemos verificar nos capítulos seguintes à passagem que hoje foi proclamada (cf. Neemias 10). Confrontado com a leitura e explicação da Lei, o povo judeu corrige a sua trajetória, colocando-se de novo no caminho de Deus.
Um Deus que não está num só lugar e que por isso não é só “em Jerusalém que se deve adorar”. Deus está onde está cada ser humano, e o louvor e a adoração podem brotar mesmo nos lugares mais sombrios da existência humana. Por isso, o discípulo deste Mestre está onde está o seu irmão ou irmã, templos vivos de Deus, aos quais é chamado a servir.
O exemplo de vida dos santos e beatos do nosso calendário próprio bracarense, do mais antigo, S. Pedro de Rates, à mais recente, Alexandrina de Balasar, mostram-nos a busca de fidelidade a Cristo, a busca por ser adorador “em espírito e verdade”, isto é, com todo o nosso ser entregue a Deus, guiados pelo Espírito Santo, sem hipocrisia ou dissimulação, numa vida sincera e íntegra, lida à luz das Escrituras e da vontade de Deus, em todas as áreas da vida. Uma vida feita de contradições, com pecados e virtudes, mas mesmo assim indispensável aos olhos de Deus.
Temos um passado rico, do qual se destacam algumas pessoas, os santos do nosso calendário próprio, aprovado em 2024, e cujos livros – Missal/Lecionário e Liturgia das Horas - se encontram em fase final de elaboração, para obter da Santa Sé a devida confirmação/reconhecimento. Esperamos que as orações, leituras e ilustrações que estarão nesses livros, e que queremos em breve disponibilizar, venham a contribuir para um fortalecimento da vida espiritual de cada fiel desta amada Arquidiocese.
2. Tom de esperança e renovação
As pedras podem ser velhas, mas a construção é nova. A nossa Sé primaz é antiga, a mais vetusta em Portugal, comemora hoje 936 anos da sua dedicação sob o olhar materno de Santa Maria de Braga. A Sé primaz tem sido uma bússola física e espiritual da Igreja peregrinante na Arquidiocese bracarense.
Celebrarmos o aniversário da dedicação desta Sé, ocorrida no ano de 1089, é fazer memória do passado, do muito que aconteceu como graça. Não comemoramos as pedras que edificam este templo, o qual, nas diversas épocas, foi conhecendo diferentes remodelações, mais ou menos profundas. Celebramos, sim, as pessoas que ao longo do tempo foram construindo a Igreja que peregrina em Braga a partir da casa de todos. A Sé primaz representa toda a Arquidiocese e é a fonte da vida da Arquidiocese. É lugar de oração, de escuta da Palavra e de encontro com Deus e com os outros, porque a catedral tem de ser expressão de uma comunidade que quer viver unida pela fé, pela liturgia e pela caridade.
Queremos, assim, que a Igreja de Braga seja “Igreja feliz, morada de Deus com os homens, templo santo, construído de pedras vivas, edificada sobre o alicerce dos apóstolos, tendo Cristo Jesus como pedra angular”; queremos que aqui “os pobres encontrem misericórdia, alcancem os oprimidos a verdadeira liberdade, e todos os homens se revistam da dignidade de filhos (...), até chegarem, exultantes de alegria, à Jerusalém do alto, a cidade do Céu” (Pontifical romano, Oração de dedicação de uma igreja).
A aptidão primordial de uma igreja Catedral não é a de ser um museu ou tesouro de obras de arte, nem de ser um lugar turístico ou sala aprazível de concertos, mas antes de tudo, o centro espiritual e litúrgico da Igreja local. Por isso, a importância da liturgia celebrada na Sé não é de ordem cerimonial, mas teológico. A qualidade e a beleza da evangelização e celebração litúrgica, da arquitetura, das artes, nomeadamente, a escultura, a pintura, os vitrais, a ourivesaria, os mármores, as pedras, os tecidos, os sinos, o canto, a música, a oração, a cultura e a caridade pastoral são eloquentes e comprometem o Arcebispo, o Cabido, o Presbitério e todo o Povo Santo de Deus.
São Paulo, na carta aos Coríntios sublinha o retrato do ministério pastoral, ao escrever: «nós trabalhamos juntos na obra de Deus, mas o campo e a construção de Deus sois vós» (1Cor 3, 9). Nestes dias impressionou-me uma frase: «nos lugares desertos construiremos com tijolos novos», um título tirado dos Coros de “A Rocha”, de Thomas Stearns Eliot, que foi usado para o Meeting para a amizade entre os povos, que ontem se concluiu em Rimini. A expressão mostra o tom de esperança e renovação, mesmo em tempos de desolação, para uma esperança pastoral. A conversão evangelizadora está em seguir Jesus Cristo na conversão contínua.
Este é o convite à coragem de uma conversão progressiva, para crescer e viver em Jesus Cristo, de batizados a cristãos adultos na fé. Estamos a percorrer o caminho de Páscoa com os trilhos da conversão ao Evangelho e a oração e vida espiritual e propomo-nos continuar com 2 novos trilhos: participação ativa e criativa / servir e acolher a todos. Para criar há que crer. Então, arrisquemos recomeçar o que merece ser continuado.
3. Vocação peregrinante e sinodal da Igreja
O Ano Santo da esperança experiencia-se também na peregrinação jubilar, “gritar com alegria”, à Sé Primaz (7 dos 13 arciprestados já realizaram a feliz e esperançosa peregrinação: Amares e Terras de Bouro, Barcelos, Braga, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Fafe e Guimarães e Vizela). Dos milhares de pessoas peregrinas, muitas centenas vieram pela primeira vez à Sé primaz.
Com efeito, a Igreja é povo a caminho: «Enquanto não se estabelecem os novos céus e a nova terra em que habita a justiça (cf. 2 Pd. 3,13), a Igreja peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à presente ordem temporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem e sofrem as dores de parto, esperando a manifestação dos filhos de Deus (cf. Rom. 8, 19-22)» (Lumen Gentium, 48).
Por isso, pronunciamos na Oração Eucarística para as diversas necessidades II: «com o poder do vosso braço / guiastes outrora o povo de Israel através do deserto / e agora acompanhais sempre a Igreja, peregrina sobre a terra, / com o poder do Espírito Santo, / e a conduzis através dos tempos / à alegria perfeita do vosso reino, / por nosso Senhor Jesus Cristo».
A metáfora do caminho ou da peregrinação é a mais comum para indicar a vida humana ao encontro de Jesus Cristo. Ou melhor, no livro dos atos dos Apóstolos, os cristãos são referenciados como os do “Caminho” (cf. At 9, 2; 19.9.23).
Cada tempo teve os seus desafios, e o nosso tempo traz-nos a responsabilidade de, olhando o passado, viver o presente e projetar o futuro com esperança e coragem. Tal como São Martinho, São Frutuoso, São Geraldo ou São Bartolomeu dos Mártires, cada um a seu modo, souberam propor o imutável Evangelho de Cristo ao mundo do seu tempo, cabe-nos a nós, hoje, renovar e não descurar esta missão por mais difíceis que os obstáculos possam parecer, para que a aliança entre Deus e o seu povo se materialize na vida de cada dia.
O nosso coração exulta com as palavras conclusiva do Hino Te Deum: «Desça sobre nós a vossa misericórdia, porque em Vós esperamos. Em Vós espero, meu Deus, não serei confundido eternamente».
+ José Manuel Cordeiro
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