Arquidiocese de Braga -

22 outubro 2024

Na paixão de servir o Evangelho

22 de outubro de 2024, S. Martinho de Braga

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1. Salgar e saborear

O sal e a luz são dois elementos que nós conhecemos muito bem, dado que os usamos diariamente. Curiosamente, o sal e a luz são coisas que só são notados quando estão em falta ou quando estão em excesso. 

Na comida, se faltar o sal ela fica insossa e não tem sabor; se o sal está em excesso, também não se consegue sequer comer, por estar salgada. A luz, se falta, não conseguimos ver nada; se estiver em excesso encandeia os nossos olhos, o que também impede a visão. Tanto no caso do sal como no caso da luz a falta ou o excesso são prejudiciais para nós.

Se enquanto discípulos de Cristo somos chamados a ser sal e luz do mundo (cf. Mt 5, 13-19), e tendo em conta o que acabamos de refletir sobre estes dois elementos, quer isso dizer que a nossa ação tem de ser uma ação decisiva, mas que deve passar despercebida; temos de evangelizar o mundo na dose certa: nunca por excesso, impondo a nossa fé aos outros; nunca por defeito, sendo motivo de escândalo por a nossa conduta ser contrária à fé que professamos.  

Sabemos também que o sal é usado como conservante, daí que no tempo em que ainda não existiam frigoríficos e arcas congeladoras se usasse o sal para conservar os alimentos, como a carne.

Assim, se o discípulo de Cristo é sal da terra, uma das suas missões é preservar aquilo que é digno de perdurar no mundo, opondo-se a tudo aquilo que corrompe a vida, como a inveja, o ódio, a autossuficiência. O discípulo que é sal, dá gosto à vida dos outros, ajudando a revelar a beleza que existe em cada pessoa; além disso, sendo sal da terra, o discípulo tem respeito por todos os seres vivos e por toda a criação.

  1. 2. Iluminar e incendiar

No evangelho, Jesus fala igualmente na lâmpada que se acende para iluminar. A caraterística da lâmpada, ou da vela, é que ela ilumina, mas a luz que transmite não a produz por si própria. Outra coisa tem de a acender: ou a energia elétrica ou um isqueiro, por exemplo. 

Assim, a luz que temos de transmitir não é a nossa própria luz, mas a luz de Deus. Não transmitimos as nossas próprias palavras ou gestos, mas as palavras e os gestos do nosso Deus. Temos de ser instrumentos nas mãos de Deus, que Ele usa para continuar a missão de fazer novos discípulos. Através de nós tem de fluir para o mundo o amor que Deus derrama nos nossos corações.

Sair, evangelizar e discipular são verbos ativos no nosso caminho arquidiocesano de Páscoa. De uma Igreja de cristandade a uma Igreja em missão. Uma Igreja em atitude de oração, formação, renovação e missão, cada vez mais atenta a todas as pessoas e aos sinais dos tempos. Uma Igreja que se faça companheira de viagem dos jovens, atenta aos seus sonhos, anseios e dificuldades, sabendo que os jovens procuram a Igreja, não para se divertirem, mas para se alimentarem interiormente. Uma Igreja que sinta, viva, partilhe e se empenhe em ajudar a resolver os inúmeros problemas que hoje atingem as famílias.

3. Apóstolo dos Suevos e missionário 

O ser humano convertido ao Evangelho é aquele que, seguindo o pensamento de S. Martinho, vive uma vida virtuosa ou honesta. E Martinho aponta 4 virtudes que todo o ser humano deve pedir como fórmula para uma vida honesta: prudência; magnanimidade (ou fortaleza); temperança; e justiça. 

Prudência: «Quem quer que tu sejas o que queres seguir a prudência, viverás bem, regulado pela razão, se primeiro que tudo avaliares e pesares cada cousa e determinares o seu valor, não pela opinião do grande número, mas pela sua mesma natureza. Porque deves saber que há cousas que parecem boas, sem o serem, e outras que não parecem ser boas e o são».

Magnanimidade: “Se na tua alma morar a magnanimidade, que também se chama fortaleza, em grande segurança viverás, livre, intrépido, desassustado. É um bem do homem magnânimo não vacilar, não desmentir de si mesmo e esperar desassombrado o fim da vida”. 

Temperança: “Se buscas a temperança, seja a tua morada, não deleitosa, mas saudável; nem queiras que o dono seja conhecido pela casa, mas sim a casa pelo dono. Não te arrogues o que não hás de ser, nem queiras parecer cousa maior do que és”.

Justiça: “Serás amável a Deus, se o imitares em desejar fazer bem a todos, a ninguém mal; então todos te chamarão homem justo e te respeitarão e amarão. Para seres justo, não só não farás dano, mas impedirás que o façam, pois que o não fazer dano não chega a ser justiça, é apenas abster-se do alheio”.

Um hino da Liturgia das Horas canta assim: «pois que tudo renovais,/ renovai as nossas forças/ na paixão de Vos servir».

 

+ José Manuel Cordeiro

Arcebispo Metropolita de Braga