Arquidiocese de Braga -

25 dezembro 2023

Pão de Esperança

Fotografia Avelino Lima

Homilia de D. José Cordeiro na Missa do Dia de Natal

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1. «…e o Verbo fez-se homem e veio habitar connosco» (Jo 1, 14)
Nesta frase reside a nossa alegria e o genuíno sentido da solenidade do Natal. O prólogo de São João é um autêntico hino ao “Logos”, isto é, a narrativa da salvação desde a criação a Jesus Cristo, que já era desde o princípio antes que o mundo fosse.

A linguagem silenciosa da luz neste evangelho não nos fala do Menino, da Virgem santa Maria, de São José, dos pastores e das suas ovelhas, dos anjos e do seu canto, mas fala-nos da glória que podemos ver no Verbo feito carne, «cheio de graça e de verdade».

Todos os evangelhos falam do único Evangelho. Assim, em cada Natal festejamos a grande Graça do singular Mistério: «Filho no céu sem mãe! Filho em terra sem pai!», como escreveu Sá de Miranda.

O que fazemos do Mistério?

A Igreja considera o mistério do Natal como uma renovação da Páscoa, dado a sua estreita relação com o mistério da morte e ressurreição de Cristo, centro da vida litúrgica: «Depois da celebração anual do mistério pascal, nada na Igreja é mais venerável do que a celebração do Natal do Senhor e das suas primeiras manifestações: é o que se faz no Tempo do Natal» (Normas gerais sobre o Ano litúrgico e o Calendário 32).

Jesus Cristo nascido em Belém tornou-se Pão da Vida na Palavra e no Sacramento e em toda a pessoa, fazendo-nos renascer para uma Esperança viva (1Pd 1,3). O começo de tudo é a Palavra da Graça criadora e recriadora – Deus, amigo de todos. Esta é a Boa notícia que a Igreja diz todos os dias, porque no Verbum factum caro est acontece o Verbum factum panis est, ou seja, «o encontro com Deus não é fruto de uma individual busca interior d’Ele mas é um acontecimento dado: podemos encontrar Deus pelo facto novo da Encarnação que na última Ceia chega ao extremo de desejar ser comido por nós. Como poderá acontecer-nos a desgraça de nos subtrairmos ao fascínio da beleza deste dom?» (Papa Francisco)

2. Contemplar o Presépio vivo na Eucaristia
São Francisco de Assis, há 800 anos, explicou com o presépio o que queria dizer “ver” o Natal. A fé “” o que crê, mas ele sentia uma lacuna na representação do nascimento do Filho de Deus. Graças às suas peregrinações a Roma, ele conhecia o nascimento representado nos mosaicos das grandes basílicas, mas não lhe bastava.

Por isso, criou uma imagem viva do Menino de Belém, feito de carne, de um olhar, de um gemido, de um sorriso e, ao mesmo tempo, pediu um sacerdote para celebrar naquela noite a Eucaristia. Com efeito, a Eucaristia é, já, semeada em Belém, casa do pão de esperança.
A simplicidade da fé ilumina toda a vida e faz-nos aceitar com docilidade as grandes coisas de Deus, «porque o amor é contemplativo (...) No silêncio, tudo renasce» (J. Aguiar).

Experimentamos como a alegria perfeita é possível também neste mundo, apesar dos sofrimentos e das dores de cada dia. Uma vida sem reconhecimento é uma vida triste, difícil, que ignora o prazer e a beleza do dom, que acredita que tudo seja sempre devido, e antes de se alegrar pelo que possui, vive na irritação por aquilo que pensa que lhe foi retirado.

3. Como ser Igreja sinodal em missão?
Ao Deus feito criança pedimos a alegria da paz para o mundo e para a Igreja, em especial a unidade e a paz na Igreja de Braga, para ser uma comunidade de comunidades sinodais. A Ele confiamos também o coração dos que quiserem ser servidores da alegria que a Paz do Natal comunica. Rezamos ainda por todas as pessoas que são obrigadas a viver o Natal no sofrimento, na situação de guerra, na solidão, na ignorância, na pobreza, na depressão, no stress, no desemprego, na emigração e sem habitação.

A procura de Deus é também uma atenção ao outro, àquele Jesus que nasce às vezes como um “incómodo” na nossa vida, mas quando a habita torna-a experiência de bondade e um lugar de comunhão e de paz. Natal é a habitação de Deus entre nós. Belém, casa do pão de esperança, quer dizer também: paz, habitação, educação, saúde.

O Natal reforça em nós a capacidade de interpretar a imagem de Deus na realidade e de O ver nos rostos sofredores de tantas famílias, em muitos desempregados, pobres, doentes, migrantes, presos, vítimas de todo o tipo de abusos, mais sós, pessoas idosas. Rezo, vejo e contacto diariamente com alguns irmãos e irmãs assim, especialmente nestes tempos desafiantes e tão exigentes. Aqueles que são a manifestação das chagas de Deus e da sua vulnerabilidade, mostram a necessidade de tecermos as relações solidárias e de proximidade.

Aos crentes e não crentes, auguro um coração de carne na alegria da Esperança, Cristo Jesus, o Deus Menino. Deixa Deus habitar a tua casa e deixa-te olhar por Ele!

Louvai a Deus” como nos convida o Papa Francisco na sua carta sobre a crise climática: «porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo».

Para chegar à beleza simples é necessário partir de Cristo, a alegria da nossa paz. Jesus Cristo, a Luz da Luz, ilumine os passos da humanidade para a paz.
Estaremos assim tão longe da admirável alegria da paz?

+ José Manuel Cordeiro