Arquidiocese de Braga -

2 abril 2023

A porta da Semana autêntica

Fotografia DACS

Homilia - Domingo de Ramos na Paixão do Senhor 2023

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1. Cruz, porta aberta da Páscoa

Nos usos litúrgicos bracarensesentre a procissão de ramos e a entrada na Sé, aclamamos a cruz: «Avé, nosso Rei, Filho de David, Redentor do mundo», atirando folhas de oliveira e, seguidamente, o Arcebispo bate por três vezes com a Cruz na porta, evocando o salmo 23, 9-10: «levantai, ó portas, os vossos umbrais, alteai-vos, pórticos antigos, e entrará o Rei da glória...». A cruz é a porta aberta da Páscoa, pois a Páscoa é sempre nova.

A porta recorda de imediato as palavras de Jesus: «Eu sou a porta, se alguém entrar por Mim, será salvo» (Jo 10,9). Cristo é a passagem do homem para o encontro com Deus. Tanto na sua estrutura como no seu ornamento, a porta é símbolo de Cristo, a única porta da misericórdia. Por isso, passar a porta da igreja está cheia de significados e compromissos, como canta o salmo 117: «esta é a porta que leva ao Senhor; os justos entrarão por ela».

Uma porta é, por um lado, uma realidade que fecha e separa dois lugares e, por outro lado, que abre e mete em relação e comunicação. Tem além da sua função prática este apelo de passagem, da condição de peregrinos à de contemplativos. A porta é assim uma meta, o termo de uma etapa de um processo de conversão: passar desta vida à vida eterna, da condição de pecador à salvação. 

Recordamos que a vida cristã é uma grande peregrinação à casa do Pai. Por isso, somos um povo que caminha nas estradas e nas ruas da vida. Também, em sinal disto mesmo, peregrinamos hoje à igreja Catedral, a casa da oração e a porta do céu. «Aqui celebramos a claridade, porque Deus nos criou para a alegria» (Sophia de Mello – casa de Deus).

2. Conclusão do Itinerário batismal

O caminho batismal desta Quaresma culmina neste Domingo de Ramos na paixão do Senhor. De facto, nos cinco domingos anteriores, o Lecionário (a Bíblia para a Liturgia) distribuiu-se do seguinte modo: no primeiro e segundo domingos, escutámos as narrações da Tentação e da Transfiguração do Senhor, segundo São Mateus; Nos três domingos seguintes: o Evangelho da Samaritana (Jo 4, 5-42), do cego de nascença (Jo 9,1-41) e da ressurreição de Lázaro (Jo 11,1-45). Estes Evangelhos salientaram a revelação pessoal de Jesus ao homem como ‘água viva’, ‘luz do mundo’ e ‘ressurreição e vida’, prefigurando a realidade pascal-batismal.

A Igreja não é uma elite de perfeitos, mas uma porção da humanidade tal como é, santa e pecadora. Todos são capazes de fazer coisas excecionais com pessoas excecionais. Deus é capaz de fazer coisas excecionais com pessoas normais ou até com os mais simples.

Infelizmente também na Igreja a confiança de muitosfoi traída por abusos de alguns dos seus membros. A purificação e a reparação só são possíveis pelo perdão, pela escuta e pelo acompanhamento de que foi ferido e traído. Juntos e todos, caminhemos numa cultura de não violência e, sobretudo numa cultura do cuidado, do encontro, da transparência, da segurança e da fraternidade.

3. Igreja de portas abertas

A Igreja é uma mãe de coração aberto e «a Igreja “em saída” é uma Igreja com as portas abertas. (…) A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. Um dos sinais concretos desta abertura é ter, por todo o lado, igreja com as portas abertas. (…) e nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale sobretudo quando se trata daquele sacramento que é a “porta”: o Batismo. (…) Muitas vezes agimos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega, é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fatigante» (EG 46-47).

A Igreja não existe e não pode viver só para si mesma. Existe para o acolhimento de todos, existe para a Missão, ou melhor para evangelizar com o Evangelho de que sempre se evangeliza nos amplos horizontes de Deus.

Acolher não é só dialogar, mas deixar entrar alguém. Precisamos urgentemente de uma pastoral da escuta e do acolhimento mais cuidada nas nossas comunidades.

A Igreja Arquidiocesana, da qual a igreja Catedral é símbolo da unidade, deve ser casa que sabe acolher e escutar medos e esperanças das pessoas, perguntas e angústias e que sabe oferecer um corajoso testemunho e um anúncio credível da verdade, que é Cristo. O acolhimento cordial e gratuito é a condição primeira da evangelização tão antiga e sempre nova.

Amar a Igreja, esta Igreja, como Cristo a ama e me ama, ainda que com sofrimento se descubram estruturas que não estão em harmonia com mesmo e único Evangelho de Jesus Cristo.

Confiamos na oração a peregrinação da fé e do acolhimento e da hospitalidade cristã, como o salmista canta no Salmo 21: «mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim, sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me. Hei de falar do vosso nome aos meus irmãos, hei de louvar-Vos no meio da assembleia».

No drama da cruz de Jesus cumpre-se o drama da cruz de cada um de nós. O sofrimento que vem da coerência e da fidelidade a Deus, à verdade, à justiça, à paz, aparentemente conduz à derrota, à desgraça e até à morte, mas autenticamente conduz à vida. Foi assim com Jesus Cristo e assim será connosco. A Semana Santa, ou semana maior, é ainda designada, em documentos antigos, por semana autêntica, porque valida a nossa vida cristã no autêntico mistério pascal, que o próprio Jesus Cristo, ferido e ressuscitado.

 

 

+ José Manuel Cordeiro