Arquidiocese de Braga -
19 setembro 2021
Ressuscitar uma aurora de esperança
Homilia na peregrinação a N. Sra. do Alívio.
\n \nEstamos a iniciar um novo ano pastoral. Reconhecemos que as comunidades passaram por um período de sonolência. A pandemia fechou as pessoas em si mesmas e nas suas casas. Foi um período longo, desmotivador e gerador de uma certa apatia relacional. Teremos de recomeçar, valorizando o comunitário e fazendo com que a alegria de estar e fazer juntos tenha outra profundidade e consistência. Experimentamos que ninguém encarou a pandemia sozinho. Foi um jogo de atenção aos outros e de compromissos concretos a que ninguém pôde fugir.
A Igreja Católica vai entrar numa aventura de reconhecer que a sinodalidade não é uma ideia de alguns mas é constitutiva do seu ser e agir. A Arquidiocese de Braga já se encontrava neste caminho. O novo ano terá de nos congregar, em pequenos grupos a partir das paróquias e de todas as outras estruturas, numa experiência de oração reflectida e geradora de novas atitudes e comportamentos. É desejável que em todas as paróquias se constituam grupos sinodais, dando continuidade aos Grupos Semeadores de Esperança ou agregando as pessoas mais responsáveis para um confronto directo com a realidade do que se é para evoluir para o que se deve ser. O caminhar juntos não pode ser uma pequena frase a usar e a abusar. Terá de ter implicações e suscitar uma profunda actualização do nosso modo de ser cristãos e de viver responsavelmente em Igreja. O objectivo do sínodo não vai residir na publicação de documentos nem os grupos deverão funcionar como mero confronto de ideias de modo que vença quem pensa melhor ou sabe um pouco mais. A Secretária Geral do Sínodo é muito clara. Este tempo sinodal pretende “fazer germinar sonhos, suscitar profecias e visões, fazer florescer a esperança, estimular confiança, faixar feridas, entrelaçar relações, ressuscitar uma aurora de esperança, aprender uns dos outros e criar um imaginário positivo que ilumine as mentes, aqueça os corações, restitua forças às mãos”.
Pensando no que poderá acontecer em todas as paróquias – nenhuma se pode colocar de lado – em todos os movimentos e associações, confrarias, centros sociais, repito estas ideias: fazer germinar sonhos, estimular confiança, faixar feridas, entrelaçar relações, ressuscitar uma aurora de esperança, aquecer os corações, restituir forças às mãos.
Fixando o meu olhar em Nossa Senhora, a Senhora do Alívio, peço-lhe que suscite no coração dos sacerdotes, membros dos conselhos económicos, catequistas, pessoas da liturgia e da caridade e, sobretudo, nas equipas arciprestais e paroquiais este compromisso de ressuscitar uma aurora de esperança. Não podemos continuar no pessimismo e alarmismo, no desencanto e desânimo, no deixar correr esperando que apareça um Messias salvador. Um mundo novo deve nascer e é preciso que nasça por nosso intermédio. Poderá parecer que a Igreja não tem grandes possibilidades. A história mostra que foi nos momentos de crise que a Igreja manifestou a originalidade da sua mensagem.
Para que os resultados aconteçam e a esperança ressuscite só temos um caminho. Em 2018 apresentei-o na Carta Apostólica “Uma alma para o Corpo da Igreja.” Aí afirmava e hoje repito com mais acutilância e veemência. “A Igreja de hoje necessita de cristãos que reúnam duas características: “estruturação pessoal e ousadia no serviço”. Isto corresponsabiliza a todos. Nenhum baptizado se pode alhear, mas torna-se particularmente premente quando se trata de agentes pastorais. Os sacerdotes e muitos outros – poderia dizer todos, mas sobretudo quantos respondem generosamente à missão nas diversas comunidades, movimentos e estruturas de serviço – necessitam de aliar estas duas exigências, pois o trabalho pastoral só constrói Igreja quando é acompanhado por uma interioridade que dá sentido ao trabalho eclesial. De outra forma tudo se gasta em atividades que só cansam e nunca edificam verdadeiramente a Igreja.”
Afirmei isto em 2018. Hoje, quando iremos iniciar um trabalho em união com a Igreja Universal e quando peço que estes grupos sinodais se multipliquem em todas as paróquias, volto a afirmar que a sinodalidade não é um processo deliberativo. Sem uma espiritualidade sinodal, os resultados serão muito escassos e ficaremos na mesma ou talvez mais cansados e desanimados. Sempre na mesma carta, concretizava ainda mais. “A parábola da videira e dos ramos afigura-se bastante sugestiva… Jesus é a videira, nós os ramos. Mas um ramo não tem apenas a ponta que o une ao tronco! Este desloca-se com o soprar do vento e o bater da chuva.”
À semelhança do ramo que possui uma ponta fixa e outra ponta móvel, o discípulo de Jesus Cristo deve estar fortemente unido a Ele e inteiramente aberto aos desafios do mundo. A ponta fixa do ramo significa para nós, portanto, ter os pés assentes em Deus. A ponta solta significa ter a liberdade de se deixar conduzir pelo Espírito Santo na resposta aos tais desafios. Devemos, por isso, cuidar das duas pontas. Temos de beber a seiva e estar abertos àquilo que a vida nos solicita para poder gerar vida. “Sem a primeira somos amadores que se vão entretendo sem consequências concretas. Aqui a ordem dos fatores não é arbitrária! Uma vida em caminho para a santidade é o melhor anúncio do Evangelho e a certeza de que estamos a edificar o Reino sobre a rocha.”
Para ressuscitarmos a esperança, na Igreja e no mundo, repito mais uma vez, necessitamos de uma espiritualidade séria e profunda. Se outrora os grandes santos cresciam na intimidade com Deus sozinhos, no silêncio e na solidão, hoje teremos de nos encontrar com Ele através do irmão. Uns com os outros experimentamos Deus e vivenciamos o que Ele é. Deus é amor e seremos seus discípulos se nos amarmos na certeza de que o que fazemos a um dos mais pequeninos, a criança do evangelho de hoje, o fazemos a Ele. Daí que antes de tudo e acima de tudo nós tenhamos de colocar o amor mútuo e recíproco. Os grupos sinodais serão, em primeiro lugar, uma graça para entrelaçar relações e vivenciar um amor de acolhimento e aceitação do outro para nos identificarmos com a sua vida disponibilizando-nos para lhe oferecer a nossa em tudo o que possa ser necessário.
Infelizmente, temos de reconhecer que a página do Evangelho de hoje não é virgem. Não foi um caso ocasional que aconteceu na história da relação dos discípulos entre si. O quotidiano das nossas vidas é um procurar o primeiro lugar, um ser mais importante do que o outro, um exigir que nos considerem e respeitem. Jesus não hesita em condenar esta sede de protagonismo que está em tantos padres e tantos leigos. Para estar no primeiro lugar é necessário dar espaços aos outros, passar para último e crescer na aventura de ser servo de todos.
Depois S. Tiago denuncia uma atitude frequentíssima nas nossas comunidades. A inveja e as rivalidades ocupam o lugar que a sabedoria do amor deveria ter. Cobiçamos e porque não alcançamos os nossos intentos, assassinamos os outros com críticas e suspeições. Somos invejosos e porque não conseguimos o que pretendemos, armamos conflitos e guerras. Não precisaremos de rever as nossas atitudes nas comunidades para reconhecer que necessitamos de muita conversão?
Nesta Igreja sinodal, a interiorizar nos grupos sinodais que irão surgir, não podemos desconsiderar o programa Pastoral que nos diz que, prioritariamente, a sinodalidade consiste em cuidar das feridas. Os grupos não nos vão fechar na reflexão. Devem suscitar mais atenção às feridas humanas, nas famílias e nos jovens, para nos determos perante elas e derramarmos o óleo da consolação e o vinho da esperança.
Que Nossa Senhora do Alívio nos ajude a viver a graça deste momento. As crises geraram sempre novas oportunidades. Algo de novo deve nascer. Vamos gerar vida cuidando de todos com gestos de fraternidade, e apontar caminhos de ressurreição pelo testemunho que daremos sendo comunidades unidas no amor.
† Jorge Ortiga,
Arcebispo Primaz
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