Arquidiocese de Braga -

22 outubro 2023

Corações, olhos e pés sinodais

Celebração 22/10/2023
Fotografia Santuário de Fátima

Homilia em Fátima, no XXIX Domingo do Tempo Comum

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1. Deus não é um César grande

Deus é servo de todos por amor. Uma pergunta tipo ratoeira, feita só para criar divisão: «é lícito ou não pagar o imposto a Roma?», isto é, ao inimigo. E Jesus que queria acabar com o conceito de inimigo. Claro que temos de pagar os impostos ao Estado. É um dever dos cidadãos. 

Todavia, o Evangelho concentra-nos noutra dimensão além da simples resposta de Jesus. Vejamos então, se tivéssemos a possibilidade de ter uma moeda romana perceberíamos logo que a cara do imperador não era uma simples homenagem ao imperador, mas indicava a propriedade. O imperador era o proprietário daquele ouro que a pessoa tinha nas mãos e a pessoa era apenas proprietário temporário. A inscrição sobre a moeda dizia «ao divino César» o «ao Deus Césa­r». Imediatamente Jesus quer dizer que César não é Deus. «Dai a Deus o que é de Deus». A César damos as coisas, a Deus damos o coração. A Deus não damos coisas, damo-nos a nós próprios, «porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo» (Papa Francisco, Laudate Deum).

 Todo e qualquer poder humano é dito: Não te apropries do ser humano. Para Jesus Deus não é o poder acima de qualquer poder, Deus é amor. Não é o dono das vidas, mas é o servidor dos vivos. Não é um César maior que os outros Césares, mas um servo que sofre por amor. É mais fácil cumprir com César do que com Deus. A relação com os “Césares” fica-se apenas numa relação exterior. Neste caso com o imposto a César fica tudo resolvido. Não é necessária uma afinidade. Dar a César não nos relaciona com César. Mas, “dar a Deus o que é de Deus” implica uma relação direta que não acaba com a entrega de um tributo. Alguns creem que Deus se contenta com exterioridades, pias devoções, esmolas e velas. Mas Ele deseja uma relação filial, como com o seu Filho Jesus, num diálogo, numa presença e numa partilha de vida. Jesus não usa o verbo pagar e emprega um verbo que não quer dizer apenas «dai», mas «restituí», «redai de volta». Porque nada do que tens é teu, de nada és proprietário, a não ser do teu coração. És filho de um dom, que existe antes de ti e vai além de ti. Tu, és um talen­to de ouro, dom que traz cunhada a imagem de Deus e, por isso, deves resti­tuir a Deus a ti mesmo.

2. Rosário de dons gratuitos

A nossa vida é um tecido de débitos, um rosário de dádivas gratuitas. E há tanto amor a restituir, tanta amizade e esperança a devolver! É urgente aprender a cultura do dar. A vida é, num encontro aberto, a síntese de duas alianças e dois amores, de dádivas e de débitos. E foi no alto da cruz que a reposta foi cunhada com a vida, assinada com o sangue. 

A peregrinação Nacional da Legião de Maria a Fátima deste ano desafia-nos a: “Como Maria, eis-me aqui”. 

Em Fátima, a Senhora une a sua mensagem à oração do rosário. A primeira exortação à oração quotidiana do rosário que Nossa Senhora fez aos três pastorinhos em Fátima foi em 13 de maio de 1917: «rezem o terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra». Na realidade, o rosário «pela sua simplicidade, permite exercitar a oração contínua, oração do coração e da mente, da invocação do nome de Jesus, do recurso contínuo a Maria no momento presente e na hora da morte» (J. Catellano).

Quando a Virgem Santa Maria dialoga com os três pastorinhos aqui em Fátima, o rosário era já a devoção do povo de Deus. Ao tempo, o rosário consistia na recitação de 150 Ave-marias, intermediadas em cada dezena de um Glória ao Pai e de um Pai-Nosso, meditando sobre os mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos da vida de Cristo e de Maria. Hoje, a configuração do rosário apresenta-se um pouco diferente. Com o objetivo de potenciar o sentido cristológico do rosário, São João Paulo II propôs integrar no esquema tradicional os mistérios luminosos, ou seja, os mistérios da vida pública de Cristo entre o Batismo e a paixão.

Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face é uma das santas mais conhecidas na Igreja e no Mundo, sendo grande mestra de evangelização no seu caminho da infância espiritual. De facto: «Século e meio depois do seu nascimento, Teresa está mais viva do que nunca no meio da Igreja em caminho, no coração do Povo de Deus. Está a peregrinar connosco, fazendo o bem sobre a terra, como tanto desejou. O sinal mais belo da sua vitalidade espiritual são as inúmeras “rosas” que vai espalhando, isto é, as graças que Deus nos concede pela sua intercessão cheia de amor, para nos sustentar no percurso da vida» (Papa Francisco, C’est la confiance).

3. Corações ardentes, pés ao caminho

A mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Missões, que hoje comemoramos, integrado no caminho sinodal da Igreja, inspira-se na história dos discípulos de Emaús, narrada por S. Lucas. De facto, «na narrativa evangélica, apreendemos a transformação dos discípulos a partir de algumas imagens sugestivas: corações ardentes pelas escrituras explicadas por Jesus, olhos abertos para O reconhecer e, como ponto culminante, pés ao caminho». Meditando a peregrinação dos discípulos de Emaús, possamos renovar o zelo pela evangelização do mundo de hoje.

A Missa leva sempre à Missão. Não pode haver Missão sem Liturgia e Liturgia sem Missão. O mesmo alinhamento está a ser preparado para o 5º Congresso Eucarístico Nacional, a realizar em Braga, de 31 de maio a 2 de junho de 2024, sob o tema: partilhar o pão, alimentar a esperança. Reconheceram-no ao partir do pão (Lc 24,35). Estamos todos convidados a participar.

Este partir do pão é o próprio Cristo que é partido no pão da Eucaristia, da caridade, no encontro com os pobres, os mais vulneráveis, mais frágeis, com todas as necessidades do mundo em que vivemos para que tenhamos este sentido de plenitude e sejamos capazes, à luz das escrituras, reconhecê-los em todas as pessoas e situações da comunidade neste tempo tão delicado.

+ José Manuel Cordeiro