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7 Nov 2015
Desigualdade versus Fraternidade
Discurso na Conferência Anual da Comissão Nacional Justiça e Paz
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O Papa Francisco recuperou, na Evangelii Gaudium, uma categoria do Concílio Vaticano II que estava a cair em esquecimento ou a ser recordada apenas circunstancialmente. Refiro-me ao modelo da Igreja como Povo de Deus. Um povo não dobrado sobre si mesmo e os seus objectivos pastorais mas numa atitude de profunda doação, vivida na corajosa atitude de proclamar o Evangelho.

Na verdade, o terceiro capítulo desta Exortação Apostólica intitula-se “Todo o Povo de Deus anuncia o Evangelho”. Pretende-se, neste texto, exortar a que o cristão se deixe permear pela novidade do Evangelho e se tornar, sempre e em qualquer lugar, um “sujeito activo da evangelização”. O Evangelho, na sua essência, deve ser proclamado por todos sem necessidade de profissionais agregados num “grupo exclusivo.”

A sociedade hodierna exige que a Igreja, enquanto comunidade, mostre a sua fé numa vivência coerente e num anúncio corajoso. A fé gera sempre um testemunho que anuncia como consequência de um testemunho de quem a vive.

Se viver é complexo, anunciar é a atitude que, na humildade de meros servidores, exige firmeza e coragem para que ela chegue ao espaço público sem arrogância mas também sem falsos pudores ou medos. As atitudes politicamente correctas não fazem parte da identidade cristã. Isto porque conduzem, invariavelmente, à abstenção da proposta, nas circunstâncias normais da vida, do ideal cristão. Não se propõem os valores cristãos por medo do que possa acontecer.

O Papa Francisco fala do “testemunho explícito” (E.G. 121) e sublinha que nunca nos deve mover um interesse proselitista mas sim uma intrínseca necessidade de partilhar o que para nós é verdadeiramente precioso. Neste momento de insegurança e de desorientação, a Igreja, como Povo de Deus, não pode furtar-se a esta responsabilidade. 

A Doutrina Social da Igreja não é uma utopia, isto é, um lugar que não existe, mas antes uma heterotopia, um lugar-outro. Trata-se de algo diferente mas realizável. Na verdade, o Evangelho tem a força de criar homens novos capazes, por seu lado, de gerar uma sociedade nova. Penso que esta atitude tem estado muito alheia das comunidades cristãs e este mundo-outro deve entrar, sem receios, nos objectivos e responsabilidades com carácter de urgência.

Daí que, quando uma sociedade nos manifesta desigualdades escandalosas, a Igreja tem o dever de assumir que a sua missão passa por criar condições para que o Deus em quem acredita seja efectivamente Pai que proporciona uma fraternidade lógica e universal. Não é um grupo encerrado nos templos mas uma comunidade que experimenta o amor como norma e concretiza a fraternidade como critério de uma sociedade de verdadeira inclusão. 

Jesus anunciou um mundo novo que ainda não se concretizou plenamente. No plano social, não se trata de renunciar aos bens ou propriedades mas de acreditar que tudo foi criado para todos. A vida é um património universal. Trata-se de ousar anunciar, propor corajosamente o que alguém afirma: “A propriedade, contrariamente a quanto acontece habitualmente na sociedade, não é mais uma realidade que divide mas um meio que nos torna irmãos, não uma causa de divisão da comunidade em ricos e pobres, mas um meio para construir um tipo de igualdade até ao desaparecimento – paradoxalmente – da pobreza.”. Os primeiros tempos da Igreja foram isso mesmo. Uma comunhão de corações de almas e, consequentemente, de bens, que foi capaz de eliminar divisões de culturas, povos e estratos sociais. Não é uma utopia uma sociedade igual. É uma heterotopia, uma sociedade-outra que teremos de construir.

Esta Conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz sobre “Sociedade Desigual ou Sociedade Fraterna” exige que a Igreja em Portugal saia dos seus esquemas e lugares e entre, corajosamente, no areópago das diferentes correntes. Compete-lhe anunciar que o mundo novo é, em Cristo, uma realidade palpável e que, por isso mesmo, comporta uma nova sociabilidade a partir de células de ambiente.

Auguro que Igreja seja capaz de, colegialmente, como Povo de Deus, rasgar novos horizontes e falar com uma voz profética. Com inércia ou medo nunca o conseguiremos fazer. Apenas a consciência de que somos um povo profético, capaz de ver o mundo na sua contextura intrincada, e a segurança no Deus para quem não há impossíveis permitem, a longo prazo, abater os muros da desigualdade e construir uma sociedade fraterna.


Lisboa, 07 Novembro 2015

+ Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

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