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12 Mar 2021
A fraternidade como paradigma social
Discurso de D. Jorge Ortiga na segunda sessão da Nova Ágora de 2021.
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De regresso ao encontro aberto de ideias e experiências, uma saudação a todos quantos nos seguem através da internet. Podemos estar distantes, mas estamos contudo próximos na reflexão e no compromisso que ela poderá trazer. A minha gratidão aos conferencistas e moderadores, pela ajuda que nos oferecerão nesta procura de caminhos novos no mundo da Saúde e da Medicina. Como sempre, sublinho que não resolveremos os problemas mas queremos sair daqui inquietos e motivados para prosseguir o diálogo dentro dos espaços da Igreja ou fora deles. Todos somos construtores da História. O contributo é individual mas também deve ser colectivo. Volto, por isso, a levantar a hipótese de irmos construindo laboratórios culturais pois é de uma cultura nova que se trata.

A reflexão de hoje partirá de uma temática muito desafiante. “Medicina e saúde à luz da pandemia”. Tornou-se um lugar comum afirmar que com a pandemia nada ficará igual. Isto tem uma aplicação económica, social, mas sobretudo sanitária. Passamos por momentos difíceis e importa tirar lições. Não podemos sofrer e continuar a sofrer em vão. Urge olhar para o futuro. O que é que a pandemia traz de novo e de perdurável para o mundo da saúde e da medicina? Foram muitas as intuições que diariamente foram surgindo. Tudo a dizer que, sem desconsiderar o passado, são necessários caminhos novos que nunca acontecerão por obra de alguns iluminados e predestinados. A responsabilidade é plural. Não podemos continuar num mundo fragmentado, egoísta, onde se pensa que é possível sobreviver sozinho. Para crentes e não crentes, ficou na retina a imagem de um Papa sozinho na Praça de S. Pedro, habitualmente cheia, a gritar que estamos todos no mesmo barco e que ou nos salvamos todos ou pereceremos todos. Na verdade, a pandemia vai exigir comportamentos novos por parte das pessoas e das entidades governamentais, nacionais e internacionais. Não serão mais permitidos comportamentos egoístas.

Não me antecipo à reflexão que teremos. Ouso deixar apenas dois pensamentos.

Por muito que nos custe, teremos de salvaguardar mais o cuidado das pessoas do que o lucro. Lutámos muito pelo número dos mortos que aconteciam diariamente e fomos exultando à medida que o número descia. Não se olhou a gastos e verificamos um investimento muito significativo por parte do Estado e das autarquias. A vida não tem valor. Foi interessante o espírito colaborativo na investigação para encontrar as vacinas. Agora que a fórmula foi encontrada, parece que o interesse dos laboratórios se sobrepõe ao bem da Humanidade. A economia está a impor os seus ditames e parece desejar que o mundo continue dividido entre países ricos e pobres. Não podemos esquecer uma real interdependência que vai afectar o futuro. Como em tantos outros sectores, também na medicina e saúde o mundo terá de ser esta pequena aldeia global onde a fraternidade deveria ser lei.

Daí sublinhe que, neste contexto de pandemia, se devesse reconhecer que é fundamental tutelar o direito à saúde para todos, num cuidado muito especial pelos mais frágeis. As pessoas não são números. Também aqui, a voz do Papa Francisco tem sido profética e acolhida por pessoas de todas as sensibilidades religiosas. “Contra a cultura, diz ele, do descartável e da indiferença, cumpre afirmar que se há-de colocar o dom como paradigma capaz de desafiar o individualismo e fragmentação social dos nossos dias”. Trata-se de promover a cultura do dom entre os Estados e entre as pessoas, em bens materiais e nos pequenos sinais que dão qualidade de vida a todos. Sabemos que saúde não é somente a ausência de doenças mas bem-estar que envolve a dimensão física, mental, social e espiritual.

Nesta lógica do dom, quero aproveitar este momento para, em nome da Igreja de Braga, testemunhar a minha gratidão a todos quantos estiveram na linha da frente, num trabalho árduo e até heróico. Médicos, enfermeiros, agentes sanitários, voluntários, envolveram-se numa proximidade e ternura com o risco da própria vida. Muitas vezes exaustos nunca regatearam esforços. Não podendo regressar a casa, iam dormindo ou descansando algumas horas em qualquer lugar.

Quero, também, deixar os meus sentimentos de proximidade a quantos sofrem ou sofreram por causa da pandemia. Foi grande o sofrimento de tantas famílias. A guerra ainda não está ganha, até porque deixou muitas marcas. Algumas já individualizadas e outras que poderão vir a acontecer. Na impossibilidade de abraços, vai a certeza de que os recordo e acompanho.

Não posso deixar de sensibilizar para uma responsabilidade colectiva, que nunca poderemos esquecer, em relação àqueles que foram vencidos pela pandemia. A morte acompanhou-nos todos os dias. Nem sempre foi possível fazer o luto adequado. Estas partidas foram feitas na solidão, sem despedidas, para confidenciar vontades. São situações que nunca podemos esquecer. Recordar os mortos e aqueles que ainda estão marcados pela morte terá de ser lição para que vivamos uma solidariedade permanente. Intensifiquemos a comunhão entre nós e aproveitemos a vida para criar laços afectivos, que devem existir com ou sem abraços. Devemos querer-nos bem, dentro da família e fora, pois nascemos para isso.

No meu temperamento de pessoa contente mas insatisfeita, registei um pensamento do Papa Francisco que pode solicitar uma maior proximidade e entrega de todos os profissionais de saúde. Dizia que começaram um milagre mas que era imperioso que terminassem esse milagre que iniciaram. É esta a tarefa que toca a todos. A pandemia envolveu-nos a todos e, para honrar o sofrimento dos doentes Covid e dos seus familiares, devemos delinear um futuro alicerçado numa convivência humana a partir da convicção profunda de que somos irmãos.

A sociedade digital aproximou-nos mas não está a tornar-nos próximos. Vizinhos sim. Ser próximo, que se deixa tocar pelas debilidades dos outros, que permite que a compaixão se torne motivação, que sente de se envolver doando o afecto e a ternura. Este é o milagre a ir concretizando dia-a-dia, momento após momento. Acredito que a grande lição da pandemia para o mundo da saúde e da medicina consiste em interpretar gestos de um amor criativo que nunca se cansa e que acredita que a debilidade e fraqueza humana não são a última palavra. Com o amor tudo terá ultrapassado. Lidar com a doença não é só trabalho de alguns. A proximidade a oferecer deve estar em casa e na relação com os amigos. Todos carregamos ou devemos carregar as cruzes uns dos outros e, mesmo fora de um ambiente profissional, pode-se dar vida a quem sofre e precisa de presença. Vai também uma palavra para os cuidadores informais. Alguns já com o seu estatuto definido. Outros numa doação permanente, marcada pela gratuidade, sem nada pretender. Quanto amor passa por mãos generosos e escondidas. Do fundo do coração, um grandíssimo obrigado.

Quantas mais conclusões tiraremos da pandemia? Ouçamos os nossos convidados a quem, mais uma vez, agradeço.

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