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22 Fev 2021
Para que a fé se torne cultura
Discurso no encontro de professores de EMRC
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Nunca foi pacífica a relação entre a fé e a cultura. Muitos falam da sua incompatibilidade e outros gostariam que fosse um matrimónio fácil e duradoiro. Importa pensar no equilíbrio adequado.

Uma fé desligada da cultura com muita facilidade significa impor um conjunto de valores que apenas alguns acolhem, perdendo-se as condições necessárias para um acesso universal. Só alguns a entendem e nem todos se sentem envolvidos ou com vontade para isso.

Por seu lado, uma cultura separada de fé será sempre algo de incompleto e nunca terá capacidade de responder a necessidades fundamentais e estruturantes da vida. Faltam-lhe horizontes e as respostas às questões fundamentais escasseiam.

Fé e cultura nasceram para caminhar juntas, por muito que alguns o queiram negar. Ligar a fé à cultura não é uma simples preocupação religiosa. Repercute-se na cidadania e gera responsabilidade perante a sociedade a construir. Importa uma aliança com diversos vectores a equacionar. A fé é essencialmente humano-divina e a cultura promove o que de melhor a Humanidade possui. O cristianismo não pode ficar só nas devoções e a cultura não pode navegar o divino.

Sabemos que a cultura é como um poliedro. Pode ser encarada de diversas perspectivas. Haverá uma palavra que expresse esta necessária aliança na sociedade contemporânea? Estamos num mundo globalizado e fragmentado, marcado por um individualismo com preocupações quase exclusivamente económicas. Como entrelaçar estas aspirações da Humanidade com a novidade perene do Cristianismo? O Papa Francisco tem vindo a propor uma cultura que não consiste em meras reflexões teóricas mas que envolve a vida com todas as problemáticas que ela encerra. Vai-lhe dando diversos nomes. A cultura do encontro é a mais emblemática e deverá fazer parte do ideário da Escola Católica. É cultura e expressa a fé. Ela encerra muitos elementos constitutivos que não podem ser negligenciados. Enumero alguns.

1. Deve acontecer no encontro consigo mesmo, onde a consciência assume diversas opções e convicções. Cada um não é fiel a si mesmo se não tiver a capacidade de fazer escolhas que marquem a vida. Estruturar a personalidade é a primeira responsabilidade que faz com que se seja capaz de escolher e de decidir, não por pressões externas mas por motivações pessoais. Ajudará a compreender o que é verdadeiramente essencial a leitura da Constituição Apostólica “A alegria da verdade” (Veritatis gaudium), do Papa Francisco, assinada em 2017. É dirigida às universidades e faculdades eclesiásticas mas os colégios podem encontrar aí muita novidade. Basta o pórtico. “A alegria da verdade é expressão de desejo ardente que traz inquieto o coração da cada ser humano enquanto não encontra, habita e partilha com todos a Luz de Deus. Efetivamente, a verdade não é uma ideia abstrata, mas é Jesus, o Verbo de Deus, em quem está a Vida e a Luz dos homens... Só Ele, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre a sua vocação sublime” (VG.1). Ensinar a encontrar-se consigo torna o encontro com Cristo um caminho prioritário e inquestionável.

2. A cultura do encontro é mais evidente na relação com os outros. Não há indiferença, nem passar à frente mas a vontade de parar para celebrar a experiência da fraternidade, depois de acolher Deus como Pai de todos. Também aqui podemos entrar nas implicações culturais de caminhar com os homens, descobrindo a fraternidade e a amizade social como o novo paradigma cultural que o Papa veio apresentar na Fratelli Tutti. O mundo está a destruir a liberdade e a igualdade porque desconsiderou a fraternidade. A fraternidade é o princípio social que esta a faltar à cultura moderna.

A fraternidade deve ser universal mas terá de encontrar nos pobres uma opção mais visível, suscitando atitudes não só em campanhas de solidariedade mas de um compromisso para que as causas das misérias humanas desapareçam. 

3. A cultura do encontro, como expressão e vivência da fé, terá de se alargar à natureza. O Papa fala de uma ecologia integral onde se integra a económica, social e ambiental. Não há uma ecologia verde e uma ecologia humana. Há apenas uma que exige comportamentos, no quotidiano, de respeito e cuidado com o criado. Também aqui a fé justifica todas as opções a tomar quando aceita um Deus que é criador. Sem este substrato, acontecerão iniciativas mas os resultados serão muito poucos. A Laudato si’ pode e deve ser compêndio a permear toda a formação. Não bastam algumas aulas sobre a natureza. O respeito por ela é a vertente cultural mais fundamental para os dias de hoje.

4. Esta cultura do encontro terá de se alicerçar num pressuposto estruturante. Nunca pode ser interpretado isoladamente. Os tempos que correm exigem o colectivo. Já o Papa S. João Paulo II falava de uma cultura do “nós” a exigir também uma espiritualidade comunitária. Não podemos ser ilhas ou navegadores solitários. Caminhamos com os outros e fazemos experiência de comunidade a partir da família, para tornar a Igreja uma família de famílias, empenhada no bem comum e percorrendo caminhos de solidariedade efectiva. A Igreja não é um refúgio, um lugar onde nos escondemos para evitar as intempéries. 

A Igreja não é uma teoria. É realidade visível na sua constituição e a cultura do encontro também passa por aqui. A Escola Católica é sempre uma entidade eclesial a quem se confia uma missão. Há um projecto civilizacional que imana de Cristo e que aí deve ser interpretado. Fá-lo não só na transmissão ocasional de conteúdos doutrinais. Dia a dia, momento após momento, dentro das salas e fora, nas conversas e nas tertúlias, compete-lhe a missão de propor uma fé com um rosto cultural. E isto deve acontecer a partir de uma Igreja no território. A Igreja local é o ginásio onde se treina, se exercita e se afere a qualidade da proposta cultural do seu projecto educativo.

Se exemplifiquei os conteúdos da cultura do encontro consigo, com os outros, com a natureza e com a Igreja, servindo-me de alguns documentos papais, deixo ficar ainda uma síntese que é desafio a ter sempre presente. Recordo e recomendo a Exortação Apostólica “Cristo Vive”, particularmente dedicada aos jovens mas também a todo o Povo de Deus. O número um do documento é programático. “Cristo, nossa esperança, está vivo e é a mais formosa juventude deste mundo. Tudo aquilo que ele toca torna-se jovem, faz-se novo, enche-se de vida. Então as primeiras palavras que quero dizer a cada um dos jovens cristãos: Ele vive e quer-te vivo”. Mostrar Cristo vivo e tudo fazer para que os jovens encontrem n’Ele a vida.

Talvez vos pergunteis sobre o que pretendo com esta mensagem. Tudo menos comunicar um discurso. Quis partilhar uma convicção sobre a identidade e a diferença das Escolas Católica no contexto do ensino em Portugal. Por seu intermédio a fé, revestindo-se de formas culturais, deve fazer parte do projecto educativo. Nunca algo imposto ou decorativo por meio de algumas iniciativas religiosas. Estas são importantes. Importa estruturar personalidades a partir da mensagem evangélica. Não impomos uma cultura. Como diz o Papa Bento XVI, tudo deverá acontecer por “atracção”. O Papa Francisco especificou dizendo “por transbordamento”. Outrora bastavam aulas. Hoje, muitas vezes, são contraproducentes.

Não é fácil estar nesta arena onde outros jogam com armas mais atractivas e a mentalidade corrente arrasta. Só temos uma estratégia a nível interno e externo. A Arquidiocese propôs a sinodalidade como caminho para todas as suas instâncias. É esta referência que a todos envolve: corpo docente, direções e funcionários. Só um projecto comum, devidamente pensado e executado, corresponde ao que se espera hoje. Todos deveriam envolver-se e quem não estiver disponível não deveria fazer parte da equipa. Não é fácil este discernimento. Não bastam professores competentes nas mais variadas disciplinas. Podem estar a construir intelectualmente e a destruir em responsabilidade cristã. 

A sinodalidade significa que estamos dentro do mesmo barco, remando a um ritmo certo, obedecendo a quem orienta. Para além desta sinodalidade interna é imperioso outra externa. O ensino católico não pode ser um assunto de concorrências. Também aqui teremos de remar dentro do mesmo barco. Precisamos de um trabalho consistente e em rede. Sem unidade efectiva com o Departamento para a Presença da Igreja no Ensino, assumindo que se trata de um projeto comum, não avançaremos com segurança e com resultados objectivos. Só a unidade entre todos garantirá tranquilidade para nos apoiarmos nos momentos difíceis, para partilharmos experiências e para interpretar caminhos de novidade educativa. A minha gratidão ao P. Rúben pelo trabalho que está a realizar. Intensifiquemos este trabalho em comum que não retira nada à originalidade de cada escola. Na unidade e comunhão ninguém perde e todos ganham.

Outra vertente da sinodalidade está na Arquidiocese. É preciso caminhar com ela e aceitar os seus programas. Os colégios podem e devem ser um instrumento de consciencialização eclesial. Os pais querem um ensino de qualidade e contentam-se com isso. Com muita sabedoria teremos de lhe mostrar a importância da Igreja, na história e no presente. Importaria envolvê-los e mostrar-lhes que temos um projecto humanista e não algo meramente religioso. 

Nesta sinodalidade diocesana entra o arcebispo. Não se quer intrometer, mas está permanentemente com cada escola e colégio. Os que são propriedade da Arquidiocese de um modo especial. Todos me estão no coração como uma causa que acompanho, rezo e desejo que avancem serena e responsavelmente neste mar agitado do ensino particular. Aceitem a minha gratidão, dirigida a todos, mas particularmente aos membros das direcções. Estou no barco convosco. Neste barco não quero estar a dormir. E, se isso acontecer, acordai-me para que as vossas alegrias e tristezas sejam as minhas.   

Concluindo, é missão da Escola Católica tudo fazer para que a fé se torne cultura. Em tempo de desencontros existenciais e geracionais, a cultura da fraternidade, nas intuições da Fratelli Tutti, deve ser percurso formativo a envolver toda a comunidade educativa, na certeza de que por aí passa a sua identidade e diferença em relação a tantas outras propostas.

 

 † Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

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