Arquidiocese de Braga -

23 março 2020

Segunda-feira da IV Semana da Quaresma

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Homilia no Paço Arquiepiscopal

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Continuamos a observar o que a vida nos oferece, procurando tomar consciência de realidades que estão adormecidas na nossa vida. O Concílio Vaticano II desafiou a Igreja, no programa de renovação eclesial, a ser capaz de ler os sinais dos tempos. Há muitos e de variada ordem que se vão sucedendo se lhe prestarmos a devida atenção. Os cristãos individualmente e a Igreja na sua globalidade, a começar pelos bispos e sacerdotes, nunca poderão esquecer este objectivo. Há coisas que não podemos ignorar e que nos devem levar a uma atitude de conversão nas nossas vidas e de mudança das estruturas. É este o profetismo que se espera de todos.

Pode não ser muito fácil, sobretudo quando queremos agir no nosso meio ambiente. O evangelista S. João recorda que Cristo reconheceu que não era fácil ser profeta na sua terra. Mas ele não se alheou nem cruzou os braços. Foi até ao fim da sua missão, apesar do sofrimento que tudo trouxe. Isaías diz-nos que Deus quer criar novos céus e nova terra, o que oferecerá muita alegria e felicidade a todos. O trabalho é motivo de júbilo no presente. Não se ouvirão vozes de pranto nem gritos de angústia e as crianças e os velhos nunca mais viverão sozinhos.

O Coronavirus, pondo em perigo qualquer um, independentemente da sua riqueza ou do seu estatuto, faz de todos nós semelhantes, não apenas perante a inevitabilidade da morte mas perante o direito à vida, à saúde e à justiça”. Todos somos vulneráveis perante a tirania de algo que nem sequer se vê. Haverá muitas lições a extrair desta verdade inquestionável. Mas uma conclusão evidente é que perante esta situação de mal comum, teremos de descobrir o que é o bem comum, hoje tão pouco falado, talvez negligenciado e sobretudo esquecido por todos, nomeadamente aqueles que deveriam ser os seus profissionais. Os políticos são profissionais do bem comum mas o cristão também o é no horizonte do seu agir. Somos uns para os outros, tenho-o dito tantas vezes nesta minha partilha diária, e esta emergência deveria conduzir-nos a reconhecer que o bem comum é o bem de todos que deve ser procurado por cada um. A minha vida é a vida dos outros e a vida dos outros é a minha vida. Como tal, devo, todos os dias, dar o meu contributo para o bem comum. Nunca poderei ter atitudes irresponsáveis, em consequência daquilo que faço e por aquilo que omito. Estas atitudes, mais tarde ou mais cedo, prejudicarão o todo.

Ao pensar no bem comum e na obrigação que temos de profeticamente denunciar tudo que possa prejudicar, quero acrescentar mais uma ideia tirada do Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Com este pensamento ficamos com uma noção mais clara sobre o que é o bem comum. Uma sociedade que, a todos os níveis, quer intencionalmente estar ao serviço do ser humano é a que propõe, como meta prioritária, o bem comum, enquanto bem de todos os Homens e do Homem todo. A pessoa não pode encontrar plena realização somente em si mesma, prescindindo do seu ser “com” e “pelos” outros. Esta verdade impõe-lhe não uma simples convivência aos vários níveis da vida social e relacional, mas a busca incansável, de modo prático e não só ideal, do bem ou do sentido e da verdade que se podem encontrar nas formas de vida social existentes.” Não podemos ter dúvida. Em primeiro lugar, saber que o bem comum engloba o ser humano na sua integridade e, depois, ele terá de ser procurado de todas formas e feitios.

Nos últimos tempos, falamos com insistência na globalização, reconhecendo os bens que oferece e os males que também patrocina. Até agora era, quase que exclusivamente, interpretada em termos financeiros ou económicos. Com esta epidemia, devemos reconhecer que esta se transformou numa globalização existencial, envolvendo a existência de todos. Vivemos todos, em simultâneo, os mesmos desafios. Ninguém consegue escapar ou fugir.

Esta certeza de que devemos empenhar-nos no bem comum, deveria levar a que fossemos capazes de tecer um laço social responsável. Ao presenciarmos as fragilidades dos nossos esquemas de vida, não nos podemos distrair do essencial. Um compromisso muito concreto poderia ser aquele de termos a coragem de ver as periferias que persistem na nossas sociedades. É no campo do desemprego, da habitação, do necessário para viver, da marginalidade em que colocamos tantas pessoas, quase que as esquecendo. Há muitas barreiras ou muros que necessitam de ser destruídos. Teoricamente todos reconhecem que é verdade. Só que importa trabalhar com persistência, desenhando todos os dias metas ao nosso agir social ou eclesial. Jesus, como verdadeiro profeta, não foi bem acolhido na sua terra. Connosco pode parecer o mesmo. Mas Ele não cruzou os braços. Como Ele, apaixonemo-nos pelo bem comum. 

 

 † Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

 

Introdução

Há pessoas que entram todos os dias na nossa vida e nem sequer nos apercebemos. São presenças insubstituíveis que não falam nem exibem o que fazem. A circunstância que vivemos deve trazer esta descoberta. Deveríamos ver esta multidão de pessoas que servem no anonimato. 

Talvez paguemos os seus serviços mas esquecemos o elementar dever da gratidão. A qualidade da nossa vida passa pelas suas mãos, braços, competência, profissionalismo. Tomemos, por isso, consciência daqueles que nos servem e, de um modo muito particular, daqueles que estão servindo os bem comum. Recordo todos os profissionais de saúde, aqueles que trabalham nos serviços públicos respondendo às necessidades essenciais, médicos e enfermeiros, colaboradores que nos Centros Sociais que cuidam dos idosos, polícias, bombeiros e transportadores de doentes, comerciantes de bens elementares. O seu trabalho é de risco. Hoje, com a nossa oração, vamos dizer-lhes que não estão sozinhos. Rezaremos por eles nesta eucarística mas também diariamente. Há uma rectaguarda silenciosa que vos acompanha e vos dá alento. Tomemos noção do que fazem por nós e mostremos o nosso amor.

Momento da paz

A eucaristia é pão partilhado e repartido por todos. Nunca podemos desconsiderar a presença de Jesus numa hóstia consagrada. Estes momentos de maior serenidade interior podem conduzir-nos a interiorizar esta verdade fundamental da nossa fé. Urge não esquecer o que professamos. Se é o mesmo Jesus que comungamos, sabemos que a comunhão é semente deste mundo unido a construir e não apenas supor que existe. Sempre que comungamos participamos no projecto de Cristo de nos corresponsabilizarmos por um mundo novo que deve nascer por nosso intermédio. Tenhamos presentes aqueles e aquelas que, agora, e de um modo mais visível, trabalham para nós. 

Manifestemos a nossa gratidão. O seu trabalho não é apenas um meio para merecer um ordenado. Também cada um, em qualquer lugar e profissão, trabalha para o bem comum. Sejamos perfeitos no que fazemos. Que o abraço da paz chegue aos que neste momento labutam na trincheira do serviço comunitário. Daqui vai o meu calor e afecto. Não vos canseis. Convosco iremos vencer.

Despedida

Mais uma vez somos enviados para a vida. Não podemos entrar na rotina. Continuemos a querer ver as realidades que compõem a vida. Estamos nas mãos de muitas pessoas. Hoje não irei deitar-me sem agradecer o dom da vida de tantos. Enumeremos concretamente alguns nomes.

Poderemos, infelizmente, não saber o seu nome, apesar de todos os dias lhes pedirmos alguma coisa. A sociedade do anonimato não deveria ter espaço entre nós. Procuremos saber o nome de muitos e não tenhamos vergonha de lhes manifestar o nosso obrigado. Sem eles não existimos. É uma cadeia existencial que nos liga de um modo indelével. Sejamos capazes, também, de analisar a nossa responsabilidade pelo bem comum.


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