Arquidiocese de Braga -

25 abril 2018

“Se Deus me chama a ser padre, estará sempre ao meu lado e nunca me irá abandonar”

Fotografia DACS

Flávia Barbosa / DACS | Fotografias: DACS

Tiago Varanda nasceu com Glaucoma. Aos 16 anos a doença levou-lhe definitivamente a visão, mas não a luz. Encontrou-a dentro de si, nos outros, na confiança e no encontro com Cristo. Com 33 anos, o futuro sacerdote vê muito para além dos olhos.

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Está um dia de bastante calor, abafado até. Tiago surge na companhia de Ibiza, a sua cadela-guia, uma labradora de pêlo claro. Ibiza está presa pelo arnês, mas nota-se a agitação perante uma pessoa estranha. O dono retira o equipamento e autoriza o contacto com a cadela que, livre do arnês, abana vigorosamente a cauda, dá pequenos saltos de entusiasmo e procura as mãos da nova presença na sala para mordiscar e brincar. Após alguns minutos de festas, Tiago volta a colocar o arnês. O comportamento do animal modifica-se completa e instantaneamente: a cauda sossega, Ibiza assume uma posição de alerta, estática, ao pé do dono. Percebeu que está em trabalho novamente.

As mãos de Tiago, que tremem ligeiramente, denunciam-lhe o nervosismo conferido pela entrevista. Ibiza também parece desconfiada, mas após alguns minutos deita-se no chão frio a repousar da caminhada que fez com o dono debaixo de um sol abrasador. Tiago faz-lhe algumas festas e fala-lhe em tom suave; Ibiza vai fechando os olhos gradualmente.

 

Um nó angustiante

Tiago foi ordenado diácono no passado Domingo. Fez-se história em Portugal: é o primeiro diácono cego no país. Será o primeiro padre português invisual daqui a um ano. A conversa entre nós começa em tom informal, com explicações sobre os cães-guia. Nunca se deve distrair estes animais quando estão em trabalho. Nada de mimos ou ofertas de comida. A conversa deve ser dirigida ao dono, nunca ao animal. Tocar no arnês pode constituir um perigo, já que pode distrair o cão e causar um acidente. Antes de Ibiza, que tem actualmente cinco anos, Tiago teve Misha como companhia. Reconhece que os dois animais lhe mudaram a vida para muito melhor. Ajudaram-no em novos percursos, espaços diferentes. Ibiza não irá acompanhar o futuro sacerdote quando este estiver a celebrar, mas neste momento faz-lhe companhia quando Tiago quando vai à missa.

“É engraçado, quando vou à missa deixa-me ir à Comunhão e fica muito sossegada no banquinho. Por vezes, no final da eucaristia, ainda fico a rezar um pouco. E ela percebe que quando me ajoelho e depois faço o sinal da cruz, é altura de ir embora. É incrível, é impressionante”, explica Tiago, sem esconder o fascínio pela companheira.

Apesar do nervosismo, Tiago irradia confiança e serenidade. Como chegou até aqui? Porquê entrar no Seminário com 28 anos?

“Cheguei aqui na confiança. Enquanto não fui capaz de confiar em Deus e também nas pessoas que Ele tem colocado na minha vida, no meu caminho, nunca fui capaz de tomar a decisão. Durante bastantes anos resisti de certo modo… andei indeciso! Eu queria ter certezas: «só vou para padre se tiver certeza que Deus quer que eu seja padre». Mas quanto mais pensava, mais confuso e angustiado ficava”, diz.

Foram cerca de seis anos de indecisão: para além do sacerdócio, o matrimónio também se afigurava como vocação. Tiago explica que tinha um “nó” dentro de si: por muito que se esforçasse por desafazê-lo, as linhas na busca por certezas só o tornavam mais apertado. Só quando percebeu que a vida não se faz de certezas, mas sim da confiança em arriscar, é que foi capaz de “desatar o nó”.

Fez o Ensino Secundário como qualquer jovem. Na adolescência surgiu o primeiro desejo de ser padre, uma vontade que Tiago descreve como na altura sendo superficial, um pouco imatura. Por essa altura surge também o amor na sua vida. A paixão faz com que adie mais uma vez a decisão.

“Não tive coragem para tomar essa decisão, ponderei entrar no Seminário no décimo ano mas não consegui. Gostava de uma rapariga!… E depois arranjei outra desculpa, que a cegueira me impediria de seguir o sacerdócio. Na altura questionei alguém sobre isso e disseram-me que me dantes não podia haver sacerdotes cegos, mas não sabiam como estavam as coisas agora. Bom, para mim foi a desculpa ideal para nem pensar mais nisso, para fugir ao que estava cá dentro! No fundo foi uma desculpa, eu não tinha era coragem, foi a forma de fugir ao apelo que tinha cá dentro”, confessa, entre risos.

 

As surpresas de Deus

Afastada a hipótese do sacerdócio, Tiago ingressa no Ensino Superior, no curso de História. A disciplina fascinava-o e o ensino parecia ser outra vocação a seguir.

“Depois de alguns anos, comecei a perceber que quanto mais pensava naquilo, mais angustiado me sentia. Então comecei a ter outra atitude. O trabalho foi uma experiência nova que me ajudou a encontrar alguma serenidade. Ajudou a dar um sentido à minha vida sem ser necessário estar logo a querer saber se Deus me queria padre, se me queria casado… Não, naquele momento Deus queria que eu trabalhasse. Era uma coisa que eu gostava, sentia-me muito bem, muito realizado. Senti que era a vontade de Deus naquele momento: fazer o meu melhor, dar o meu melhor no trabalho”, explica.

E assim foi durante algum tempo. Tiago tentava dar o melhor de si, ser bom professor, ajudar os alunos nas dificuldades que sentiam. A fome de Deus que percepcionava em alguns dos educandos era uma das suas novas missões: tentava saciá-la, ajudando-os a encontrar e conhecer Jesus. Não só aos alunos, mas, por vezes, também às respectivas famílias.

Importa agora recuar um pouco. No terceiro ano de Universidade, Tiago fez uma experiência com um grupo de jovens franciscanos em Taizé que voltou a abanar as suas convicções.

“Gostei imenso da espiritualidade deles, da simplicidade… Tocou-me muito a experiência de oração, marcou-me profundamente. Retomei a possibilidade de ser padre. Falei com um dos frades, o Frei Fabrício, que me disse que o facto de ser cego não era desculpa para não ser padre, não era impossível! Depois daquela experiência tão forte de espiritualidade, de oração, de encontro com Jesus Cristo, isso fez-me pensar. Aí retomei a sério o discernimento vocacional”, refere. O sorriso de Tiago já adivinha que a história não fica por aí. Deus volta a surpreender: um novo amor e um namoro trocam-lhe as voltas.

“Apesar de eu ver pouco e de a visão já não me servir muito para me orientar, muito menos para estudar, o facto de ver o sol, a luz do dia é maravilhoso! E deixar de ver sequer ponta de luz… Quando ia viajar gostava muito de ver as paisagens, já só via os contornos genéricos das paisagens, mas via o verde da folhagem e o azul do céu… Deixar de ver isso tudo foi muito doloroso.”

“Depois dessa experiência espiritual veio o namoro. Aí é que foi uma confusão! A experiência amorosa foi muito importante. Porque mesmo durante a relação algumas vezes percebi um outro apelo para além daquele, quase como se fosse libertador, algo que me libertava e não era no namoro. No fundo, eu queria negar esse apelo, mas não conseguia. Terminou o namoro e entrei novamente nessa indecisão… é que terminou o namoro mas continuei sem coragem para entrar no Seminário! Esse franciscano até me propôs fazer uma experiência com eles e eu nem para isso tive coragem. Passei ali uns anos de impasse um bocado difíceis…”, explica, sorrindo.

Assim continuou a Universidade e depois o trabalho. Só uns anos mais tarde, já depois dos 25, é que a ideia do sacerdócio volta a ganhar mais força. Estando a leccionar em Cabeceiras de Basto na altura, Tiago é desafiado por um diácono e um sacerdote a participar numa Vigília de Oração em Braga, por ocasião da Semana dos Seminários. É aí que encontra o formador responsável pelo Pré-Seminário, que não levanta qualquer problema com a cegueira. Tiago exulta de alegria: poderia frequentar os encontros e actividades do Pré-Seminário de forma a perceber o que sentia, sem assumir logo um compromisso.

“Tivemos alguns encontros de reflexão, meditação, oração... e foi aí que eu percebi que a confiança é muito mais fundamental do que a certeza. Confiança em que sentido? No sentido de arriscar também, arriscar e perceber que Deus também não me ia desamparar. Se Deus me permitia ser padre... se Deus não quisesse, Deus não me permitiria seguir esse caminho!”, afirma convictamente.

 

Um amor que nunca se esgota

“Segue! Depressa! Esquerda! Segue! Direita! Vamos lá, vamos! Isso mesmo! Linda”: estas são algumas das palavras que Tiago dirige a Ibiza quando nos deslocamos de sítio. A cadela obedece prontamente e vai contornando alguns obstáculos, desviando Tiago de todos os perigos. É-nos dito que o ideal é que caminhemos lado a lado com o dono para que Ibiza não se distraia. Percorremos os corredores do Seminário Maior até chegarmos à sala pretendida com grande facilidade. Tiago já conhece bem o espaço e, perante o nosso espanto, praticamente não hesita no encontro com escadas, desvios e portas entreabertas. Ibiza ajuda mais face ao imprevisto, como é o caso de alguns caixotes espalhados no chão.

Tiago continua a explicar o caminho percorrido até chegar aqui. A família, sobretudo a mãe, apoiou-o desde o primeiro momento na descoberta da vocação. Apesar de ser uma família tradicionalmente católica, e por isso não esperar nenhum tipo de oposição, o diácono ficou surpreendido com tão boa aceitação perante o desejo de rumar ao sacerdócio. Devido à cegueira, a mãe de Tiago ficava preocupada de cada vez que ele se ausentava. Misha e Ibiza ajudaram a suavizar esse medo. E quando Tiago assumiu a vontade de ser padre, a mãe não lhe levantou nenhum tipo de problemas. Tudo se alinhava para um novo caminho onde a relação com Cristo se revelou o pilar mais sólido.

“O descobrir a pessoa de Jesus e o quanto Ele me ama foi fundamental. E esta inquietação causada por alguém que morre na cruz por mim, por cada um de nós... Isso sempre me despertou muita inquietação e, por vezes, até incompreensão! Mas essa incompreensão também era um estímulo, um acicate para querer perceber que Amor era este que é capaz de se entregar até ao fim. Não é fácil perceber, não é fácil de sentir, mas a fé sempre me guiou nesse caminho. Eu acredito que Ele me ama, mas como podia perceber esse amor?”, questiona.

O diácono explica que estas inquietações o foram fazendo crescer: quanto mais conhecia Jesus, mais amadurecia. A sua atitude perante a vida passou a ser de busca, de procura incessante por Jesus, primeiro na oração, depois no trabalho, onde também O encontrou. Tiago tem a certeza de que esse tempo de trabalho não foi por acaso: era a missão que Deus lhe confiava na altura e, implicitamente, uma manifestação da vocação para o sacerdócio.

“O Seu amor é um mistério que nunca se esgota. Este desejo transborda para uma vontade de ajudar outros a encontrá-lO, ou pelo menos a sentirem esse desejo de O encontrar. Para mim Ele passou a dar todo o sentido à minha vida, é este o fundamento da minha vocação. Se eu tivesse certezas, ia para padre porque eu queria!... Mas quando percebi que é na confiança que devo agir, consegui decidir fazer este caminho porque tenho esta confiança: se Deus se me chama, também me dará as forças para eu ser sempre fiel e fazer o que Ele me pedir, cumprir a missão que Ele tem para mim. Se me chama, estará sempre ao meu lado e nunca me irá abandonar”, afirma. Um sorriso espontâneo e de orelha a orelha, impossível de disfarçar, acompanha as palavras de Tiago.

 

Ver e sorrir com o coração

“Nasci com Glaucoma congénito. Mas ainda vi. Nunca vi a 100%, mas via... Ainda aprendi a ler e escrever a tinta, mas tinha que ler com ampliação ou muita luz. No meu segundo ano, aos sete anos, tive uma operação que correu mal e perdi a visão dos dois olhos por completo. De um ainda recuperei um bocadinho... Foi nessa altura que aprendi o Braille e comecei a fazer vida mais ou menos de cego. Aprendi a andar com a bengala pelos 11 anos e aos 16 perdi o outro olho. Aos 21 recebi o meu primeiro cão-guia, a Misha”, explica Tiago. Em traços gerais, é esta a explicação para o facto de ser invisual. Em termos físicos, a adaptação a uma vida no escuro foi simples. Um técnico da ACAPO ajudou-o nos primeiros tempos. A família, os amigos, os professores, Misha e Ibiza tornaram-se também bons apoios. Tiago diz que graças a isso nunca sentiu revolta, mas perder a visão não foi fácil e naturalmente desanimou.

“Apesar de eu ver pouco e de a visão já não me servir muito para me orientar, muito menos para estudar, o facto de ver o sol, a luz do dia é maravilhoso! E deixar de ver sequer ponta de luz… Quando ia viajar gostava muito de ver as paisagens, já só via os contornos genéricos das paisagens, mas via o verde da folhagem e o azul do céu… Deixar de ver isso tudo foi muito doloroso”, confessa, sem esconder alguma emoção.

“Considero que a capacidade de escuta é dos melhores instrumentos que levo para a vida como sacerdote, é das coisas mais maravilhosas que levo daqui. Um sacerdote tem de ser um homem de escuta! A sede que as pessoas têm de Deus reflecte-se na necessidade de desabafarem, de terem alguém que as escute. As pessoas têm sede de Deus e se não as escutarmos vão procurá-lO a outros sítios.”

Depois de um primeiro momento mais complicado, Tiago Varanda desperta para uma nova realidade e supera esta fase com “novo ânimo”. A entrada na Universidade, uma nova etapa muito preenchida, também ajudou. E, já com alguma tranquilidade, começou a perceber a parte positiva da cegueira.

“Quando olho para esses tempos, também penso neles como os tempos mais belos da minha vida! O problema do Glaucoma é a tensão ocular, por isso não podia fazer esforços, não podia fazer desporto. Quando perdi a visão, a tensão ocular desapareceu. A partir daí não tive mais restrições. Ou seja, a partir daí comecei a fazer desporto, maravilha! Comecei a fazer GoalBall, um desporto adaptado para cegos. A minha equipa ficou logo em segundo ou terceiro no campeonato, fomos bicampeões da taça de Portugal e entretanto também fui convocado para a selecção nacional, tudo isto pouco depois de deixar de ver! Ajudou-me a encontrar nova alegria em viver. Deixei de tomar medicação, passei a fazer desporto e a comer mais, dantes não tinha muito apetite!”, diz, entre gargalhadas.

A somar à Universidade e ao GoalBall, Tiago fazia parte de um rancho folclórico, onde tocava acordeão, e ingressou no coro da paróquia. Depressa a tristeza desvaneceu. Já no Seminário, a falta de visão nunca foi impedimento para nada. As dificuldades encontradas parecem ser partilhadas por outros colegas.

“Aquilo que eu achava mais difícil foi o mais fácil, e o que achava que ia ser canja foi o mais complicado. Deus surpreende-nos sempre. Estraga-nos sempre os planos, troca-nos as voltas todas! Eu entrei com 28 anos e a maior parte tinha menos de 20… Pensei que ia encontrar dificuldade no relacionamento com eles. Mas afinal essa parte foi a que correu melhor, correu muito bem, aceitaram-me muito bem, sempre me ajudaram e apoiaram muito, tanto a equipa formadora como os colegas. Achava que por ter um curso superior iria ser mais fácil a parte da faculdade, do estudo, achava que já tinha um bom método, que iria ser fácil… Mas não! Não estava habituado ao ritmo do Seminário. Tive que aprender um novo ritmo e a planear de outra forma a minha vida, de forma a corresponder a tudo o que nos é pedido, desde aulas, actividades, ajudar em casa...”, enumera.

“Percebi que a confiança é muito mais fundamental do que a certeza. Confiança em que sentido? No sentido de arriscar também, arriscar e perceber que Deus também não me ia desamparar. Se Deus me permitia ser padre... se Deus não quisesse, Deus não me permitiria seguir esse caminho!”

É com descontracção que decide fazer uma “confissão pública”: nas tarefas domésticas não ajudou tanto quanto deveria, às vezes por esquecimento, outras vezes por preguiça. O riso de Tiago ecoa na pequena biblioteca. Admite que se em algumas coisas a cegueira não lhe permite desempenhar bem algumas funções – como limpar o chão, já que não tem forma de confirmar se ficou bem limpo –, outras há que não leva a cabo tão bem por falta de prática. Cozinhar é o exemplo de uma delas: embora brinque e diga que demora mais tempo a confecionar do que a comer os alimentos, admite rapidamente que com um pouco mais de esforço poderia ser mais autónomo nesse aspecto.

Tiago aparenta ser bastante humilde, característica que diz ter sido fortalecida pelo percurso no Seminário.

“Este desafio de contar não só comigo, mas também com os outros foi muito difícil. Estava habituado a ter o meu dia-a-dia, o meu espaço… E chegar aqui e entregar a minha autonomia à comunidade foi a parte mais difícil. Mas ajudou-me a crescer muito! Aprendi que a vida não se decide só por nós mesmos, não é? Isso ajudou-me a ser um bocadinho mais humilde, ou pelo menos a tentar, e a aceitar que os outros também são muito importantes na nossa vida, não contamos só com nós mesmos”, diz. Foi precisamente esta abertura e disponibilidade para o outro que o dotou de uma capacidade que considera fundamental para o ministério do sacerdócio, muito mais do que a visão: a escuta.

“Uma pessoa entra com muitas ideias, ideias feitas, preconceitos, e acha que só a nossa maneira de ver é que é a correcta. Acho que é a maior tentação de qualquer um de nós. Mas percebi que há outras pessoas que têm o mesmo horizonte que eu, com outros caminhos e outras formas de lá chegar. Isto também não foi fácil no início, não foi fácil desprender-me da minha maneira de pensar. Aprendi que é preciso escutar, aprendi que os outros por vezes têm outras razões e que muitas vezes elas são tão válidas e verdadeiras quanto as minhas. Mas para isso é preciso ouvir, escutar! Considero que a capacidade de escuta é dos melhores instrumentos que levo para a vida como sacerdote, é das coisas mais maravilhosas que levo daqui. Um sacerdote tem de ser um homem de escuta! A sede que as pessoas têm de Deus reflecte-se na necessidade de desabafarem, de terem alguém que as escute. As pessoas têm sede de Deus e se não as escutarmos vão procurá-lO a outros sítios”, conclui. 

 

Antes de irmos embora passamos junto ao campo de futebol e a cadela desvia o olhar, distraidamente. É lá que o dono a costuma levar a correr. Tiago explica que não pode ser apenas Ibiza a dar, também tem de receber: é preciso brincar com ela, levá-la a passear e correr, escová-la, alimentá-la. É necessário que haja cumplicidade e confiança entre os dois, que a serenidade seja mútua, até porque Ibiza percebe e recebe os estados de espírito do dono. Embora não consiga ver, o azul do céu e o verde da folhagem de que Tiago tanto gosta abraçam-no quando se senta num banco ao ar livre para as últimas fotografias. O calor abrandou e sopra uma leve aragem. As ervas e folhas agitam-se levemente, voam algumas pétalas de flores. Ibiza, sentada, parece inspirar a paisagem com o focinho. Tranquilamente, assim que a brisa acalma, e sob a mão afectuosa do dono, suspira e deita-se junto da perna de Tiago, como se lhe quisesse transmitir o que acabou de ver.