CRUX | DACS | 11 Out 2017
Dezenas de milhares de refugiados cristãos no Líbano que fugiram do genocídio do DAESH estão ligeiramente melhor do que os refugiados muçulmanos devido à assistência da igreja local e dos grupos católicos globais, como a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS). Mas ainda denunciam condições de vida difíceis como a discriminação e ressentimentos crescentes relacionados com preconceitos anti-refugiados.

Ao falar com refugiados cristãos expulsos da Síria pelo DAESH, e que agora encontram abrigo no Líbano vizinho, duas coisas parecem claras. Em primeiro lugar estão profundamente gratos ao país que os acolheu, sobretudo à igreja local e aos seus apoiantes católicos internacionais por lhes permitir um refúgio seguro. Mas, apesar de toda a ajuda – e isso leva-nos à segunda questão – as suas vidas dificilmente são um “passeio no parque”.

Hana, refugiada, tem uma história típica de provavelmente dezenas de milhares de pessoas agora espalhadas por esta pequena nação de pouco mais de seis milhões, onde os cristãos representam aproximadamente um terço da população e exercem uma tremenda influência social.

Hana vivia com o marido, Charbel, e os seus três filhos numa cidade síria de tamanho médio, a cerca de uma hora e meia da fronteira quando, no final de 2011, os primeiros rumores do que se tornaria na Guerra Civil Síria começaram a varrer a sua comunidade.

Na época em que Hana e a sua família escaparam, o DAESH ainda não tinha nascido totalmente, mas os vários movimentos e milícias jihadistas que formariam o seu núcleo já estavam ansiosos por sangue. Um dia – disse Hana – ouviram um telefonema de uma mesquita local que dizia para todos os homens cristãos serem decapitados e todas as mulheres cristãs escravizadas, enquanto inúmeras batalhas surgiam na cidade.

Hana e o seu marido apanharam uma perigosa boleia de carro que os conduziu através da fronteira para o Líbano. Esquivaram-se por entre tiros até que deixaram o território sírio para trás e eventualmente chegaram a Zahlé, uma cidade fortemente cristã, onde os filhos do casal já se tinham estabelecido. Suportaram três meses de pobreza total, vivendo uma dieta constante de cebolas fritas com pão, até que o marido encontrou trabalho como pintor de casas e a ajuda de comida da igreja local começou a chegar.

Actualmente estão a viver num apartamento subsidiado pela Fundação AIS, uma instituição pontifícia internacional que ajuda os cristãos perseguidos. Ainda assim, precisam de pagar uma renda e torna-se difícil fazê-lo porque estão à procura de permissões de residência no Líbano, o que custa dinheiro que não têm.

© Fundação AIS

Outro refugiado cristão sírio explicou que, ao abrigo de uma nova lei libanesa, a obtenção de uma autorização de residência exige que um cidadão libanês ofereça garantias de que o candidato não representará perigo para a sociedade. Se não houver ninguém disposto a fazer isso, há um mercado negro de locais que vendem as suas garantias por preços que podem representar quase metade da renda anual da família refugiada típica.

Hana explicou que está profundamente preocupada com o que irá acontecer no Inverno, quando os custos de aquecimento subirem e o trabalho do marido for escasso devido às condições climatéricas. A família depende da Igreja católica Melkite Grega, orientada pelo arcebispo Issam John Darwich, para ajudá-los com alimentos. De outra forma continuariam com fome.

O Líbano enfrentou uma crise de refugiados maciça como resultado do conflito sírio, com cerca de um quarto de toda a população agora a ser composta por sírios. Isso levou a um considerável ressentimento e a uma crescente pressão – incluindo de alguns líderes cristãos no país – para obrigar os refugiados a voltarem para a sua terra. Hana compreende.

Eles estão certos. Os sírios são cada vez mais e estão a assumir todos os empregos”, disse.

O problema, no entanto, é que a sua família – como muitas outras – não poderia voltar para casa mesmo que quisesse. Não possuem dinheiro para reconstruir uma vida lá e, apesar de as ameaças contra os cristãos terem diminuído ligeiramente à luz dos recentes recuos militares do DAESH, não desapareceram.

Então, por enquanto, Hana e a família estão presas entre uma antiga à qual não podem voltar e uma nova na qual às vezes não se sentem bem-vindos.

Não está inteiramente claro quantos cristãos há entre o milhão e meio de refugiados sírios estimados no Líbano, embora todos concordem que é muito desproporcional aos aproximadamente dez por cento da população síria em geral, que é cristã. Como os cristãos eram os principais alvos do genocídio do DAESH, fugiram em percentagens muito maiores.

Os muçulmanos da Síria tendem a reunir-se em campos de refugiados, administrados por uma união de Organizações Não Governamentais, muitas vezes sob a égide da ONU. Num desses acampamentos nos arredores de Zahlé, cerca de 500 muçulmanos viviam em aproximadamente 75 “tendas em 2011, sem perspectivas de voltar para casa ou mudar para outro lugar no novo país.

O administrador do campo sublinha que, sem vouchers de alimentos da ONU, muitas pessoas morreriam de fome. E está profundamente preocupado com o facto de a assistência “começar a secar” assim que o Inverno chega, tal como Hana já havia referido.

Os cristãos, no entanto, quase nunca se estabelecem nesse tipo de campos, a menos que estejam realmente desesperados (devido à ideia geral de não constituírem um bom sítio para viver, até porque os cristãos aí se sentem indesejáveis e em risco).

Como resultado, os cristãos dependem de parentes e, na sua falta, da Igreja.

Elias e Mountanha, por exemplo, chegaram a Zahlé com os filhos aproximadamente há um ano, depois de terem abandonado a Síria em 2012. De volta a casa, Elias foi um electricista de sucesso, mas quando as forças islâmicas ocuparam sua cidade a sua casa foi queimada e todos os seus pertences destruídos. Atravessaram então a fronteira com pouco mais do tinham vestido.

Pouco depois de chegar ao Líbano, Elias desenvolveu uma doença crónica relacionada com úlceras, o que produz hemorragias internas constantes e o deixa anémico. Precisa de medicamentos regulares e uma dieta especial para lidar com a condição, mas devido aos fundos limitados chega a passar vinte dias sem medicação. Segundo a esposa, no fundo está a passar por uma espécie de morte lenta.

Também estão a viver numa habitação subsidiada pela Fundação AIS, mas ainda têm que pagar o aluguer dos dois quartos que incluem uma cozinha e acomodam quatro pessoas. Mountanha sublinhou o quanto o apoio da Fundação e da Igreja Melkita Grega são essenciais.

Sem eles, estaríamos a chorar lágrimas de sangue, concluiu.

 

Esta reportagem foi originalmente publicada pelo Crux
e é da autoria de John L. Allen Jr. Tradução e adaptação de DACS.

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Palavras-Chave:
Cristãos  •  Refugiados  •  Igreja  •  Fundação AIS  •  Ajuda  •  Papa Francisco  •  Esperança  •  Síria  •  DAESH