Arquidiocese de Braga -

1 setembro 2022

Abusos: “Cada uma das vítimas não é apenas um número de estatística”

Fotografia Família Cristã

dacs

Declarações de D. José Ornelas aconteceram durante a abertura do Simpósio do Clero.

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Durante a abertura do Simpósio do Clero, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, abordou os casos de abusos sexuais de menores, uma questão “incontornável e desafiadora”.

“É importante o tema, desde logo pela existência de abusos, pelo drama inesquecível das vítimas, pelo que isso significa para a vida da Igreja e para a sua missão, pela perceção social da gravidade de tais crimes que nos envergonham, pelo destaque que tem nos meios de comunicação, pelos desafios que coloca a todos nós”, apontou.

Apesar de considerar que não era o momento oportuno para uma reflexão profunda, D. José Ornelas fez questão de abordar o assunto, até porque “os crimes de abuso de crianças na Igreja são frequentemente vistos como o exemplo de uma atitude demasiado hierárquica, clerical, resistente à mudança” e ao tema do Simpósio, “A identidade relacional e do ministério sinodal do presbítero”.

“A primeira realidade a ter em conta é que existem no presente e existiram no passado abusos de menores, como também é sensato reconhecer que não conseguiremos, apesar de todos os esforços, evitar que continuem a ter lugar no futuro. Admitir esta realidade é um passo sensato para poder lidar corretamente com ela”, explicou o também bispo de Leiria-Fátima, acrescentando que crimes desta natureza enchem a Igreja de vergonha e pesar.

D. José Ornelas sublinhou, no entanto, que esse reconhecimento é fundamental para que possam existir mudanças de atitudes, procedimentos e orientações.

“Muitos ou poucos que sejam os abusos, lançar luz sobre essa realidade, dar voz e acolhimento às vítimas e estudar os contornos destas anomalias é um ato de justiça e de libertação para todos. Significa, em primeiro lugar, assumir que se trata de comportamentos inadmissíveis, pelo mal que causam e pela clara negação dos valores do Evangelho e do compromisso de quem se dispõe a estar ao serviço dos mais pequenos e vulneráveis, na Igreja e na sociedade. (…) Mas significa também a vontade firme e absoluta de assumir um código de conduta e de procedimentos que mitiguem a reincidência destes abusos, uniformize as medidas a tomar quando eles existirem e devolvam a confiança na Igreja por parte da sociedade”, explicou.

O presidente da CEP afirma que esconder a realidade não ajuda ao esforço de erradicação desta realidade e que “a verdade é libertadora para todos”. D. José aproveitou para referir o trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, organismo no qual deposita grande confiança e gratidão, explicando de seguida as razões fundamentais que fizeram a Igreja portuguesa “empreender este processo de reconhecimento e de clarificação”.

“Em primeiro lugar, move-nos o drama das vítimas de abusos sexuais de crianças, adolescentes e adultos vulneráveis. Cada um deles não é apenas um número de estatística, mas uma realidade dramática de uma pessoa frágil, em processo de crescimento, que sofre, muitas vezes em silêncio e com dramática violência, atentados à sua integridade e ao seu futuro”, referiu.

O Bispo de Leiria-Fátima lembrou os efeitos devastadores sobre toda a vida das vítimas e apontou a Igreja, a escola e as instituições sociais de apoio como locais particularmente sensíveis que carecem de grande atenção.

“Em segundo lugar, temos de ter consciência de que os abusos de menores contradizem redondamente a identidade e o modo de agir da Igreja e dos seus membros. Ela tem como missão continuar o estilo de relação de Jesus, na sua atenção preferencial para com os pobres, os que sofrem, as crianças, os que são discriminados, os pecadores”, afirmou.

D. José Ornelas voltou a lembrar que os abusos, “qualquer que seja o seu número”, contradizem radicalmente essa identidade, constituindo também “um sofrimento e uma derrota para toda a Igreja”.

“Por isso, não pode haver tolerância nem encobrimento de casos destes. Impõe-se um caminho claro no interior da Igreja e uma colaboração com as autoridades competentes para averiguar quaisquer ocorrências, segundo os processos legais do país, com as medidas legais e penais previstas na Igreja e no ordenamento jurídico civil”, frisou, acrescentando que deve existir também “um caminho de pedido de perdão sincero a cada pessoa que foi vítima destes abusos”.

De acordo com o presidente da CEP, a partir do estudo que se encontra em curso, será necessário “rever e adaptar as medidas de prevenção e formação, particularmente das pessoas que se ocupam dos jovens”, apostar na prevenção e e implementar a nova “Ratio Nationalis Istitutionis Sacerdotalis”, sem esquecer o cuidado “pelas vítimas e igualmente por aqueles que as causam”.

“Reconhecer com humildade e verdade estes casos penosos e tratá-los convenientemente é a melhor forma de fazer justiça, de colaborar para uma cultura de transparência e segurança para crianças, adolescentes e adultos vulneráveis, às quais a Igreja continua a dedicar especial atenção. Mas constitui igualmente a afirmação da validade daquilo que somos como Igreja e da missão em que participamos com dedicação e alegria, mesmo diante de generalizações mediáticas que tomam a árvore pela floresta, como se toda ela estivesse doente”, afirmou.