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DACS com Vida Nueva Digital | 17 Mai 2021
Religiosas entre dois fogos: guerra e epidemia
Era assim que viviam há 100 anos, quando se deu a eclosão da gripe espanhola no meio da Primeira Guerra Mundial.
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  © DR

Em Sofia, capital da Bulgária, existe um pequeno cemitério de guerra que data da Primeira Guerra Mundial. Lá repousam os restos mortais de 201 soldados italianos, prisioneiros do exército austro-húngaro, que foram transferidos para lá, longe da frente.

Quando a epidemia de gripe espanhola eclodiu em 1918, o acampamento de Orlandovtsi, nos arredores da cidade, tornou-se uma armadilha mortal. Muitos morreram. Entre eles, três freiras italianas que haviam sido designadas para acompanhar as tropas e serviram na enfermaria do acampamento. Os seus túmulos testemunham esse sacrifício e resgatam-no do esquecimento.

Há um século, a guerra e a pandemia misturaram-se implacavelmente. A própria guerra ajudou o vírus a espalhar-se pelos milhões de soldados (e refugiados) que viajavam de um continente para o outro, de uma frente para a outra, num fluxo contínuo de pessoas e mercadorias. Os historiadores afirmam que os médicos militares estavam bem cientes do perigo de propagação de doenças infecciosas. Temiam, sobretudo, o tifo, a cólera e a varíola.

Em vez disso, apareceu uma gripe virulenta sem precedentes: se a guerra causou 37 milhões de mortes, a epidemia matou pelo menos 50 milhões. E eram quase todos jovens entre 15 e 40 anos. A maioria das mulheres provavelmente morreu por terem sido elas a cuidar dos doentes, contagiando-se de forma massiva.

Mas é uma história que ficou escondida, a da gripe espanhola, e que foi redescoberta agora que nos deparamos com uma pandemia semelhante. Entretanto já se passou um século de descobertas científicas, tecnologias cada vez mais futuristas e avanços na medicina.

 

Doença desconhecida

Há cem anos, quando se espalhou aquela doença que ninguém conseguia entender e, sobretudo, curar, as pessoas tentaram enfrentá-la da melhor forma possível. E, ontem como hoje, médicos e enfermeiras fizeram isso na linha de frente, assim como as religiosas. "Temos que tentar entender a situação em 1918", diz Eugenia Tognotti, ensaísta e professora de História da Medicina na Universidade de Sassari.

No final do século XIX houve um grande avanço na bacteriologia e veneravam-se os nomes dos "caçadores de micróbios" como Robert Koch e Louis Pasteur, mas a ciência ainda não havia descoberto os vírus. Portanto, ainda se moviam no escuro perante esta doença que causava tosse, febre alta, sangramento nasal, falta de ar, efeitos neurológicos… e que em muitos casos era fatal.

Como tratar a doença? A professora Tognotti responde que, “não havendo sido descoberta a causa e não havendo um medicamento realmente eficaz, muitos tratamentos foram tentados. A única solução que funcionou foram os chamados tratamentos não farmacêuticos, ou seja, repouso, alimentação, hidratação e higiene. Como se pensava que a causa poderia ser um bacilo alojado na boca, o gargarejo foi recomendado. Para combater a febre, foram prescritos lenços humedecidos no rosto e no peito. As religiosas, não só as formadas em hospitais, mesmo as não especializadas, tiveram um papel fundamental. Especialmente activas na assistência aos enfermos, sendo uma das pedras angulares da sua congregação, estavam as Irmãs Ministras da Caridade de São Vicente de Paulo. É impossível confirmar números, mas é claro que as freiras impediram a propagação do vírus e limitaram o número de mortes ”.


O papel das religiosas

Já tinha acontecido antes, durante as epidemias de cólera que eclodiram no final do século XIX, por exemplo. A irmã Asunción Riopedre, provincial da Ordem das Irmãs Hospitaleiras, congregação nascida em Madrid, em 1881, por iniciativa de São Benito Menni, explica: “No início cuidávamos de mulheres com doenças mentais. Alguns anos depois, quando despontou uma epidemia de cólera, as irmãs e irmãos receberam treino para tratar esses pacientes. Assim, organizados pelo padre Menni, trataram do atendimento às famílias afcetadas em cidades madrilenas como Ciempozuelos, Getafe ou Chinchón”.

A propagação da gripe espanhola foi como uma tempestade de vento imparável. Os centros de saúde estavam à beira do colapso. Em Itália, como noutros países europeus em guerra, nenhuma medida eficaz podia ser aplicada. Inclusivamente, nos primeiros momentos ninguém tinha dados precisos para falar em epidemia, por isso era impossível conter surtos, impor quarentenas, ou mobilizar meios especiais.

O que as freiras realizaram foi uma acção caritativa espontânea de que dão conta dezenas de relatos que nos permitem conhecer histórias comuns a muitos, em todas as partes da Itália, como a da Irmã Fausta Finco, da Ordem das Irmãs da Caridade de Santa Giovanna Antida Thouret. Num antigo livro da época, Opera dell'Ospedale Congregazionale 1915-19 (Obra do Hospital da Congregação 1915-19), é explicado como “as Irmãs da Caridade durante a guerra serviram como enfermeiras em quase todos os hospitais e ambulatórios de Modena e estiveram em contacto próximo com os soldados hospitalizados. A irmã Fausta contraiu a gripe espanhola e morreu em Modena a 21 de Fevereiro de 1919. Foi uma vítima do dever que contraiu a doença durante o seu serviço no hospital de Campori. Por 14 meses consecutivos, sem faltar um único dia, esbanjou cuidado com os soldados que vinham da frente, aliviando os seus sofrimentos”.

 

A situação americana

Nos Estados Unidos, onde havia uma gestão mais organizada, há mais informações sobre o trabalho das religiosas durante a epidemia. Em 1919, a Sociedade Histórica Católica de Filadélfia, como recordou recentemente o New York Times, publicou um livro em memória das freiras que haviam servido a cidade com bravura, com o título “O trabalho das Irmãs durante a epidemia de gripe”. Os autores escreveram neste volume que “não havia como ajudar os enfermos por causa da escassez de recursos devido à guerra. Os hospitais sofreram graves deficiências durante uma situação de vida ou morte”.

Por esse motivo, o Conselho de Saúde de Filadélfia ordenou o encerramento de escolas, teatros e até a suspensão dos serviços religiosos. Mas não foi suficiente. O Arcebispo Dennis Dougherty ofereceu-se para hospedar o maior número possível de enfermos nos edifícios da Cúria e convocou padres, freiras e a Sociedade de São Vicente de Paulo. Pediu a todos que cuidassem dos doentes e pediu às freiras que deixassem os conventos.

Apesar de não terem muita experiência, duas mil religiosas responderam ao apelo. Apetrecharam-se com com batas e máscaras para cuidar especialmente dos imigrantes da Itália, Ucrânia, Polónia e China, das famílias negras, das pessoas de religião judaica e dos pobres. Ajudaram todos os necessitados. Não hesitaram em entrar em apartamentos onde os pais jaziam mortos nas suas camas e as crianças choravam desesperadamente e com fome.

As freiras em Filadélfia lavaram roupa, serviram sopa quente, forneceram água, gelo e cobertores. “«Uma irmã»!, podia escutar-se a cada minuto durante as noites”, disse uma das Irmãs. “No início eu tinha medo. Nunca tinha tido contacto directo com a morte. Mas percebi que alguém tinha que fazer isso. Peguei na bata, na máscara e comecei o meu serviço ”, explicou outra. Os turnos duravam 12 horas. Muitas adoeceram e várias morreram. Uma escreveu: “Graças a essa experiência, aprendi a valorizar a minha vocação para a vida religiosa como nunca o havia feito antes”.

No Kentucky, em Louisville, foi estabelecido um enorme acampamento militar que recebeu o nome do décimo segundo presidente, Zachary Taylor. Abrigava cinquenta mil soldados que voltavam da frente europeia. O capelão, Frei Regis Barrett, perante a catástrofe – um em cada quatro soldados regressava doente – pediu ajuda às Irmãs Dominicanas do Santo Rosário. Em turnos incessantes, cada uma ocupava-se de pelo menos uma centena de soldados infectados com febre e vómitos.

Algo semelhante aconteceu em Massachusetts, em Camp Devens. Também aqui as escolas foram fechadas por motivos de saúde e as Irmãs que eram professoras começaram a cuidar dos enfermos. Os documentos dominicanos reflectem as experiências de Nova Orleães, Pittsburgh, Nova Iorque. As Irmãs da Misericórdia ajudaram em pelo menos uma centena de situações de emergência, como no Hospital Mary, em São Francisco.

No Canadá, o jornal local Morrisburg Leader, de 1919, escreveu o seguinte: “ninguém poderá esquecer o esplêndido trabalho das freiras que vieram ajudar-nos. Só sabíamos que lhes tinha sido pedida ajuda e que duas Irmãs da Caridade chegaram imediatamente de comboio, vindas de Prescott. Eram a Irmã Mary Charles e a Irmã Mary Ursula”.

 

O fracasso da ciência

“A epidemia de gripe espanhola foi um dos fracassos mais flagrantes da ciência médica. A descoberta da bactéria levou a crer que não haveria mais doenças desconhecidas e que haveria cura para tudo. Por outro lado, essa gripe, causada por um vírus que só foi isolado em 1933, derrubou o optimismo com que se iniciava o século XX. E isso explica também o esquecimento que caiu sobre a pandemia, e com ela o poderoso trabalho das mulheres para ajudar os enfermos, inclusivamente o trabalho das religiosas”, conclui Eugenia Tognotti.

 

Artigo de Francisco Grignetti, publicado em Vida Nueva Digital a 16 de Maio de 2021.

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Palavras-Chave:
Primeira Guerra Mundial  •  Epidemia  •  Pandemia  •  Gripe  •  Religiosas  •  Irmãs  •  Freiras  •  Doentes
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