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ANO PASTORAL
"Juntos no caminho de Páscoa"

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3 Abr 2021
Cristo quer-te vivo!
Homilia na Vigília Pascal.
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O Povo de Israel, na sua caminhada de libertação rumo à Terra prometida, era conduzido por uma nuvem que era tenebrosa por um lado mas por outro brilhava. O mundo é de nuvens. Para todos mas particularmente para os jovens. Nesta noite recordemos um caminho a percorrer “fomos sepultados com Cristo para com Ele vivermos uma vida nova”. “Se morremos com Cristo acreditamos que também com Ele viveremos”. “Quem nos irá revolver a pedra da entrada do sepulcro?”. São tudo questões a levantar. Os jovens merecem uma solicitude particular. A Páscoa pode dizer-nos como agir.

Há dias fiquei impressionado, talvez até mesmo chocado, com os resultados de um inquérito que a Associação Académica de Coimbra resolveu fazer aos jovens estudantes. Mais de 70% já tinha ponderado desistir do curso, ou seja, três em quatro. 9 em cada 10 confessou-se emocionalmente fragilizado. 20% (um em cada cinco) já tinham ponderado pôr fim à vida. O que aconteceu em Coimbra é muito possível que aconteça em Braga e noutros mundos universitários.

Com facilidade se atribui a culpa desta situação à normalidade provocada pela pandemia. Não o podemos escamotear. Acontece que o problema tem razões mais profundas, a derrota de estado de alma da juventude portuguesa. Alguma privação económica, devido às fragilidades dos agregados familiares, não é um factor a desconsiderar. Antes pelo contrário. Trata-se de um alerta que urge responder. Só que, talvez a maior parte, seja fruto de uma sociedade e de uma educação que ofereceu tudo o que queriam, coisas necessárias e supérfluas, procurando satisfazer emoções e criar um clima de facilidades que nunca acontecem na vida.

Não é momento para analisar ou tecer considerações académicas. Os dados são o que são e são verdadeiras interpretações. Tudo nos está a dizer que temos uma juventude acomodada mas sem ideais. O Papa fala de uma juventude no sofá da auto-satisfação e na varanda da vida, esperando que algo aconteça de modo providencial. Direi, servindo-me da simbologia usada para esta Quaresma das mãos, que temos uma juventude de mãos vazias ou, se quisermos, de mãos cheias de nada, tantas coisas mas sem consistência pois falta um sentido para a vida. Sabemos que existem experiências muito positivas. Há jovens empenhados e comprometidos. Não esperam por algo a cair do céu mas dão as mãos, uns com os outros e abraçam projectos que oferecem facilidade e que lhes dão alegria de viver. Podem parecer um pequeno resto da juventude. Só que são eles que nos estão a manter viva a alma de uma juventude. A semente foi sempre pequena.

Ao celebrarmos a Páscoa, depois de uma Quaresma em que quisemos cuidar do próximo com amor samaritano, teremos de reconhecer, com honestidade, vontade e compromissos, que o primeiro próximo a cuidar é a juventude. A Arquidiocese não pode passar ao lado da história real dos jovens e esperar que eles venham procurar. Teremos de percorrer as suas estradas e mergulhar nas aventuras que tecem os seus dias. Não o poderemos fazer para os converter, impondo-lhe doutrinas e normas comportamentais. Os caminhos deles não são habitualmente os caminhos da Igreja mas, sem dúvida nenhuma, são os caminhos de Cristo, aqueles por onde Ele andaria se viesse a esta sociedade incrédula e desmotivada de valores. Cristo percorreria os caminhos dos jovens e hoje a missão da Igreja consiste em colocar Cristo nesses caminhos.

Não faltam estratégias pastorais ou programas para uma pastoral juvenil. Nós sabemos que os jovens assistem a uma sociedade que quer construir um mundo sem Deus onde, como consequência, o Homem se sente perdido. Verificamo-lo todos os dias. Sem Deus, o Homem sente-se perdido e para o salvar é preciso recomeçar a construir um mundo com Deus. Quero recordar as palavras com que o Papa Francisco abre a sua Exortação Apostólica, Cristo Vive, dirigida aos jovens e, neles, a todo o povo de Deus. “Cristo, nossa esperança, está vivo e é a mais formosa juventude deste mundo. Tudo aquilo que Ele toca torna-se jovem, faz-se novo, enche-se de vida. Então, as primeiras palavras que quero dirigir a cada um dos jovens cristãos são: Ele Vive e quer-te vivo”. (C.V 1)

Não são necessárias explicações. Cristo Vive, Ele e só Ele é a mais formosa juventude e tudo o que Ele toca experimenta a vida.

A Páscoa deste ano, em que recordámos o mundo dilacerado por tantos problemas, terá de ser uma proclamação solene de que só Cristo é o Bom Samaritano de todos e, particularmente, da juventude. O mundo oferece-lhes tudo. A Igreja tem pouco mas deverá possuir o que lhe mata a sede e aponta caminhos de felicidade.

Nos últimos tempos temos recordado, com insistência, que o Cristianismo não é um conjunto de normas e prescrições que muitas vezes subjugam e não libertam. É uma Pessoa que está viva. Para Cristo a morte foi passagem e apenas para mostrar a predilecção que tem pela Humanidade. Não passou pela vida humana. Está a passar e quer tocar com a Sua presença o coração de todos. Foi assim quando se encontrou com os jovens que vieram a ser os seus primeiros discípulos. Tinham a sua vida organizada com projectos e sonhos. O seu olhar cruzou-se com cada um e moveu o coração para uma resposta de amor. A Igreja, passados que são 20 séculos, não pode ter outro programa. Talvez nos tenhamos distraído e caminhado por propostas de secundários valores.

Significativas são as palavras do Papa Bento XVI, no início da sua carta Deus Caritas Est, cuja leitura aconselhamos no programa pastoral dedicado à caridade. “No início do ser cristão não há uma decisão ética, ou uma grande ideia, mas uma pessoa, que dá a vida no novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”. Na renovação pastoral a que nos propusemos, teremos de reconsiderar tudo o resto em esta proposta inaugurou, onde Jesus Cristo aparece como a Estrela Polar que orienta e dá sentido à vida.

Regressando aos jovens, sabemos que eles têm sede de infinito, de beleza, de horizontes sem confins. Precisam não de doutrinas mas de ideais. Temos alguns que os possuem, embora poucos. Precisamos de os motivar para que estejam disponíveis para gastar a vida por causas que os transcendem e envolvam toda a vida.

Aproximam-se a Jornadas Mundiais da Juventude. São um acontecimento circunscrito no tempo e na sua realização. Já nos deveríamos sentir em movimento. A pandemia tem dificultado a realização de iniciativas. Esperemos tempos diferentes para reconhecer que a nossa prioridade pastoral deve estar nos jovens. Não podemos permanecer e continuar na manutenção de coisas que alimentam as pessoas fiéis à Igreja. Não desconsideremos este trabalho que também terá de ser orientado para um Cristo Vivo a gerar vida nas pessoas. Só que, se não tivermos a ousadia de alterar processos e desviar o olhar do habitual para o colocar sobre a juventude, não podemos reconhecer que estamos a pensar no futuro da Igreja. Os jovens não são o futuro, disse muitas vezes. São o presente pois estão a exigir que, porventura, deixemos muitas outras coisas para caminhar com eles. 

Decidindo acompanhar os jovens sabemos que o caminho vai ser diferente. Não pensemos que basta elaborar algumas estratégias para os motivar. Teremos de nos deixar conduzir por eles, reconhecendo que só eles serão capazes de discernir os percursos de Cristo no meio da suas inquietações e sonhos.  Nada se impõe, tudo se propõe para ir discernindo o melhor com eles. Estar com o jovens é a grande conversão pastoral a efectuar. Não estar com passatempos perdidos em alienações ou projectos caducos. A atitude e a motivação são únicas. Estar com eles, fazer uma experiência de Cristo Vivo, Ressuscitado, não personagem histórica a ensinar coisas que poderão ser consideradas ultrapassadas pois não compreendidas no verdadeiro significado. Não podemos continuar a enganar mais a juventude. A única coisa que a Igreja tem para lhes oferecer é esse jovem que não passou de moda. 

Estar com eles para estar com Cristo, na experiência de uma amizade autêntica, que resulta de uma descoberta da fraternidade. Juntos todos descobrirão um amigo e motivar-se-ão para dar profundidade a essa amizade que alimentará toda a vida. Se não conseguirmos oferecer esta experiência, continuaremos a desgastar-nos em iniciativas que, mais tarde ou mais cedo, se desgastam e perdem significado. Os jovens necessitam de Cristo. É fácil fazer esta afirmação. Para o conseguir há muita conversão a efectuar, que poderá ser pastoral, mas que é, sobretudo, pessoal.  Também a Igreja diante de si está necessitada. Encontrar-se com Cristo para se tornar não referência nas suas obras mas para ser Sacramento. Poderá parecer utopia. Isto já aconteceu. Não só quando Jesus percorreu os caminhos de Israel. Mas em tantas outras ocasiões e como continua a acontecer em regiões onde o Cristianismo não se deixou amarrar a tradições a uma moral restritiva.

Neste estar com os jovens, sem outro programa que não Cristo Vivo, o paradigma dos discípulos de Emaús continua a ser elucidativo. Os dois discípulos caminham com um terceiro. As suas dúvidas e interrogações continuavam. Só encontraram a confirmação de que não tinham gasto a vida inutilmente quando tomaram consciência de que Aquele companheiro de viagem era o próprio Cristo. Este é o grande desafio da transparência. Os jovens necessitam de modelos e referências. Se formos um com todos os outros, continuarão perdidos nos seus problemas. Se lhe mostrarmos Cristo Vivo em nós e nas estruturas eclesiais encontrarão luz.

A Páscoa é este desafio. Não uma simples festa com mais ou menos solenidade. Não sei se não é de prever que muitas das nossas tradições pascais desaparecerão. O que nunca poderemos perder é esta responsabilidade de mostrar à sociedade uma história de Salvação que tem um intérprete que é humano porque viveu a vida como todos, mas que é divino a dizer-nos que neste mundo será diferente se acreditarmos no seu Amor e o colocarmos no coração das estruturas sociais, mas sobretudo de todos, a começar pelos jovens.

Como nos outros dias do Tríduo Pascal, recordo o que o programa pastoral diz em relação aos jovens. “Desafiar os jovens a assumir um compromisso concreto nascido da fé e da caridade para a construção da sociedade”. Só a partir da fé, como adesão pessoal a Cristo, e da caridade como marca identitária do discípulo, os jovens se decidirão a ser intérpretes da construção do mundo novo. A Páscoa fala-nos na urgência deste mundo novo. Ninguém vive contente com a sociedade que temos. Há muita realidade que não só não nos consola quanto nos atemoriza. Permanentemente ouvimos dizer o que será o dia de amanhã. É a hora de renovar a esperança mas isto só acontecerá com homens e mulheres que se deixam possuir por Cristo, que se deixaram tocar pelo seu amor e lutam para que um novo modelo de sociedade aconteça. Cristo vive! Renovemos esta certeza não como algo que lhe diz respeito só a Ele. Vive para estar vivo nos cristãos. Com Ele podemos viver e mostrar aos outros o caminho para que a vida seja realmente vida.

Termino com um pensamento de Maritain: “A vida terrena não é uma sociedade de gente instalada em moradas definitivas mas de gente a caminho”.

 

 † Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

 
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