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Esta nossa peregrinação coincide com a festa da Santíssima Trindade. Recordamos a realidade mais íntima de Deus e interrogamo-nos sobre o modo como esta solenidade poderá ajudar-nos a assumir a responsabilidade de despertar a esperança. Não podemos refugiar-nos na ideia de que a Santíssima Trindade é um mistério cuja inteligência humana nunca compreenderá. Nela encontramos a diversidade das três pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo – mas sobretudo testemunhamos a comunhão que as torna numa única natureza. Quero, por isso, afirmar-vos que a esperança, a viver no nosso íntimo e a comunicar à sociedade, resulta da comunhão que formos capazes de realizar.
Para nós, católicos, a comunhão não é uma simples palavra que usamos em contexto eucarístico. Não é, também, uma exigência dos tempos em que vivemos, onde muitos a reclamam e exigem. Ela é o nome do Deus – uno e trino – e, por isso, a síntese da salvação experimentada na história quotidiana. Somos e vivemos a alegria que o Evangelho nos outorga quando acreditamos que somos uma coisa só. Reconhecemos, também, que a fonte desta comunhão é a Santíssima Trindade. Sem comunhão não existimos e nada temos a dizer ou a fazer. Crescemos nela e esperamos a plenitude na comunhão trinitária. Como crentes, vimos e procedemos da comunhão, estamos destinados e orientados para a comunhão e nela nos movemos. Importa, por tudo, isto reconhecer a importância que ela deve ter na nossa vida pessoal e no agir das nossas comunidades.
“A comunhão é o cimento unitivo que une as partes do «edifício igreja» quer na sua composição mística, a comunhão dos Santos, quer na sua expressão comunitária, a comunhão católica, a inserção orgânica e canónica do corpo visível da mesma igreja” (Paulo VI). Esta comunhão exige de todos a consciência de pertença à Igreja, quando muitos cristãos ainda não entenderam o essencial.
A Igreja não é uma realidade apenas interior, imperceptível, espiritual. Não é também uma realidade institucional ou burocrática. É uma “realidade complexa”, como nos recordou o Concílio Vaticano II, ou seja, uma realidade humana e divina, uma comunidade simultaneamente carismática e institucional, comunional e sacramental.
Esta comunhão oferecida por Deus também não é uma realidade estática que se saboreia passivamente. É uma realidade dinâmica que deve ser construída por todos, não apenas a nível de acção pastoral e de organização, mas representando uma verdadeira mudança de mentalidade. Uma comunhão a nível externo e pastoral e sobretudo a nível interno e místico. Um bispo francês exprimia a urgência desta mudança dizendo que “Nos últimos tempos preocupamo-nos sobretudo por organizar uma pastoral de conjunto, isto é, de organizar em comum um certo número de trabalhos. Agora é necessário verificar se verdadeiramente temos fé no mesmo Cristo, se somos efectivamente a mesma Igreja: é necessário verificar a comunhão entre os cristãos não só no plano de acção mas sobretudo a nível de pensamento e de oração”. Só com estas duas expressões da mesma comunhão experimentaremos e ofereceremos esperança uns aos outros e ao mundo que nos rodeia.
Quero sublinhar cinco atitudes para que a comunhão seja experiência e testemunho. Outras poderão existir.
– Na comunhão e num mundo plural, devemos ser espontâneos na aceitação das diferenças. Ninguém nasceu igual a ninguém. Por isso, ser cristão implica reconhecer que as diferenças dos outros não só não complicam a nossa vida mas, pelo contrário, enriquecem-na e valorizam-na.
– Na aceitação é imperioso compreender as limitações e imperfeições para perdoar sempre que necessário. O ser humano, feito tantas vezes de incoerências e contra-testemunhos, precisa do testemunho cristão: compreender e perdoar quando for necessário.
– No mesmo dinamismo da comunhão, somos interpelados a apoiar quem age de um modo diferente do nosso ou quem está num sector com carismas próprios. A verdadeira comunhão estimula e tem sempre palavras e gestos para elogiar e mostrar que o sucesso de uns é o sucesso dos outros. Somos irmãos a trabalhar na mesma vinha do Senhor.
– A comunhão eclesial é sempre um lugar para dar graças a Deus. Rezamos por todas as circunstâncias mas devemos rezar, com maior intensidade, para que a comunidade seja um lugar de comunhão. Poucas vezes nos lembramos de louvar a Deus por tudo quanto aconteceu, pelos resultados atingidos e pelas actividades realizadas.
Em comunhão eclesial, teremos de rever a nossa identidade cristã sabendo que esta passa por aceitar uma doutrina e cumprir os seus valores. Vivemos tempos de anarquia moral. Parece que vale tudo e que tudo é igual. O cristão tem um itinerário de vida pautado pelo compromisso em “cumprir as leis de Deus para ser feliz”, como nos recorda a primeira leitura. Trata-se de cumprir os mandamentos e os preceitos. Só que isto não é suficiente. O Evangelho sublinha que é preciso partir e fazer discípulos, baptizando e ensinando a cumprir tudo o que o Mestre mandou. Duas orientações bem precisas: cumprir e fazer cumprir. Primeiro o testemunho e a coerência, depois o trabalho junto dos outros para os levar a reconhecer que a felicidade não passa por um subjectivismo moral onde cada um faz o que quer.
Penso ser oportuno afirmar que neste relativismo moral a sociedade não é feliz. Não somos escravos dos preceitos. Temos um amor grande a Deus e, como Seus filhos, dizemos muitas vezes “Abba, o Pai”. Primeiro e sempre o amor a Deus. Com este, e por causa deste, requer-se um comportamento moral que nos diferencia nas opções diárias.
Neste contexto, é necessário recordar que hoje se encerra a Semana da Vida. Dêmos graças a Deus pelo dom da vida e empenhemo-nos em defendê-la desde a concepção até à morte natural. Elucidemo-nos sobre o que se pretende com a eutanásia e criemos uma corrente de pensamento capaz de impedir quantos pretendem legislar sobre esta melindrosa questão. Não se trata de uma questão religiosa. É o primeiro direito do qual dimanam todos os outros. Circunscreve-lo a determinadas condicionantes é um atentado que ofende a autêntica cultura do nosso povo.
Maria, a mulher que teceu a Sua vida como um permanente “faça-se em mim segundo a Tua vontade”, dá-nos força para não temermos o mundo. Apaixonados por um estilo de vida cristão e integrados numa comunidade que construímos com a diversidade das nossas capacidades, eis a nossa missão: semear a esperança, porventura recorrendo aos Grupos Semeadores de Esperança, nos mais diversos horizontes eclesiais e civis. Diante da Senhora da Saúde, comprometamo-nos em suscitar muitos grupos para, no mundo sofredor, sermos agentes de paz e de tranquilidade. Vivamos, com Maria, em verdadeira comunidade e não tenhamos vergonha de cumprir as leis e de ensinar aos outros tudo quanto Deus nos ensinou.
† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz
P. Paulo Alexandre Terroso Silva
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