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DACS | Fotografias: Filipa Correia | 20 Mar 2017
Tolerância, diversidade cultural e respeito: "Olhares sobre o Multiculturalismo"
Sessão da Nova Ágora encheu Auditório Vita na noite de 17 de Março. Oradores e Arcebispo Primaz foram unânimes no apelo à tolerância.
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O Auditório Vita recebeu na passada sexta-feira, 17 de Março, mais uma sessão da Nova Ágora, desta vez com “Olhares sobre o Multiculturalismo”. Ângelo Correia, antigo ministro da Administração Interna e especialista em Estudos Estratégicos, Francisco Seixas da Costa, diplomata, e João Rosas, Presidente da Sociedade Portuguesa de Filosofia constituíram o painel de oradores. A moderação ficou a cargo de Rita Ribeiro, doutorada em Sociologia e investigadora e vice-directora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade.

D. Jorge Ortiga: Urge um comportamento alternativo que se paute pela tolerância

 

Depois do momento musical levado a cabo pela Escola Profissional Artística do Vale do Ave (Artave), o Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga, subiu ao palco para inaugurar formalmente a sessão.

“Iniciamos este itinerário de aprofundamento das temáticas sociais mais relevantes com o tema da multiculturalidade. A actual fisionomia da sociedade fala-nos disso mesmo. Não precisamos de reflectir muito para reconhecer este cenário. Só que, inadvertidamente, poderemos ainda estar norteados, em termos de princípio e de experiência, por um horizonte de sociedade monocórdica quando, na verdade, ela é plural. Esta é a primeira constatação que temos de acolher com consciência. A sociedade rege-se por critérios que não condizem com a estreiteza de um único pensamento”, indicou o prelado.

Não obstante a defesa da pluralidade e multiculturalidade, D. Jorge Ortiga afirmou que ideologias que defendam aniquilamento de valores ou da fé devem ser recusadas.

“Não posso ter medo de ser diferente e de mostrar que o sou. Esta responsabilidade pessoal situa-me perante outras vivências que não posso ignorar. Posso até não concordar, mas devo ser capaz de conviver com elas. Os fundamentalismos obsessivos e extremistas nunca poderão ser aceites. Isto porque eles impõem os seus critérios, gerando perplexidade e temor quanto ao futuro. Urge um comportamento alternativo que se paute pela tolerância”, defendeu.

O Arcebispo explicou ainda que a tolerância é a atitude da aceitação e da estima pela diferença, enquadramento que leva a um ambiente saudável nos planos da fé, da política ou da cultura.

“Os três encontros que temos agendados para hoje, e para os dias 24 e 31 de Março, serão marcados pelo diálogo de diferentes olhares, serão um hino à tolerância, ao diálogo e ao compromisso”, concluiu.


Ângelo Correia: “A globalização tem tudo o que há de positivo e tudo o que há de maléfico”

Ângelo Correia começou por agradecer o convite ao Arcebispo Primaz, sublinhando que “num momento em que se lançam anátemas, se criam muros, se criam relações de dificuldade ou de ubiquidade”, o que o anfitrião fez foi abrir as portas para o diálogo.

O antigo ministro da Administração interna focou a sua intervenção no fenómeno da globalização e nos desafios que esta levantou e continua a levantar.

“A globalização tem tudo o que há de positivo e tudo o que há de maléfico. Tudo o que há de positivo na chegada de milhões de pessoas da China, da Índia, do Brasil, de um estatuto de pobreza a um estatuto de alguma riqueza. Mas, por outro lado, a globalização tem uma consequência óbvia: dividiu, cindiu os povos, as nações e os estados de uma maneira que está a tentar provocar uma ordem internacional nova, centrada não tanto nos Estados, mas sobretudo na sua erosão”, apontou.

Ângelo Correia adiantou que quanto mais a globalização avança e procede, mais a relação entre Estado e sociedade se torna distante, o que conduz a uma convocatória à emancipação de certas comunidades internas.

“Mas a emancipação não é uma emancipação política, é uma emancipação não declarada nem prevista legal ou constitucionalmente, é espontânea. É gerada por todos aqueles que, sentindo-se excluídos, marginalizados, não integrados, começam a fazer apelos a quê? Onde é que se agarram, a que valores se agarram? Aos valores da fidelidade ao estado? Quando o estado se afasta cada vez mais da própria nação? Curiosamente agarram-se a fenómenos de natureza meramente cultural, ou comunitária, particularista ou revivalista”, esclareceu, sublinhando que esse revivalismo é, muitas vezes, de natureza religiosa e que o sagrado passa a ocupar para algumas dessas comunidades o espaço de capacidade do próprio Estado.


Francisco Seixas da Costa: “Devemos ser totalmente intolerantes face à intolerância”

O diplomata Francisco Seixas da Costa fez uma análise ao passado, presente e futuro das questões que o multiculturalismo encerra, insistindo na necessidade absoluta de diálogo e tolerância.

“Acho que quase todos nós somos confrontados com um conjunto de situações à escala global que nos obrigam a ter uma reflexão sobre este tipo de questões [multiculturais], que no passado eram capazes de ser coberta por uma narrativa um pouco mais cerimoniosa, mas que hoje em dia nos trazem para um debate muito aberto e sobre o qual vale a pena nós próprios sermos totalmente abertos e frontais”, começou por dizer.

O embaixador prosseguiu a reflexão dizendo que o quotidiano europeu muito particular que se vive hoje em dia obriga aos cidadãos a ter um pensamento e reactividade à luz não só da experiência nacional, mas também no quadro europeu vigente, o que se reflecte na doutrina de valores e princípios em que a união europeia se coloca.

“O problema das relações entre as culturas não é novo. Diria que durante muitos anos foi um problema relativamente escondido... Durante muitos anos, aquilo a que assistimos foi a uma relação de dominação entre culturas em que a circunstância dessas culturas coexistirem não significava que não houvesse entre elas uma hierarquia. Essa hierarquia abafava umas culturas em benefício de outras. Essa relação de dominação chegou a ter, mesmo em sociedades democráticas uma certa consagração de natureza institucional. Não quero identificar exactamente as questões culturais com a questão do racismo, por exemplo, mas não nos podemos esquecer, por exemplo, da sociedade americana, que é para nós um paradigma de princípios liberais e democráticos, mantinha nos anos 60 do século passado uma relação de determinados sectores dessa sociedade perfeitamente discriminatória, mas aceite, consagrada institucionalmente”, afirmou.

Seixas da Costa referiu ainda que a partir de certa altura começou a ser criado um certo “politicamente correcto” em relação à equidade de culturas, fenómeno que acabou por dispersar com o 11 de Setembro.

“De repente, a insegurança rebentou com tudo. A bolha estourou e de repente, o respeito pela diferença, o medo relativamente à pessoa que tem uma cor diferente ou afirma uma religião diferenciada, estourou totalmente. (...) Aquilo que estamos a assistir, dezasseis anos depois do 11 de Setembro, diria que é uma consagração desse medo populista, chamemos-lhe assim, desse mesmo sentimento de insegurança. Temos que perceber o que está subjacente aos radicalismos, o que faz as pessoas reagir dessa forma, que tipo de inseguranças, que tipo de medos, que tipo de reacções têm que ser combatidas e trabalhadas”, explicou.

Sobre a questão dos refugiados, o embaixador afirmou a existência de “várias Europas”, não havendo uma Europa, uma identidade europeia capaz de afirmar um conjunto sólido de valores e princípios orientadores globalmente das próprias sociedades.
“Nós sabemos que o alargamento da UE fez introduzir para dentro da comunidade europeia algumas culturas, algumas delas traumatizadas, e que hoje em dia, a convivência nos vários espaços europeus é complexa e encontrar uma linha comum que possa unir todos estes povos é difícil, é complicado. Mas não devemos perder a esperança de conseguir manter dentro da Europa esse mesmo diálogo. Esse é um ponto fundamental. Eu reajo muito, por exemplo, àquela que foi a atitude húngara perante os refugiados. Reajo muito às reacções e preocupações que existem em países como a Polónia, por exemplo, face a determinadas realidades. Mesmo assim, devemos obrigar os dirigentes das várias comunidades europeias a não serem necessariamente «seguidistas» relativamente aos sentimentos primários que possam mobilizar as suas próprias populações. O voto de quem seja xenófobo, racista, intolerante, não respeitador da dignidade dos outros, não é um voto qualificado para gerir as nossas sociedades. São os populistas que representam esse voto. Estes dirigentes não podem sentir-se obrigados a seguir um voto de intolerância. Nós devemos ser totalmente intolerantes face à intolerância!”, concluiu.


João Rosas: “O multiculturalismo é uma escolha que deve ser favorecida”

A intervenção de João Rosas assentou em três ideias fundamentais: a distinção entre multiculturalidade e multiculturalismo, o multiculturalismo como escolha que deve ser favorecida e os desafios que essa escolha encerra.

“É certo que muitas vezes usamos estas palavras [multiculturalismo e multiculturalidade] de forma indistinta. Mas a multiculturalidade, ao contrário do multiculturalismo, não é uma escolha, é um facto. E hoje em dia, todos os Estados, todas as sociedades em que vivemos são multiculturais, são sociedades nas quais existe diversidade cultural. Mas esta multiculturalidade é um facto complexo porque tem muitas realidades dentro”, explicou, referindo de seguida que actualmente, na Europa quando se fala de multiculturalidade, muitas vezes nem se está a falar de diversidade religiosa, mas sim de Islamismo.

O Presidente da Sociedade Portuguesa de Filosofia admitiu que a complexidade do fenómeno traz muitas oportunidades, mas também dificuldades que não devem ser ignoradas nem iludidas.

“Duas certezas podemos ter: o regresso das nossas sociedades à homogeneidade cultural é apenas um mito, é impossível, não é factível nas condições modernas e até é possível que nunca tenha existido no passado, ou pelo menos num passado relativamente recente. Vivemos em sociedades culturalmente diversas e assim vamos continuar a viver. O regresso à homogeneidade é um mito perigoso porque é uma nostalgia, um regresso a um paraíso perdido que até poderá nunca ter existido”, defendeu.

Sobre o multiculturalismo como escolha que deve ser favorecida, João Rosas resumiu-o como um conjunto de atitudes e até de políticas públicas que visam acomodar a diversidade cultural e que se tornam uma verdadeira gestão da sociedade.

“Por exemplo, quando se intervém na educação, nas escolas que são muito multiculturais e se criam projectos educativos especiais para aquelas escolas... Isso é uma forma de gestão da multiculturalidade, é uma política pública multiculturalista. Quando se intervém permitindo que existam códigos de indumentárias diferentes daquilo que é o mais comum na sociedade em que vivemos, isso é uma política multiculturalista. E o multiculturalismo é realmente uma escolha porque podíamos não acomodar essa diversidade ao não acolher essas políticas. A assimilação forçada é uma alternativa ao multiculturalismo. Outra alternativa mais simpática é apostar na política de igualdade em termos de cidadania, dizer que somos todos iguais sem acomodar essa diversidade cultural. Todos temos os mesmos direitos e deveres e não precisamos de encontrar políticas específicas para ir ao encontro das minorias que existem na nossa sociedade...”, explicou.

João Rosas reforçou ainda a ideia da necessidade de multiculturalismo, mas não escondeu as dificuldades na sua aplicação, sobretudo quando agora a crise identitária parece ser da maioria ao invés das minorias.

“Há aqui uma questão de números e de representatividade. Há uma grande diferença entre ter 5% de emigrantes na população, como é o caso português que está um bocado abaixo disso, ou ter dez, quinze, dezoito como acontece em alguns países europeus. Um dos desafios fundamentais que temos hoje é o sentimento de ameaça por parte da maioria ou daqueles que se identificam com a maioria em cada Estado. Há uma espécie de crise identitária da maioria. Começamos por falar disso sobre as minorias, mas é curioso que hoje em dia é a maioria, devido ao convívio das minorias, que sente insegurança identitária e quer afirmar a sua identidade própria. E esta crise identitária da maioria é muito potenciada pela crise económica, pela crise social que temos vivido nos últimos anos”, concluiu.

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