Arquidiocese

ANO PASTORAL
"Juntos no caminho de Páscoa"

[+info e Calendário]

 

Desejo subscrever a newsletter da Arquidiocese de Braga
3 Abr 2015
Nunca estarás só
Reflexão na oração da Laudes de Sexta-feira Santa, na Sé Catedral, às 10h, do dia 03 de Abril de 2015.
PARTILHAR IMPRIMIR
 

Hugo Delgado / WAPA

São sombrios os tons desta catedral. Mesmo à luz da fé não é fácil, para muitos, descortinar o sentido da vida. Há muitas pessoas mergulhadas na solidão. Pessoas de todas as idades e condições. As escolas mostram-nos jovens sem companhias fraternas. Nas casas há pais que nunca experimentaram o conforto de uma palavra que lhes dê serenidade. Os idosos fecham-se nas suas memórias, recordando os trabalhos duros e pesados que realizaram no passado sem qualquer espécie de reconhecimento no presente. Os nossos hospitais estão repletos de pessoas sem o aconchego familiar ou as carícias de presenças amigas. Tantas situações de solidão onde não há ninguém que ofereça um simples chá ou copo de água.

Uma dor semelhante acompanhou Jesus no jardim das oliveiras. Pouco antes de se retirar em oração, disse a Pedro e aos dois filhos de Zebedeu: “A minha alma está numa tristeza de morte; ficai aqui e vigiai comigo” (Mt 26, 38). Passados breves minutos, voltando para junto deles, encontrou-os a dormir e desabafou “Nem sequer pudeste vigiar uma hora comigo!” (Mt 26, 40). A um homem que cai com a face por terra, e com a sua alma numa tristeza de morte, apenas a solidão lhes fez companhia.

 Depois, uma vez preso e confrontado com acusações infundadas, deparou-se novamente com a solidão e o sofrimento. Pedro ficou relutante, com medo. Pedro foi um espectador sem a força interior necessária para defender a amizade que o vinculava a Cristo. Uma fraqueza que o conduziu fatalmente à mentira e à negação da verdade. Infelizmente, Jesus não foi caso único mas, dadas as suas circunstâncias singulares, gerou uma carga empática como nenhum outro. Diz a Sagrada Escritura que “tão desfigurado estava o seu rosto que tinha perdido toda a aparência de ser humano” (cf. Is 52, 14). É o sofrimento estampado em muitos rostos desvirtuados que não encontram quem seja capaz de os olhar e fitar demoradamente nos olhos.

Os investigadores do mundo da saúde são cada vez mais consensuais em distinguir a dor do sofrimento. A dor física, a dor neuropática, é um fenómeno biológico e tem sempre tratamento. Não existe dor que não seja tratável. Nos casos mais extremos podemos, inclusive, falar de cuidados paliativos. Acontece, todavia, que por vezes essa dor física é acompanhada de sentimentos interiores e psicológicos, como por exemplo a angústia, a depressão, a ansiedade, a solidão ou falta de sentido para a vida. Isto significa que existem diversos sofrimentos que nada têm a ver com a dor. Basta pensar no sofrimento prolongado que se sente pela perda de um ente querido.

Perante este Evangelho e a notória solidão de Jesus, gostaria de pedir a todos os cristãos, mas de um modo particular a quem trabalha no mundo da saúde e aos agentes da pastoral da saúde da nossa Arquidiocese, uma atenção redobrada a duas obras de misericórdia: 1. Assistir os doentes; 2. Ensinar os ignorantes.

Um dos episódios clássicos, na Sagrada Escritura, sobre a doença é a vida de Job. Recordo apenas aqui a conversa e a atitude dos amigos de Job que procuraram encontrar alguma lógica numa situação particularmente irracional. Os seus amigos foram ter com Job cheios de certezas, defenderam Deus e acusaram Job de ser o culpado da sua situação. Querendo consolar, acabam por ser chamados de “consoladores inoportunos” (Jo 16, 2). Porquê inoportunos? Porque presumem que sabem melhor do que o doente aquilo de que ele próprio precisa.

Se é importante e necessário assistir os doentes, o modo como o fazemos deve ser pretexto para nos examinarmos. Para assistir um doente em sofrimento e solidão é necessário sobretudo escutar. Escutar com tempo e paciência. É necessário aceitar o doente na sua situação,  com os seus limites, e respeitar o seu espaço. Dito de outro modo. A nossa presença deverá ser oportuna, pacificadora, aberta e evitando enfadar sem necessidade aquele que já se encontra em sofrimento. As nossas palavras devem, também, ser de esperança, breves. Palavras de quem faz caminho com o doente e não de quem se coloca, insensatamente, na posição do mestre. Por fim, e sem medo, as nossas palavras poderão ser também as de Jesus, isto é, palavras de oração e bênção. Há alturas em que, perante a fragilidade, só o crucificado se revela como força para o caminho. Como dizia S. Paulo: “quando sou fraco, então é que sou forte” (2 Cor 12, 10).

Este não é um trabalho exclusivo dos profissionais da saúde. Creio que também nas paróquias são necessários voluntários que dêem um pouco do seu tempo livre em favor dos que se encontram sozinhos. Uma comunidade que não se esquece dos esquecidos é uma comunidade que nunca será esquecida. Como cristão da minha comunidade posso e devo fazer muito pelos doentes.

A segunda obra de misericórdia, ensinar os ignorantes, pode enquadrar diversas dimensões. Em primeiro lugar, significa esclarecer os conteúdos da fé, ajudar a alcançar uma fé madura que seja capaz de fazer frente às adversidades. A catequese e a formação de adultos são, neste sentido, instrumentos preciosos. Todos a devemos aceitar como fundamental, fazendo com que muitos outros sintam necessidade de se enriquecer na sua formação. Em segundo lugar, ensina-se pelo testemunho. Dos primeiros cristãos dizia-se “Vede como eles se amam”. O segredo está neste “vede”. Um gesto credível ensina mais do que muitas teorias desencarnadas da realidade. Mas não podemos esquecer o uso da Palavra. Não somos mestres de ninguém mas a caridade exige que falemos. Quantos erros na vida dos outros que seriam evitados se não existisse tanta omissão quase sempre por medo. Mais ainda, os cristãos não podem calar-se perante tantos erros da sociedade hodierna

Que este Evangelho nos inspire, e em particular aos que trabalham no mundo da saúde, a generosamente servir o mundo. Um mundo feito de pessoas que caminham sós, pessoas que sofrem, pessoas frágeis e que, por isso, precisam que as visitemos e lhes dêmos bom testemunho da fé cristã. Façamos o nosso exame de consciência e aceitemos o compromisso de viver estas obras de misericórdia assim como todas as outras.

+ Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

PARTILHAR IMPRIMIR
Documentos para Download
Departamento Arquidiocesano para a Comunicação Social
Contactos
Director

P. Paulo Alexandre Terroso Silva

Morada

Rua de S. Domingos, 94 B
4710-435 Braga

TEL

253203180

FAX

253203190